Neste dia, há 50 anos, Héctor Yazalde recebeu a Bota de Ouro Europeia

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Yazalde é um nome acarinhado na história de todos os clubes por onde passou, mas em particular no Sporting. As quatro temporadas passadas em Lisboa foram suficiente para que o argentino marcasse uns impressionantes 126 golos, 50 dos quais numa temporada em que foi o melhor marcador de toda a Europa.

Brilhava pela sua capacidade goleadora e um estilo de jogo que tantas vezes não condizia com os 176 centímetros de altura. Em campo era corajoso, feroz, mas o comportamento fora das quatro linhas também tornava este avançado numa personalidade idolatrada por muitos. Era boémio, ligado às artes, mas sempre humilde. Esta é a história do Chirola.

Moedas no caminho? Guardo todas...

À semelhança de tantas biografias de craques à escala mundial, a história de Yazalde começa na preferia de Buenos Aires. Foi aí que nasceu, em maio de 1946, num bairro pobre chamado de Villa Fiorito.

A pobreza do bairro não é um elemento desconexo em relação ao conto que aqui trazemos. Afinal, foi devido a essas limitações que aos 13 anos o pequeno Héctor já trabalhava.

Vendia jornais, fruta, gelo picado... O que houvesse para vender, no fundo. Em troca, recebia as mais pequenas moedas em circulação na Argentina. «Chirolas», como eram chamadas. Essas moedas que colecionava para ajudar os pais compraram-lhe uma alcunha para a vida.

Yazalde com a camisola do Independiente @ELGRAFICO.COM

Fora isso, o miúdo aplicava a restante energia ao não raro sonho de ser jogador da bola. Sonhava com o profissionalismo e com a camisola do Boca, mas não conseguia um lugar nem na cantera de clubes mais realistas, como o Racing ou o Los Andes.

Seria só aos 18 anos que conseguiria finalmente entrar no futebol federado, no humilde Piraña, da quarta divisão. Agarrou-se a essa primeira oportunidade como pôde e, depois de 52 golos em dois anos, o último dos quais a garantir a subida à terceira, foi contratado pelo Independiente por 1,8 milhões de pesos.

Ainda jovem, tinha conseguido o salto para a primeira divisão. Não ficou intimidado. Fez nove golos nos primeiros seis jogos, assumiu-se como figura (segundo melhor marcador da Liga) e sagrou-se campeão argentino nesse ano de estreia, em 1967!

Em 1968 fazia a estreia pela seleção da Argentina, num amigável pleno de rivalidade contra o Brasil (4-1). O salto para a Europa não era uma necessidade absoluta para o sucesso, pelo que permaneceu no Independiente mais temporadas, levantando mais dois troféus (Campeonato Metropolitano) e terminando a campanha de 1970 sendo eleito Jogador do Ano. Era um craque, não havia dúvida.

Goleador tremeu em Lisboa

Na América do Sul, Santos, Palmeiras e Boca Juniors disputavam a contratação de Yazalde. Na Europa, Lyon e Valencia também mostravam interesse. Em janeiro de 1971, Abraaão Sorin, vice-presidente do Sporting na altura, viajou até à Argentina e resolveu tudo a favor da equipa portuguesa, com uma proposta de 4200 contos.

Chegou a Lisboa no mês seguinte, mas já era demasiado tarde para que fosse inscrito nessa temporada. Teve de esperar pelo verão, enquanto era chamado a jogo apenas para jogos particulares e usava o seu muito tempo livre para um notável envolvimento no lado mais boémio da vida lisboeta, onde conheceu uma atriz portuguesa que viria a ser a sua esposa.

Só se estreou em setembro, na primeira jornada da época seguinte, e fê-lo com um bis frente ao Boavista. Depois marcou também aos noruegueses do Lyn, na sua estreia europeia, e continuou em forma com o golo da vitória sobre o Barreirense. Estava em todas, o argentino!

Continuou a marcar de forma consistente até ao virar do ano, assumindo papel de destaque na equipa, mas o arranque de 1972 trouxe uma história bem diferente. Uma lesão afastou-o temporariamente, mas nunca recuperou bem da mesma, tanto que janeiro, fevereiro, março e abril trouxeram a soma de 0 golos.

Apesar de ter começado com estatuto de goleador, a temporada de estreia acabaria por ser encarada como um fracasso. Para isso contribuiu, segundo o folclore leonino, o facto de ter sido mal recebido pelo plantel do Sporting. Os seus colegas de equipa, liderados por Fernando Peres, não lidaram particularmente bem com a diferença dos salários e isso pesou.

O melhor marcador do continente

Se a primeira época na Europa ficou aquém das expectativas, o mesmo não se pode dizer do resto da vida ao serviço do Sporting. A começar por 1972/73, época em que Yazalde foi o melhor marcador da equipa (27 golos) e contribuiu com um golo na final da Taça de Portugal, frente ao Vitória FC (3-2).

O Chirola já estava no bom caminho, mas ninguém sabia ao certo o quão brilhante seria o conto que o ponta de lança estava a escrever em Portugal. Afinal, 1993/94 seria absolutamente histórico...

@Getty /

50 golos em 35 jogos. Sim, leu bem. Foi esse o registo de Yazalde em 1973/74, com a listada verde e branca. Contribuiu com 46 golos em 29 jogos na Liga (uma média de 1,59 golos por jogo!) o que o levou à conquista da Bota de Ouro Europeia. Seria o primeiro jogador do Sporting a alcançar essa façanha, bem antes de Mário Jardel.

Nessa época, sob o leme de Mário Lino, o Sporting sagrou-se campeão nacional e ainda celebrou a dobradinha com nova conquista da Taça. Poderia também ter repetido uma conquista europeia na Taça das Taças, caso não tivesse caído nas meias frente ao eventual vencedor, FC Magdeburg, na ausência de um ponta de lança que era figura de proa. [Leia também: Magdeburg x Sporting: «E Depois do Adeus»]

Foi uma lesão que o tirou dos últimos jogos da temporada, que podia ter sido ainda mais feliz. Ainda assim, Yazalde recuperou a tempo de ir ao Mundial de 1974, na Alemanha, e contribuir com dois golos e uma assistência em três partidas pela equipa argentina.

Os golos abrandaram ligeiramente na temporada seguinte, mas foram mais do que suficientes para que Chirola se sagrasse o melhor marcador da Liga Portuguesa. 30 golos em 26 jogos, suficiente também para terminar em segundo lugar na Bota de Ouro europeia e despedir-se do Sporting como um dos maiores goleadores de que há memória no futebol português.

Marseille e regresso a casa

O fim de uma época de menor sucesso obriga João Rocha, presidente do Sporting, a aceitar os 11 mil contos que o Marseille ofereceu pelo Yazalde no verão de 1975 - um valor bem inferior aos 27 mil contos que o Real Madrid tinha oferecido um ano antes. A saída não foi bem recebida pelos adeptos, mas a sucessão foi bem trabalhada, com a contratação de Manuel Fernandes, futuro capitão e glória do clube, à CUF.

Em França, o Chirola mantém a boa relação com os golos, marca 10 vezes nos primeiros 10 jogos pelo Marseille e é eleito homem do jogo na final da Taça frente ao Lyon (2-0). 

A vida em Marselha só não foi melhor porque uma lesão travou o início da segunda temporada, que acabaria cortada ao meio. Depois deu-se a saída, motivada por uma dica de que só teria lugar na convocatória argentina para o Mundial de 1978 caso regressasse à liga local. Com isso em mente, rescindiu e assinou pelo Newell´s Old Boys.

De volta ao seu país natal, Yazalde assume-se como figura da sua equipa e começa a marcar golos atrás de golos. Defronta o Argentinos Juniors de um jovem Maradona, que era fã assumido do avançado, e bisa numa vitória por 3-0. Não conseguiu qualquer troféu em temporada e meia, mas a quantidade de golos prometia ser suficiente para a convocatória para o Mundial, a disputar na Argentina...

Não foi. Menotti deixou o Chirola fora da lista e este não tardou a entrar em depressão. Segue-se também uma gripe, cujo tratamento com uma seringa reutilizada acaba também por contagiá-lo com hepatite. Uma espiral que levou a um fim de carreira menos feliz, mas que não apagou, de forma alguma, o legado do avançado.

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