Naufrágio de Pilos. Seis meses depois, há "poucos progressos nas investigações" gregas

9 meses atrás 62

Num dos maiores naufrágios do Mediterrâneo em 2023, na costa da Grécia, as autoridades helénicas mantêm a palavra de que a tripulação do navio recusou assistência. Porém, organizações de defesa Direitos Humanos como a Human Rights Watch (HRW) e a Amnistia Internacional defendem que há alegações credíveis de que as “ações e omissões” da Guarda Costeira grega contribuíram para o naufrágio.

Recorde-se que o Adriana, uma traineira de pesca sobrelotada, virou na madrugada de 14 de junho de 2023, causando as mortes de mais de 500 pessoas – embora a HRW aponte mais de 600.

O Adriana tinha iniciado a viagem na Líbia cinco dias antes com cerca de 750 migrantes e requerentes de asilo, incluindo crianças. Os migrantes vinham principalmente da Síria, do Paquistão e do Egito. Apenas 104 pessoas a bordo sobreviveram e 82 corpos foram recuperados.As investigações, que começaram há seis meses, estão longe do fim e as organizações de Direitos Humanos lamentam a falta de progressos.

Por sua vez, os sobreviventes a exigirem justiça e os ativistas argumentam que há preocupações “sobre as perspetivas de responsabilização”, devido à forma como o inquérito está a ser conduzido.

“O naufrágio de Pilos parece ser outro exemplo trágico da abdicação das autoridades gregas da responsabilidade de salvar vidas no mar”, afirmou Judith Sunderland, diretora associada para a Europa e Ásia Central da HRW.

Acrescenta que é necessário “um relato completo do que aconteceu” para se apurar a verdade. “É fundamental para garantir a verdade e a justiça para os sobreviventes e as famílias das vítimas e para ajudar a evitar mortes futuras”, sublinha Sunderland.
As longas horas de agonia e contradições

A Amnistia Internacional e a Human Rights Watch entrevistaram 21 sobreviventes, cinco familiares de cinco pessoas ainda desaparecidas e representantes da Guarda Costeira Helénica, da polícia grega, de organizações não governamentais, das Nações Unidas e de agências e organizações internacionais.

Os sobreviventes relataram que um barco patrulha da Guarda Costeira prendeu uma corda ao Adriana e puxou, fazendo com que o barco virasse. Alegaram ainda que o navio da Guarda Costeira “demorou a ativar as operações de salvamento, não conseguiu maximizar o número de pessoas resgatadas e envolveu-se em manobras perigosas”.

A Guarda Costeira afirma que durante as comunicações telefónicas por satélite, entre as 15h30 e as 21h00, as pessoas no Adriana “repetiram consistentemente que desejavam navegar para Itália e não queriam qualquer assistência da Grécia".

Mas, em entrevista à Human Rights Watch, Ahmed, da Síria, contradiz a informação das autoridades: “Conversámos com eles [a Guarda Costeira] através da máquina [telefone via satélite], o desejo de sermos resgatados estava explícito nas ligações”.

Em mais de oito horas de comunicações, as autoridades gregas confirmaram que depois de um helicóptero ter localizado o Adriana, às 15h35, foi despachado o barco patrulha PPLS920.

Entretanto, desde as 11h00 que o Centro Italiano de Coordenação de Resgate Marítimo tinha alertado o Centro de Coordenação de Resgate Grego da existência de uma embarcação com 750 pessoas. 

Pelas 12h47, um avião da agência Frontex avistou o Adriana e monitorizou-o durante dez minutos, antes de retornar à base devido a ter pouco combustível. A Frontex confirmou à Amnistia Internacional e à Human Rights Watch que se ofereceu duas vezes para enviar apoio aéreo, mas não recebeu resposta das autoridades gregas.

O barco patrulha grego PPLS920, enviado de Creta, chegou pelas 22h40, prendeu uma corda ao Adriana e acelerou, “fazendo com que o barco desviasse em várias direções antes de virar”, relataram 11 dos 21 sobreviventes entrevistados.

Gamal, do Egito, contou que quando o barco da Guarda Costeira chegou, ele estava sentado no tombadilho. “Porque eu estava tão animado que queria ver aquelas pessoas que nos vinham resgatar”, descreveu. Gamal lembra-se de “quando amarraram a corda e puxaram o barco muito rápido para a esquerda”. E pensou: “Eles vão para a esquerda, o barco afunda para a esquerda, depois eles vão para a direita, o navio afunda mais para a direita”.

Depois de o Adriana ter virado, os sobreviventes reportaram que subiram para o casco do barco. De acordo com os sobreviventes e o relato da Guarda Costeira, a traineira levou cerca de 20 minutos para afundar-se por completo.

A reconstituição das comunicações, decisões e outros detalhes podem ser consultadas no site da Human Rights Watch.
Falha nos recursos

As organizações de ajuda internacional alegaram que as autoridades gregas não conseguiram mobilizar “recursos apropriados para o resgate”.

“O barco patrulha enviado pelo JRCC Piraeus, o PPLS920, não estava equipado para realizar um resgate em grande escala”, afirmam as organizações de Direitos Humanos.

E de acordo com informações oficiais a embarcação contava com apenas 43 coletes salva-vidas individuais, oito argolas salva-vidas, duas balsas salva-vidas insufáveis com capacidade para transportar 39 pessoas e uma embarcação inflável auxiliar.

Na análise da HRW, é denunciado ainda que as autoridades gregas não mobilizaram outros meios, embora os relatórios indiquem que “havia navios disponíveis em portos mais próximos”.Investigação e justiça lenta

Mais de metade dos 40 sobreviventes intentaram ações legais contra o Estado grego. Acusam o Governo de Mitsotakis de “prosseguir uma política de dissuasão baseada na criminalização dos migrantes”. Estes migrantes ainda não prestaram testemunho.Os nove suspeitos egípcios acusados de supervisionar a operação de contrabando destes migrantes estão presos, mas ainda não foram julgados.

A Guarda Costeira helénica recusa-se a responder às reivindicações dos grupos de Direitos Humanos, justificando a existência de investigações judiciais e não judiciais.

“O tempo é essencial”, diz Lefteris Papagiannakis, diretor do Conselho Grego para os Refugiados, que representa a maioria dos sobreviventes que agora exigem uma investigação sobre a tragédia.

“Alguém tem de ser responsabilizado, depois do naufrágio ocorrido na Grécia”, declarou à publicação britânica The Guardian. “Os sobreviventes, as famílias das vítimas, todos querem justiça. Tantas pessoas morreram. Eles estão todos no fundo do mar e o mais doloroso é que nunca saberemos quem ou quantos eles eram”, rematou.
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