“Não sei o que significa a liberdade”: uma vida de medo constante para os rohingya em Myanmar

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Esquecidos

O apoio da organização Médicos Sem Fronteiras à minoria muçulmana apátrida, perseguida há longos anos, é crucial para colmatar todas as restrições que lhes têm sido impostas.

 uma vida de medo constante para os rohingya em Myanmar

Sittwe é a capital do estado de Rakhine, no Oeste de Myanmar. Até novembro passado, as equipas da Médicos Sem Fronteiras (MSF) providenciaram aí uma série de serviços médicos essenciais a comunidades com acesso limitado a cuidados de saúde, incluindo aos rakhine, rohingya e a outras minorias étnicas.

Para os rohingya, uma minoria muçulmana perseguida há longos anos, apátrida desde 1982, esse apoio tem sido crucial para colmatar todas as restrições que lhes têm sido impostas. Sem liberdade de circulação, por exemplo, chegar a um hospital pode ser extremamente desafiante.

Para alcançar todas essas pessoas em maiores dificuldades, a MSF providenciou serviços médicos, apoio a sobreviventes de violência sexual e assistência psicossocial através de 25 clínicas móveis espalhadas pelo estado.

Porém, a partir de novembro de 2023, o colapso de um cessar-fogo e o eclodir de um conflito que se desenhava há um ano forçaram a MSF a suspender as atividades médicas e humanitárias no Norte do estado de Rakhine e diminuir a assistência prestada na região central.

Desde então, restrições de circulação, falta de permissões para transporte de provisões médicas e outro tipo de proibições têm entravado o apoio médico das equipas humanitárias, que era muitas vezes o único recebido por vastos grupos de pessoas. Nos sete meses que passaram desde setembro de 2023 até abril de 2024, o número de consultas mensais ambulatórias da MSF no estado de Rakhine caiu de 6.684 para apenas 236.

Em junho passado, voltou a ser dada permissão à MSF para reiniciar as clínicas móveis em Sittwe, com um acesso condicionado a outras áreas do estado, mas estima-se que cerca de 70 por cento da população da cidade tenha fugido, antecipando uma escalada do conflito. Em contraste, muitos rohingya, que vivem em campos fechados, têm sido forçados a ficar na área devido às severas restrições de circulação que enfrentam.

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Um conflito prolongado e ainda mais violência

“Os rohingya não só foram apanhados outra vez no meio de um conflito, como também os rakhine estão a ser expostos a uma violência extrema”, frisa um profissional da MSF.

 uma vida de medo constante para os rohingya em Myanmar

Zoe Bennell

À medida que a violência se intensifica, torna-se evidente que o grupo de pessoas em maior vulnerabilidade são os apátridas rohingya, encurralados no meio de um conflito, sem meios de fuga.

“Em toda a minha vida, nunca me senti livre por um único segundo. Não sei o que significa a liberdade”, expressa um rohingya que conseguiu fugir para Sittwe. “Em Myanmar, nós, rohingya, vivemos num estado constante de medo.”

Até mesmo os que procuraram segurança em Sittwe não se sentem descansados.

“Se os combates e a perseguição em Buthidaung e Maungdaw se propagarem até Sittwe, não teremos outra escolha senão fugir novamente para o Bangladesh, ou para outro sítio qualquer. Temos de fazer o que for preciso para salvar as nossas vidas”, acrescenta.

Há também vários rohingya que recordam ataques em zonas civis. “As pessoas procuraram refúgio em hospitais, escolas e esquadras. Mas até mesmo se fugissem, acabariam em áreas controladas por uma parte ou outra do conflito, sem possibilidade de fugir aos ataques.”

Surgiram também relatos de violência sexual perpetrada pelas forças em conflito. “Três mulheres que fugiram do Norte de Maungdaw foram violadas por oito homens”, conta um rohingya, partilhando a história de uma mulher que conheceu enquanto fugia de Maungdaw.

Um homem rohingya que conseguiu escapar aos confrontos no Norte de Buthidaung recorda a experiência de ser forçado a alistar-se.

“Havia lá cerca de 30 soldados rohingya. Os militares só nos queriam usar como soldados para a linha da frente. Quase que não nos davam comida nenhuma.”

Apesar de não ter quaisquer intenções de se juntar às forças armadas, foi ameaçado com tortura e detenção se recusasse. “Não tivemos escolha”, sublinha.

Necessidade urgente de restaurar acesso a cuidados

No início de julho, profissionais da MSF carregaram medicamentos e provisões para um veículo e dirigiram-se para uma clínica no bairro de Aung Mingalar. Era apenas a segunda atividade móvel da MSF, oito meses após o conflito ter eclodido novamente em Rakhine e impossibilitado o trabalho das equipas da organização.

A sala de espera ficou quase imediatamente sobrelotada com pacientes que procuravam assistência médica. Dezenas de mulheres rohingya e rakhine esperaram também pela sua vez na maternidade, ilustrando as necessidades médicas não atendidas enquanto os serviços não podiam ser executados.

No entanto, a MSF não conseguiu ainda retomar as atividades em nenhuma das outras 24 clínicas móveis por todo o estado. Os relatos de um surto de diarreia aguda em Sittwe tornaram ainda mais urgente a necessidade de expandir as atividades de saúde.

Restaurar o acesso à saúde para as comunidades em maior vulnerabilidade no estado de Rakhine é uma questão urgente para evitar mais mortes desnecessárias.

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