O jogo em que todos perdem

6 meses atrás 57

No rescaldo dos resultados arrancados a ferros das últimas freguesias de Lisboa, e faltando ainda Algueirão-Mem Martins, Pedro Nuno Santos fala ao país. Deixa claro, numa pose institucional, que não deixará o país no limbo até que os ciclos da emigração sejam contados, e admite derrota.

Contudo, no fôlego seguinte de um eterno número dois com a falsa bazófia de número um, que parece mais aliviado por ser líder da oposição, garante que 18,1% dos portugueses que votaram no Chega não são racistas e xenófobos. Olho estupefacta para a televisão do lobby da sede de noite eleitoral da AD, incrédula com o que ouvi.

O Partido Socialista passou os últimos anos a assegurar ao país que é o garante contra a extrema-direita, fez a anterior campanha eleitoral a tentar colar Rui Rio ao Chega, o presidente da Assembleia da República polarizou-se consecutivamente com André Ventura, e perante um resultado assustador deste último ensaia esta narrativa. Absolutamente lastimável, e deixa a nu aquilo que sempre foi o objetivo do PS com o Chega: insuflar-se eleitoralmente e penalizar o PSD.

O facto de Pedro Nuno Santos estar claramente mais confortável no papel de líder da oposição é apenas e só uma manifestação da inóspita campanha que atravessou. Fazer o papel de incumbente é sempre difícil, mas o papel de candidato de mudança de uma anterior liderança que não pode ser atacada, e portanto ter o peso da continuidade sem poder beneficiar totalmente dela, é verdadeiramente uma tarefa impossível.

Por isto mesmo, o Partido Socialista perdeu 500 mil votos relativamente a 2022, votos esses que a esquerda não recuperou, e não foram absorvidos totalmente com o acréscimo de votos da Aliança Democrática relativamente ao resultado de Rui Rio de 2022, que foi de apenas 260 mil votos.

Montenegro tinha uma vantagem tática antes mesmo de o primeiro voto ser contado. Ganhasse ou não o Partido Socialista, e mesmo sendo indigitado pelo Presidente da República, a maioria expressiva de direita indicaria sempre que a AD seria no fim de tudo governo. Pura e simplesmente não existia um cenário eleitoral que permitisse Pedro Nuno Santos ser primeiro-ministro, porque se Montenegro perdesse as eleições sairia pelo próprio pé, seria empurrado para fora da liderança, ou faltaria à sua palavra e faria governo com o Chega.

De facto, esta não foi uma noite eleitoral de vencedores, mas de perdedores de menor escala. O perdedor de maior escala foi o Partido Socialista, mas também o Bloco de Esquerda, cuja crónica incapacidade de implantação no eleitorado pelo país se verificou no seu resultado pírrico, com um Partido Socialista que sangrou votantes, e a Iniciativa Liberal, que parece ter atingido o seu teto eleitoral num país que não parece acreditar que medidas que resultaram na Irlanda façam automaticamente sentido num país como Portugal.

Contudo, o maior perdedor destas eleições fomos mesmo nós, o eleitorado. Tólstoi escreveu no Anna Karénina que a elite intelectual russa da altura não escolhia as suas maneiras de pensar, como não escolhia as formas dos seus chapéus: adotava-as porque eram as de toda a gente. Vamos ter um primeiro-ministro na pessoa de Luís Montenegro que não só não tem uma ideia de país, como não tem uma opinião sobre seja o que for de concreto e relevante para o país.

Perdemos porque cada vez mais esta é a forma de ganhar eleições em Portugal: dizer nada, pensar muito menos, não rasgar, não modificar. E perdemos por fim porque nos 50 anos do 25 de abril vamos ter 48 deputados que não se importarão de rasgar e modificar tudo aquilo que foi alcançado até então.

Ler artigo completo