Nigel Farage. Um furacão sem lugar no parlamento (mas isso pode mudar)

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Reino Unido

02 jul, 2024 - 19:35 • António Fernandes

O outro trunfo é Nigel Farage, o líder do partido. Quando foram convocadas as eleições, Farage estava afastado da política britânica, tendo recusado a ideia de se candidatar. Mas, ao ver a oportunidade surgir, regressou ao partido que fundou (e de que é dono) — o Reform subiu imediatamente nas sondagens.

O Reino Unido vai a votos na quinta-feira e, desta vez, entre os tradicionais partidos de governação pode intrometer-se o Reform UK, um partido eurocético, criado como Partido do Brexit — e que mudou de nome depois da saída do Reino Unido da União Europeia. Até há pouco tempo, não tinha um único deputado no parlamento britânico, mas agora algumas sondagens dão-lhe números próximos do Partido Conservador, o que poderá vir a dar um assento a Nigel Farage no parlamento. Mas nada está ainda fechado: uma divisão dos votos à direita pode levar a uma maioria mais alargada à esquerda.

Antes de serem convocadas as eleições, o Reform UK era um partido com pouca expressão. Em menos de seis semanas passou para valores de intenção de voto perto dos do poderoso Partido Conservador, no poder há 14 anos. São esses mesmos conturbados anos que dão a primeira ajuda ao Reform. Cansados dos escândalos, que vão desde festas ilegais durante a pandemia, a recentes acusações de apostas sobre a data das eleições, muitos eleitores britânicos procuram um voto de protesto.

Conscientes da queda da sua popularidade, os Conservadores agarram-se à imigração como forma de reverter o esperado declínio nas eleições. Essa estratégia virou-se contra eles, segundo Jonathan Parker, professor de política na Universidade de Glasgow: “Pensaram que poderiam usar isso contra o Partido Trabalhista, colocando-se como o partido que é duro contra a imigração.” Em vez disso, acabaram por fazer com que o tema subisse nas prioridades dos eleitores. E a consequência não foi a esperada: os eleitores pensaram “porquê votar nos conservadores, que nunca conseguiram controlar a imigração e não votar no partido que é mesmo anti-imigração?”, questiona Jonathan Parker.

O outro trunfo é Nigel Farage, o líder do partido. Quando foram convocadas as eleições, Farage estava afastado da política britânica, tendo recusado a ideia de se candidatar. Mas, ao ver a oportunidade surgir, regressou ao partido que fundou (e de que é dono) — o Reform subiu imediatamente nas sondagens.

Quem é Nigel Farage?

Aos 60 anos, Farage é uma figura controversa no espaço público britânico — e gosta de o ser. Terminado o ensino médio, Farage não seguiu para a universidade. Em vez disso trabalhou na bolsa, seguindo os passos do pai. Foi membro do Partido Conservador, até ter abandonado o partido em 1992 quando John Major, então primeiro-ministro, assinou o tratado de Maastricht.

Passado um ano foi co-fundador do UKIP — o Partido pela Independência do Reino Unido. Tornar-se-ia o seu líder em 2006. Antes, em 1999, foi pela primeira vez eleito para o Parlamento Europeu. Usaria essa plataforma para criticar o Parlamento Europeu e as suas instituições. Quase sozinho, ergueu a bandeira do eurocepticismo e trouxe a discussão para os principais palcos políticos.

Em 2010, seguia numa avioneta que se despenhou depois de ficar presa numa bandeira do UKIP, uma manobra marketing que podia ter tido contornos dramáticos. Sobreviveu com algumas costelas partidas e um pulmão perfurado.

Depois de um resultado histórico nas eleições europeias de 2014 — em que o UKIP conseguiu o seu maior número de deputados, e perante a pressão pressão a ala mais à direita do Partido Conservador —, o então primeiro-ministro, David Cameron, convocou um referendo à permanência na União Europeia. O momento de Farage tinha chegado.

Durante a campanha prometeu que 350 milhões de libras (que seriam poupados saindo da União Europeia) seriam dedicados ao serviço nacional de saúde. Dois dias depois do Reino Unido ter votado a favor da saída da União Europeia, voltou atrás com essa promessa. Ainda deputado europeu, regozijou-se com um discurso que estava preparado há anos: “Não é engraçado, que quando eu aqui cheguei há 17 anos e disse que queria liderar uma campanha para tirar o Reino Unido da União Europeia, vocês riram-se todos de mim. Bem, não se estão a rir agora.”

Nas entrelinhas, lia-se que, na sua opinião, sem Farage não existiria Brexit.

Alcançado o grande sonho, anunciou que ia deixar a política. “Quero a minha vida de volta”, disse. Passados dois anos de tumulto sobre o rumo das negociações para o Brexit, criou o Brexit Party. O Brexit chegou ao fim, o Brexit Party passou a Reform UK e Farage anunciou que ia, uma vez mais, afastar-se da política. Juntou-se ao novo canal GB News, tornando-se uma voz ativa da direita radical na televisão, onde recebia um ordenado chorudo. A porta da política nunca se fechou completamente, mantendo-se como presidente honorário do Reform.

Farage passou pelos EUA, onde trabalhou com Donald Trump, seu amigo, no caminho para a reeleição do norte-americano como Presidente e aumentou a sua popularidade, particularmente entre os jovens, com uma participação no reality show "Sou uma Celebridade”, em 2023.

Há uma coisa que Farage nunca foi neste longo trajeto: deputado no parlamento britânico. Sete foram as vezes que tentou, sete foram as vezes que falhou.

Apesar disso, Jonathan Parker não duvida da sua importância: “É uma das figuras mais importantes no Reino Unido dos últimos 20 anos, se não a mais importante. Conseguiu grandes mudanças políticas e na opinião pública, sem sequer se aproximar da Câmara dos Comuns”. Essa ideia é partilhada por Alex Phillips, que trabalhou com Farage durante muitos anos, e foi eurodeputada do Brexit Party. Num episódio de Newscast, da BBC, a política defendeu que a história vai lembrar-se de Farage muitos mais do que de alguns dos primeiros-ministros britânicos.

Farage parece bem encaminhado para ganhar o círculo eleitoral em que vai competir, mas não é garantido que à oitava seja de vez.

Tal como no UKIP, e no Brexit Party, também o Reform é um partido que se confunde com o seu líder, “geralmente a única figura que o público conhece”, segundo Jonathan Parker. Também por isso, diz, vai ser interessante ver como Farage lida com a possibilidade de ser eleito com mais deputados, porque não está habituado a “partilhar o palco com ninguém”. São conhecidos muitos casos de relações cortadas devido ao seu temperamento difícil. Farage não é só a figura central do partido — ele é o dono do partido, que tem estrutura de empresa. O Reform tem 45 mil membros e Farage diz que quer democratizar o partido, mas não deu detalhes sobre quando (ou como) isso pode acontecer.

O impacto que tem junto das massas é óbvio, e Parker diz que Farage é "uma fotocópia do manual dos políticos de extrema-direita populista, é uma figura muito parecida a tantas outras que vemos liderar a extrema-direita na Europa".

"Apresenta-se como real, um homem do povo, alguém que não é político – quando na verdade passou 20 anos a fazer política. Mas é um excelente orador, carismático no seu estilo, se comparado com Sunak (primeiro-ministro britânico) ou Starmer (líder da oposição). É mais entusiasmante e autêntico”, conclui.

“A questão da independência da Escócia não está morta”

Para Farage, é falso que seja de extrema-direita ou racista. No entanto, o seu discurso diz o contrário. Na BBC Radio 4 disse que se sente “desconfortável quando ouve falar línguas estrangeiras no comboio”. Em 2016, na campanha para o Brexit, ficou famoso um cartaz em que se via uma fila de imigrantes com a legenda “ponto de rutura”. Um antigo colega de turma, de quando tinham 15 anos, citado numa biografia escrita por Michael Crick, acusou de Farage de sempre ter sido sempre “desavergonhadamente racista”.

O seu estatuto de estrela intocável, a quem é permitido dizer tudo, foi posto em causa depois de ter defendido Vladimir Putin, Presidente da Rússia, e de ter acusado a União Europeia e a NATO de terem provocado a guerra na Ucrânia. Será o suficiente para abalar a confiança dos eleitores?

Terceira força no parlamento?

As sondagens indicam que o Reform vai tornar-se na terceira força no parlamento. No entanto, apesar de, em percentagem de voto, o Reform UK apresentar números mais aproximados do Partido Conservador, na prática pode acabar por ter pouca representação no parlamento. No sistema eleitoral britânico, com 650 círculos muito pequenos, the winner takes it all, ou seja, mesmo que seja por uma diferença de apenas um voto, só o partido vencedor beneficia no parlamento de cada eleição. Não se prevê que muito mais do que quatro deputados do Reform consigam ser eleitos e, nos dias que antecedem a eleição, o Reform parece estar em queda, depois de terem sido conhecidos comentários racistas de vários candidatos.

Ainda assim, o Reform terá um grande impacto ao dividir o voto à direita. De tal forma que pode fazer até 100 deputados caírem para o lado Trabalhista em vez de Conservador. Jonathan Parker diz que uma grande maioria dos eleitores do Reform “estão contra tudo e todos, estão tão fartos dos atuais Conservadores que nem querem saber se os Trabalhistas acabam no poder”.

No longo prazo, Parker acredita que Farage gostava de se tornar o líder dos Conservadores ou de “um partido Conservador refeito à sua imagem", e, por isso, "tem esperança que haja um colapso total dos Conservadores para que possa oferecer uma aliança ou ficar numa posição em que se torne o líder da oposição e a principal figura da direita".

Farage disse em entrevista ao site Politics Home que ficaria “surpreendido se não fosse o líder dos conservadores em 2026”. Depois, disse que era uma piada. Mas também já disse, pelo menos três vezes, que se ia afastar da política e está finalmente à beira de se tornar deputado no parlamento britânico.

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