O «carisma» da UD Oliveirense e o segredo de Nenê: «Tínhamos de tirar o velhote do treino»

2 meses atrás 55

 Sobre o tiro de partida para 2024/25, Marco Leite abriu o livro de histórias de quase década e meia ao lado de Jorge Costa, numa ligação concluída no final da última época. Com a primeira aventura como «homem do leme» na UD Oliveirense a conhecer os primeiros dias, o antigo treinador-adjunto do «Bicho» recordou o recente sucesso com a subida pelo AVS, o desafio no Académico de Viseu e várias jornadas memoráveis vividas além-fronteiras.

Nota para a entrevista concedida ao zerozero estar repartida em duas partes, onde Marco Leite fala das várias etapas do seu percurso.

ZZ - Terminada a ligação com Jorge Costa, surgiu a sua hora como treinador na Oliveirense. Porquê esta escolha? 

ML - Para já isso foi discutido comigo e com o Jorge. Ajudou-me na decisão e agradeço imenso porque sempre me deu todo o apoio. Esta foi uma proposta que me interessou. O clube tem carisma, personalidade e um traço bastante particular. A pessoa que está à frente do clube, o Ricardo [Fernandes, diretor desportivo], é uma pessoa que já conheci há muitos anos e com a qual me identifico muito. Apresentou-me o projeto com uma confiança enorme em mim e, portanto, só isso já foi o suficiente para eu dar o passo em frente. Não foi nada imposto. Vamos ver no que dá.

ZZ - Há alguns dias foram confirmadas 11 saídas...

ML - Sim, foram confirmadas bastantes saídas. Não chegaram a acordo com o clube, quiseram tomar outro rumo... Não me compete a mim falar sobre isso, mas foi-me comunicado e é óbvio que seguimos em frente. Quem cá está é que conta. Eventualmente, foram feitos esforços por este ou por aquele jogador que acabou por continuar. Cada um segue o seu caminho, os jogadores seguem os seus caminhos, nós seguimos os nossos e estou certo que vamos ter felicidade e assim como os que saíram também vão ter sucesso, com certeza.

ZZ - Tendo em conta o 15º lugar da última época e o histórico da Oliveirense na II Liga, a permanência é o objetivo?

ML - O 15º lugar no último ano deixa as pessoas um bocado apreensivas. Eu compreendo, mas o objetivo foi sempre a manutenção. Tranquila, mas a manutenção. Assim esperamos que aconteça.

Marco Leite assumiu a UD Oliveirense depois de testemunhar o futebol de sete países @Arquivo Pessoal

ZZ - Aliar a manutenção às suas ideias de jogo é algo compatível? 

ML - Sim! Estamos a tentar encontrar um grupo de jogadores que nos permita levar em frente aquilo que pretendemos. Como é óbvio, nem sempre conseguimos o que mais desejamos, o ótimo ou o ideal,  mas é com aquilo que vamos ter que vamos para a frente. Nós, treinadores, temos de nos adaptar às situações e moldar em função daquilo que vamos tendo. E não me parece que seja um problema. Com certeza que aquilo que acontecer e o grupo que tivermos vai ser o melhor para nós levarmos em frente o trabalho que temos.

ZZ - Que tipo de treinador é o Marco, ao nível das ideias de jogo? 

ML - Vou-lhe ser muito franco. O que vamos esperar da Oliveirense é que os jogadores se entreguem ao jogo de forma inexcedível, que tenham aqueles princípios que nós, enquanto equipa técnica, pretendemos. Acho que temos de ser um bocado pragmáticos e ter os pés assentes na terra. Pensar que nem sempre vamos poder jogar bonito, nem sempre vamos poder jogar em cima das equipas, nem sempre vamos poder proporcionar espetáculo de princípio ao fim. Por isso, vamos ter de arranjar estratégias para contornar as dificuldades. Vamos ter um futebol competente, um futebol positivo. Não nos vamos remeter constantemente a defender ou a anti-jogo, como é óbvio. Se quisermos sair com pontos, as coisas muitas vezes são o que são e vamos ter de utilizar estratégias para ganhar os jogos e pontos. Não é vergonha para ninguém ter de dizer que, se tivermos que defender, vamos defender, se tivermos que atacar, vamos atacar. Temos de encarar as coisas desta forma.

ZZ - Entre as 11 saídas, Kazu Miura também deixou o clube. Teve oportunidade de falar com ele?

ML - Não. Não tive a oportunidade de falar com ele. Isso foi uma questão gerida pela direção e pelos donos do clube. Não tenho rigorosamente nada a ver com a saída do Miura. São questões do clube. Agora, aquilo que a direção e o clube pedem é que haja espaço para jogadores que venham para se formarem e eventualmente jogarem. Também vamos tentar potenciar e é isso que nos pedem: potenciar jogadores para possíveis vendas.

qTemos que ser um bocado pragmáticos e ter os pés assentes na terra. Pensar que nem sempre vamos poder jogar bonito, nem sempre vamos poder jogar em cima das equipas, nem sempre vamos poder proporcionar espetáculo de princípio ao fim. Por isso, vamos ter de arranjar estratégias para contornar as dificuldades

Marco Leite

ZZ - Quanto à última época no AVS.  Como é que se explica um sucesso tão imediato num clube recém-fundado apesar das «raízes» do Aves?

ML - Foi uma junção feliz de várias coisas. O Henrique Sereno tentou-nos ajudar com as melhores condições, inclusive, um centro de treinos feito. Com um staff médico que dava um ambiente ao grupo fantástico, profissionais sempre dispostos a ajudar, roupeiros como o Sr. Luís e o Serginho. A equipa técnica também tem o seu mérito: na cabeça o Jorge, um treinador que forma bons grupos. E o principal: os jogadores. Tivemos a felicidade de apanhar um grupo que já não tinha desde o tempo do Gil Vicente. Tínhamos jogadores que daria tudo para ter comigo hoje, com todo o respeito que tenho pelos que tenho aqui. Tudo se juntou no momento certo, à hora certa e levamos o clube à I Liga.

ZZ - Dentro desses todos, um destaca-se: Nenê.

ML - Sim, o Nenê é uma referência. Foi um jogador que esteve sempre, marcou sempre presença. Até tínhamos de tirar o «velhote» do treino para estar disponível para jogar os 90 minutos nos jogos a seguir. Ele ficava um bocado chateado connosco porque queria treinar, mas acho que fizemos uma boa gestão da carreira dele. Creio que ainda fez mais minutos no ano passado (2022/23, em relação à época anterior). E com uma intensidade alta, porque aquilo que era exigir pelo treinador era pressão constante durante o jogo e ele desgastou-se muito. Fez muitos golos, mas já se notava um bocadinho no final da época (o cansaço), mas nunca se escusou, finaliza como ninguém e foi um exímio profissional.

ZZ - A transição de quase meia equipa do Vilafranquense para o AVS foi uma espécie de «garantia de segurança»?

ML - Sim! Claro que trazendo já ali uma espinha dorsal ajuda sempre. 

ZZ - Na altura em que foi anunciado que o Jorge podia fazer parte da direção do Porto, caso Villas-Boas ganhasse, como foi a gestão das coisas para dentro?

ML - Acho que foi relativamente bem gerida. Pode ter afetado, pontualmente, aqui ou ali. É normal. Repare, temos um treinador que está a fazer o campeonato que está a fazer, a equipa vai e segue esse treinador de uma forma irrepreensível. E eventualmente o timoneiro pode sair. Claro, toda a gente fica apreensiva... Mas a equipa conseguiu arranjar o equilíbrio suficiente, os capitães ajudaram, os jogadores mais experientes a jogar ajudaram, nós ajudamos e as coisas foram levadas todas a bom porto. Acho que não ia ser por aí.

@Arquivo Pessoal

ZZ - E nunca esteve em causa a saída antes do final da época?

ML - Não, não, não. O Jorge fez sempre questão, mesmo eventualmente prejudicando as futuras funções que fosse desempenhar, de estar ao lado dos jogadores, porque eles e o clube mereciam que o fizéssemos.

ZZ - Antes disso, o trabalho no Académico de Viseu. Tendo em conta o investimento, foi-vos proposto o objetivo de subir de divisão?

ML - Não, nunca nos foi transmitido que a subida era um objetivo. O importante era fazer o melhor que pudéssemos e sinceramente acho que foi feito.
Jogadores com muita qualidade, boas condições de trabalho... o clube não faltou com nada. Acho que estavam reunidas as condições para se trabalhar bem.

ZZ - Na reta final «o verniz estalou». Falou-se no desagrado das imposições da SAD. Foram esses os motivos para a vossa saída?

ML - Foi proposta a saída do treinador por não estar de acordo nomeadamente com uma ida à Alemanha (na pré-época seguinte) em que um grupo de treinadores alemães, preparadores físicos, iam tomar conta da equipa para a prepararem durante algum tempo. O Jorge não aceitou, as relações não ficaram as melhores. Foram corretos, cumpriram com tudo o que tinham para cumprir. Foi uma quebra de contrato. Nem passámos um minuto lá dentro e não houve problemas nenhuns. Eu não tive qualquer tipo de problemas.

ZZ - Em 2021/22 assumiu os sub-23 do Farense numa equipa onde passaram Belloumi ou Ricardo Velho. Qual o papel de um treinador dos sub-23? 

ML - O Belloumi chegou precisamente quando estava a sair dos sub-23 para a Tunísia outra vez, mas já estava no clube e ainda não tinha começado a treinar connosco. Começou a treinar quando eu saí. Era diferenciado, um belíssimo jogador. O Ricardo Velho tinha trabalhado comigo na equipa principal e é outro belíssimo guarda-redes e uma joia de rapaz.

Nos sub-23, o treinador tem que estar preparado para várias coisas: receber os seniores que são dispensados e que têm de jogar e estar preparado para perder os sub-23 para os seniores. Naquele ano, quando assumimos aquilo com a saída do Jorge, não foi fácil a tomada de decisão. O Jorge tinha sido despedido do Farense e, na altura, o contrato não estava agregado. Tivemos ali alguma dificuldade. Eu acabei por ficar e em boa hora assumi a equipa. Criei um grupo de miúdos fantásticos. Tive uma relação com eles de amigo. Ainda hoje recebi imensas mensagens deles. Falo-lhes com regularidade. Marcaram-me profundamente.

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