O dia em que o Sporting se despediu da Taça das Taças... e da ditadura

5 meses atrás 114

No fim da tarde de 24 de abril de 1974, o Sporting jogava em Magdeburgo, então República Democrática Alemã. Os lisboetas chegavam, pela segunda vez no seu historial, à meia-final de uma competição europeia, precisamente dez anos passados da primeira vez em que haviam eliminado o Olympique Lyon para chegarem à final contra o MTK Budapeste e conquistarem a Taça dos Vencedores das Taças. 

Na primeira mão, em Alvalade, os leões tinham empatado a uma bola com os alemães de leste e partiam para Magdeburgo obrigados a vencer ou a conseguir um empate com mais de dois golos para voltar a disputar o jogo decisivo.

Quando toca a canção certa

Ao mesmo tempo que o Sporting ia disputando o jogo na RDA, em Portugal, sportinguistas e adeptos de outros clubes assistiam pela RTP à transmissão em direto da partida. Um caso raro nesses tempos, longe de imaginarem o que o Movimento dos Capitães ultimava. 

O Sporting cumpria uma época de sonho - culminaria com a dobradinha -, mas à partida para Magdeburgo perdera Dinis e Yazalde, as duas grandes referências do ataque. Pommerank primeiro e Sparwasser - que marcaria um golo histórico poucos meses depois - adiantaram os alemães de leste. Tomé ainda reduziu para o Sporting, mas era tarde demais. Os leões estavam fora de prova e diziam adeus à Europa...

Entretanto, às 22h55, os Emissores Associados de Lisboa colocaram no ar a canção «E Depois do Adeus» interpretada por Paulo de Carvalho, que recentemente vencera o Festival RTP da Canção. Era a senha para o arranque de uma operação militar... 

Às 00h20, o programa «Limite» da Rádio Renascença transmitia a segunda senha do MFA, a canção «Grândola Vila Morena» da autoria de Zeca Afonso. A revolução estava em marcha e era irreversível. Em diversos pontos do país saíram para a rua as unidades militares que ocuparam os pontos estratégicos em Lisboa e também no resto do país. 

Enquanto a comitiva sportinguista regressava em direção a Berlim Ocidental, na cidade de Lisboa, o Movimento das Forças Armadas (MFA), com o centro de operações estabelecido no Quartel do Regimento de Engenharia 1 na Pontinha, dava início ao golpe que acabaria por derrubar a mais velha ditadura da Europa.

O mais longo regresso

Mais tarde nessa noite, na fronteira entre as duas Alemanhas - o emblemático Muro de Berlim -, a comitiva leonina teve conhecimento do que se passava em Lisboa. João Rocha, então presidente, depois de falar com as autoridades alemãs, informou a comitiva de que havia um golpe de estado em Portugal. Mas as informações rareavam e nem sequer havia confirmação de que era verdade. 

Os relatos que surgiram mais tarde dão a entender que jogadores e equipa técnica não levaram a situação muito a sério a situação, uma vez que não acreditaram na informação.Assim, a viagem continuou via Frankfurt, onde começou a chegar mais informação. O tipo de informação que falava em milhares de mortos e feridos, gerando muito alarme.

As ligações para Portugal estavam suspensas e ninguém conseguia estabelecer nenhum contacto telefónico com Lisboa. João Rocha conseguiu arranjar lugar para todos num voo para Madrid, seguindo depois a comitiva de autocarro em direção a Badajoz.

A viagem foi longa e os jogadores, cansados, aguentaram estoicamente a viagem. As notícias de tanques nas ruas de Lisboa, que tinham ouvido em surdina em Barajas, tinham deixado a comitiva alarmada. 

Em Badajoz, com a fronteira do Caia fechada, foi preciso encontrar alojamento para todos e alguns tiveram que dormir no próprio autocarro. João Rocha tentava por todos os meios contactar quem em Lisboa pudesse desbloquear a situação. 

Às oito da manhã do dia 26, toda a comitiva estava na fronteira para tentar voltar a entrar no país. João Rocha finalmente conseguiu entrar em contacto com o General Spínola e a comitiva do Sporting recebeu autorização para atravessar a fronteira.

Rapidamente se deslocou para Lisboa, onde um dia depois tinha um jogo com o Belenenses, em Alvalade. Apesar de todas as peripécias e da revolução, o jogo realizou-se e foi o primeiro dérbi lisboeta disputado em liberdade, perante bancadas vazias.

O povo de Lisboa estava na rua a festejar a liberdade e a democracia. Nesse contexto, o futebol estava longe de ser uma prioridade...

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