Núncio desafia PS a aprovar redução do IRC. Negociar OE só “depois” da apresentação da proposta

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Meses após o regresso do CDS-PP ao Parlamento, o líder da bancada recebeu a Renascença no gabinete, onde Paulo Núncio está a completar o friso de retratos de parede de ex-presidentes do grupo parlamentar.

O deputado e dirigente centrista está convencido de que “estão criadas as condições” para a viabilização do Orçamento do Estado e avisa que não é “desejável” ter o país a viver em duodécimos.

Na semana em que se debate o estado da Nação, Paulo Núncio apela à “responsabilidade” e à “maturidade” das oposições e desafia o PS a aprovar o pedido de autorização legislativa para a redução do IRC. Quanto às negociações sobre o OE, o líder da bancada centrista diz que “falta muito tempo” e só deverão acontecer “depois” de ser apresentada a proposta.

Sobre a lei de despenalização da eutanásia que está à espera de regulamentação, o dirigente do CDS-PP alinha pela posição definida pelo PSD e aguarda por uma decisão do Tribunal Constitucional sobre o pedido de fiscalização de constitucionalidade que foi entregue quer pelos social-democratas quer pela provedora de justiça. “Esperemos que seja rápido”, pressiona.

Nesta entrevista, Paulo Núncio anuncia que a bancada que lidera pretende apresentar propostas no Parlamento para aumentar salários nas Forças Armadas e quer ainda reforçar o estatuto do ex-combatente, a par do que o primeiro-ministro já anunciou na sequência da cimeira da NATO.

O estado da Nação diria que é de pré-crise política ou acredita que vamos ter aqui uma boa reviravolta para a AD e a proposta do Orçamento do Estado (OE) é mesmo aprovada?

Acho que estão criadas as condições para que o OE de 2025 seja aprovado ou seja viabilizado. Os portugueses não entenderiam que dois partidos que, alegadamente, não têm nada em comum, o PS e o Chega, se unissem outra vez para inviabilizar o OE sem que, para tal, tenham qualquer alternativa a apresentar. Os portugueses não entenderiam que, menos de um ano depois das últimas eleições, que o país entrasse novamente numa crise política.

Acredita, portanto, que, pelo menos, o PS ou o Chega poderão vir a viabilizar a proposta?

Acho que existem condições para que isso aconteça. Da parte do Governo, e dos partidos que apoiam o Governo, haverá seguramente abertura para negociar, quer leis avulsas, quer a própria lei de OE, desde que essas negociações sejam sérias e não sejam um jogo de sombras, não sejam a fingir.

Mas que até agora ainda não aconteceram.

Não, porque a proposta de OE ainda não foi apresentada. Falta ainda muito tempo, a proposta terá de ser apresentada até ao dia 10 de outubro e por isso a partir daí iniciar-se-ão, seguramente, negociações que nós esperamos que sejam negociações sérias.

Essas negociações deviam começar antes de a proposta ser apresentada ou só há condições para que comecem essas negociações, por exemplo com o PS, depois de apresentada a proposta?

A iniciativa é do Governo, a proposta de OE parte da iniciativa do Governo, por isso é o Governo que tem de cumprir o seu papel, fazer a apresentação do OE e depois a partir daí começam as negociações.

No passado muitos orçamentos apresentados por governos minoritários do PS foram viabilizados quer pelo PSD, quer pelo CDS, que na altura demonstraram grande responsabilidade e maturidade política. Compete agora aos outros partidos da oposição e eu não falo só do PS, falo dos outros partidos da oposição, mostrarem num quadro de uma negociação esse mesmo espírito e essa mesma responsabilidade e maturidade democrática. Os portugueses não entenderiam que o país entrasse novamente numa crise política.

Não estamos num cenário de pré-crise política neste momento, nem de crise política após o outono?

Espero que não e espero que haja responsabilidade e maturidade dos partidos da oposição para evitar essa mesma crise política. Também me parece positivo que já se ouça nas palavras de dirigentes de partidos da oposição a falarem na possibilidade de viabilizar o OE. Ouvi o PS há poucos dias manifestar algum desconforto relativamente à redução do IRC e ao IRS jovem. A boa notícia aqui é que quer a redução do IRC, quer o IRS jovem, já foram aprovados em Conselho de Ministros e serão discutidos e aprovados neste Parlamento como diplomas autónomos fora da discussão orçamental. O que significa que, se para o PS essa era uma dificuldade, a boa notícia é que essa discussão não será uma discussão orçamental, mas será uma discussão prévia e fora do Orçamento.

Mas o líder do PS já veio dizer que os efeitos destas medidas terão reflexo no Orçamento do Estado.

Certo, seguramente. E eu também faço esse apelo ao PS, de que é muito importante que o PS pondere a possibilidade de também viabilizar a redução do IRC, como aliás aconteceu em 2014, na reforma de 2014 do IRC. Na altura, eu era secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, participei diretamente nas negociações com o maior partido da oposição, o PS, e foi possível, num quadro de uma negociação e com cedências recíprocas, chegar a uma reforma que foi votada favoravelmente pelo PSD, pelo CDS e pelo PS enquanto partido da oposição. É muito importante uma redução do IRC para o crescimento económico do país, para tornar as empresas portuguesas mais robustas, mas sobretudo para aumentar a remuneração dos trabalhadores.

Reduzir o IRC desta maneira que o Governo prevê, significa uma perda de receita fiscal, significativa e imediata. Como é que se compensa esta perda de receita fiscal?

Há várias formas, mas aquela que é mais normal é através do crescimento económico, ou seja, com a redução do IRC, consegue-se promover maior crescimento económico, mais investimento, mais inovação, mais exportações e esse efeito que a baixa do IRC tem no dinamismo da nossa economia é, pelo menos em parte, uma solução para a perda da receita.

Pelas contas do PS há uma perda anual, de 2 mil a 3 mil milhões de euros. Isso é possível compensar?

As contas do Governo apontam para uma quebra de 500 milhões de euros com a redução que está prevista anualmente e por isso não estamos a falar dos valores que o PS refere. Mas, como lhe digo, seguramente vai ter que haver um controlo da despesa e o Governo também está empenhado nesse controlo da despesa e terá que haver um efeito na Economia que permita compensar esta quebra da receita.

Ainda sobre os cenários pós-OE, tendo em conta as declarações de Cavaco Silva desvalorizando o eventual chumbo do diploma, que não dá forçosamente lugar a eleições. É conveniente o país viver em duodécimos e durante quanto tempo?

Possível é, o regime legal existe e é possível, já aconteceu no passado, e é possível que aconteça no futuro. Se me pergunta se é a solução desejável, direi que não.

Porque o programa da AD também fica caucionado?

Não só por isso, mas porque há um conjunto de fundos europeus que necessitam de um Orçamento aprovado para que possam ser aproveitados na íntegra. E por isso eu diria que, para bem do país, era muito importante que o OE para 2025 viesse a ser viabilizado. Reafirmo o meu apelo para que os partidos da oposição se comportem com maturidade e com responsabilidade, num quadro de uma negociação, como aliás, quer o PSD, quer o CDS já tiveram a oportunidade de mostrar no passado.

Nestas jornadas parlamentares, há algum tipo de iniciativa legislativa que vá ser anunciado?

Um dos objetivos que está a ser ponderado ao nível do Ministério da Defesa é precisamente a melhoria das condições remuneratórias dos nossos militares e o reforço do estatuto dos antigos combatentes.

E nós não excluímos a possibilidade de avançarmos com iniciativas nessa área.

Para melhorar a remuneração e suplementos?

Sim, sem dúvida, são áreas que estão a ser neste momento ponderadas ao nível do Ministério da Defesa. Num quadro mais alargado de reforço do investimento na Defesa, como se sabe, existem compromissos assumidos pelo Estado português, quer ao nível da Nato, quer ao nível da União Europeia, no sentido de reforçar o investimento na Defesa. O que se compreende, porque temos neste momento um quadro geopolítico em que a Europa se encontra em conflito e por isso é muito importante que cada um dos países da NATO cumpra a sua parte nesse esforço de investimento na Defesa. Incluído nesse esforço, deve haver também um esforço no sentido de melhorar as remunerações dos nossos militares e reforçar o estatuto dos ex-combatentes que deram a sua vida, deram o seu esforço, deram os seus anos a combater por Portugal e que merecem ter um tratamento digno por parte do Estado.

Vai ter algum tipo de iniciativa legislativa contra os pedidos do anterior Governo a empresas como a Águas de Portugal ou a NAV para entregarem dinheiro adicional ao Estado para abater a dívida pública? Este tipo de decisões devia ser impedido por lei ou repensado?

A questão que se coloca aqui é, tem ou não tem o ministro das Finanças a legitimidade para obrigar as empresas públicas a pagarem dividendos no final do ano, tudo isto aconteceu nos últimos dias de 2023, descapitalizando as empresas para conseguir um brilharete político que é ter a dívida abaixo dos 100%.

Do ponto de vista do CDS, tem legitimidade?

Penso que não. Este tipo de procedimentos não é próprio, não é adequado e não deve ser repetido no futuro.

E como é que isso se pode impedir no futuro? Um impedimento legal?

É possível alterar alguma legislação para evitar este tipo de abusos e este tipo de excessos por parte do ministro das Finanças. Somos favoráveis à redução da dívida, entendemos que a dívida deve ser reduzida, a dívida pública, porque dívida pública hoje significa impostos amanhã, impostos sobre as novas gerações. Mas uma coisa é uma redução real da dívida, outra coisa é uma redução artificial da dívida, para inglês ver. O que aconteceu é que houve uma redução artificial da dívida, utilizando-se um conjunto de truques por parte do ministro das Finanças.

Está a falar de um mecanismo que impeça esta transferência e esta transferência de dinheiros entre empresas públicas para um objetivo específico?

Sim, entendo que pode haver instrumentos legais que possam ser utilizados no futuro para evitar este tipo de engenharia financeira.

O CDS vai avançar com algum tipo de iniciativa?

Sim, estamos a ponderar avançar com propostas nesta matéria.

O Governo tem optado por esperar por uma decisão do Tribunal Constitucional, antes de decidir o que fazer à lei que despenaliza a morte medicamente assistida que está por regulamentar desde o Governo anterior. Revogar, pura e simplesmente, não é opção?

Quer o PSD, através do seu grupo parlamentar, quer a Sra. Provedora de Justiça, através de um requerimento apresentado pelo CDS, apresentaram recursos junto do Tribunal Constitucional (TC) para que o TC se pronuncie sobre a constitucionalidade. São dois recursos muito bem elaborados, muito extensos, bastante bem fundamentados e que explicam que esta lei de eutanásia é manifestamente inconstitucional face às normas que estão incluídas na nossa Constituição e que põem em causa o valor essencial da vida humana.

O TC já se pronunciou pelo menos duas vezes pela inconstitucionalidade de leis de eutanásia e estou convencido que, por maioria de razão, neste caso e tendo em conta os recursos que foram apresentados, poderá novamente declarar inconstitucional a lei. Vamos esperar pela decisão. Estou otimista.

Mas é uma decisão que pode demorar anos.

Certo, é verdade. Esperemos que não, esperemos que seja rápido, e esperemos, faço votos, que a decisão seja no sentido de considerar novamente inconstitucional uma lei que põe em causa a vida humana.

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