No país das desculpas, apanhar moscas com vinagre

3 meses atrás 76

O problema da saúde não se resolve por decreto nem por soluções telefónicas intermediadas pelo SNS24, que não têm em conta o perfil dos utentes, muito menos com a arrogância sobranceira de querer “apanhar moscas com vinagre”, com proclamações de que as lideranças hospitalares são fracas.

As desculpas em relação às existências, aos resultados e ao que temos a capacidade de construir individual e coletivamente faz parte da nossa forma de estar.

Um governo inicia funções desculpa-se com o anterior, antecâmara da afirmação de novas opções que erradicam as anteriores, novas nomeações e ensaios de políticas públicas de acordo com a estratégia política e as condições de estabilidade para o exercício.

Um governante inicia funções e tem logo a pretensão de deixar a sua assinatura como se a circunstância não fizesse fracas lideranças e opções políticas que se afirmam pela sobranceria, arrogância e falta de noção das consequências e induções sociais das narrativas e das ações.

A saúde é hoje um problema central para a maioria dos portugueses, porque persistem bloqueios no seu acesso que resultam da conjugação desafiante da redução dos horários de trabalho sem compensação de integração de mais recursos humanos, da falta de ânimo dos profissionais, dos problemas de gestão e de organização, dos impactos do aumento da esperança de vida, com o inevitável envelhecimento da população a precisar de mais cuidados, das consequências dos estilos de vida e das dinâmicas demográficas do país, a recuperar doenças erradicadas e patologias que só conheciam dos livros teóricos. A pressão das circunstâncias no Serviço Nacional de Saúde, nos privados e no setor social já determinou a emergência de insuficiências nas respostas e nos acessos.

O problema da saúde não se resolve por decreto nem por soluções telefónicas intermediadas pelo SNS24, que não têm em conta o perfil dos utentes, muito menos com a arrogância sobranceira de querer “apanhar moscas com vinagre”, com proclamações de que as lideranças hospitalares são fracas. No tempo da liderança do Hospital de Santa Maria, a Sra. Ministra da Saúde não teve nenhum funcionamento de serviço encerrado, sem que os cidadãos tivessem acesso aos cuidados de quem precisavam ou julgavam precisar? Foi mais fraca por esses encerramentos? Foi mais fraca porque, perante as orientações políticas como as que está a dar e vai continuar a dar agora, debandou das funções?

É fácil exercitar fraquezas alheias quando são reconhecidas a falta de uma visão para o desafio da gestão da saúde, a ausência de compromisso para uma reorganização, sem perda de proximidade dos acessos, integrando todas as disponibilidades em saúde existentes, sem preconceitos ideológicos, a exiguidade dos recursos disponíveis e débil autonomia das gestões no território, com as necessárias responsabilizações pelos resultados.

Rotular de “lideranças fracas” pilares do SNS, enquanto sacode água do capote sobre disponibilidade de respostas nas urgências que eram politicamente assacadas ao anterior governo, é todo um padrão de governação já exercitado na Santa Casa da Misericórdia e noutras mudanças de gestão, legítimas, mas inaceitáveis na forma e no modo.

O governo, apesar de não ter maioria parlamentar, pode querer governar à bruta, como Cavaco Silva, contra a pulverizada vontade popular expressa, mas tem a obrigação de saber que a consequência é o reforço da intransigência em relação aos maus resultados, por mais mascarados que sejam, e o aumento da ligeireza dos comentários populares, consagrados nas redes sociais. A facilidade com que abocanham terceiros é um boomerang que se virará contra o exercício político, enquanto alimenta a boçalidade digital e os populismos vigentes.

É claro que não são exigidos resultados no parco tempo de governação em que procura afirmar a marca da decisão, de quem faz, de quem resolve, mas não é possível, nem sustentável, viver numa espécie de Olimpo de indiferença em relação às condições de governabilidade parlamentar, num estilo pejado de sobrancerias e anúncios sem tradução prática nos quotidianos. Haverá sempre um tempo, acelerado e volátil, como é timbre das sociedades atuais, em que a esperança dos anúncios, exigem a vivência dos impactos positivos. Esse tempo será já depois do interlúdio do verão, sempre marcado por mitigações climáticas, de humores e de distrações das agruras e dos bloqueios do dia-a-dia. Até lá, é bom que as desculpas, as verborreias insultuosas e as sobrancerias cedam passo a um exercício político realista e consequente. Nunca foi com vinagre que se apanharam moscas, não vai ser agora. Mais respostas e menos conversa.

NOTAS FINAIS

A EUROPA DAS GEOMETRIAS VARIÁVEIS. A mesma Europa que impõe restrições aos carros elétricos chineses embevece-se com um Euro 2024 em que, dos 13 patrocinadores oficiais, quatro são chineses, um deles de automóveis, um do Catar e um do Brasil. Nesta incoerência da relação com o dinheiro, vislumbra-se toda uma expressão da Europa que temos. Sem vontade transformadora real, manter-se-ão os interesses de geometria variável e uma sustentada incapacidade para responder em tempo útil aos povos, falando a uma só voz que incorpore a diversidade.

SEM COMPROMISSO, NÃO HAVERÁ OFÍCIO. A pulverização da representação parlamentar na República, nos Açores e na Madeira, determinou a ausência de maiorias sólidas de governo. Sem um esforço acrescido de construção de pontes e compromissos, prevalecerá a circunstância do turno, sem medidas estruturais sustentáveis. Uma tragédia para as pessoas, os territórios e o futuro.

DOUTRINA MARCELO AMARRA MADEIRA A ELEFANTE NA SALA. Albuquerque é hoje um elefante na loja de porcelana madeirense. Sem maioria, nem condições para gerar estabilidade, a doutrina Marcelo da personalização das escolhas democráticas, aplicada na República a António Costa e ao PS, determina a impossibilidade de erradicação do elefante do meio da sala.

E SE FOSSE BOM PARA PORTUGAL E PARA A EUROPA? O antecedente de Durão Barroso projeta a bondade do exercício mais para o ego e para as oportunidades supervenientes do que para o interesse nacional ou do projeto europeu, mas há ainda quem acredite em milagres, num tempo ainda mais volátil, superficial e incerto.

Ler artigo completo