O maior dos pequenos prazeres

3 meses atrás 40

O meu primeiro golo de cerveja foi um momento de camaradagem com a pessoa que mais me faz falta na vida.

LEIPZIG- Choveu em Munique. Gotas de água riscaram as vidraças do meu quarto de hotel, o Drei Löwen – os Três Leões, bem mais apropriado para adeptos ingleses – situado na Shillerstrasse, uma daquelas ruas de um típico bairro nas cercanias de uma estação de caminhos-de-ferro, com as suas lojas de fancaria, os quiosques onde se troca dinheiro, mercearias de chineses e árabes, casas de má-fama e um bar de strip-tease mesmo do outro lado que promete sessões de 24 por 24. Sento-me na esplanada de um restaurante indiano a beber uma cerveja, afinal este é um país de cervejas, e recordo-me de um livro que o Francisco José Viegas me ofereceu há muitos anos, O Primeiro Golo de Cerveja e Outros Prazeres Minúsculos, no original La Première Gorgée de Bière et Autres Plaisirs, escrito por Phillipe Delerm. Depois, a propósito, recordei-me do meu primeiro golo de cerveja. Estávamos na Barra, em Agosto, era ainda miúdo, eu e o meu pai caminhávamos todos os dias de Agosto de Águeda para a praia, bem cedo, e resolvemos nesse dia almoçar na Marisqueira, a velha Marisqueira da Barra, que já conheceu tempos mais felizes. Quando nos sentámos no balcão para o bitoque da ordem o meu pai resolveu-se: “Já tens idade para beber um fino”. E eu, sequioso de uma manhã a jogar futebol no areal, dei comigo fascinado com aquele líquido amarelo à minha frente que soprava bolhas com a força de um geyser. Bebi de golada. A sensação foi tão forte, de uma satisfação e liberdade inexplicáveis, que ainda hoje bebo o primeiro golo de cerveja do dia como se fosse esse, da Praia da_Barra, em tempos que lá vão. Ainda ouço a voz sempre meio cantada do meu pai: “Escusas de beber tudo de uma vez que não vais beber outra”. Pois. Bebi. Daí para cá bebi cerveja suficiente para encher o Amazonas ou o Mississipi. O meu primeiro golo de cerveja foi um momento de camaradagem com a pessoa que mais me faz falta na vida. Razão tinha Joël Dicker quando escreveu: “Dos grandes lutos, o Tempo não sara quase nada”.

Ler artigo completo