A extrema-direita já tinha braços armados, agora tem braços armados em parvos. Estão no YouTube, fazem partidas, exibem carros de alta-cilindrada e viagens de luxo e, como quem não quer a coisa, alinham com narrativas retrógradas importadas do estrangeiro. Têm o algoritmo do lado deles, a arrogância de quem fala para milhares de pessoas sem contraditório e coerentes convicções: levar crianças a iniciativas LGBT é inaceitável e perigoso; vender-lhes cursos de criptomoedas é de uma moralidade irrepreensível.
Está a acontecer em todo o Mundo. Os Youtubers conservadores estão a lavar o cérebro às nossas crianças. Os miúdos já não deram o alfabeto todo na escola e já aprenderam a detestar a letra L, a G, a B, a T, a Q e I (e nem gostam de Matemática por causa do +). Não se surpreenda se o seu filho pré-púbere deixar de se preocupar com a substituição do Ronaldo na seleção para passar a preocupar-se com a substituição dos brancos na Europa. É que os putos, no Natal, já não pedem um globo; pedem o fim do globalismo. O problema do YouTube não é as crianças falarem “brasileiro”, é falarem reacionário.
Viram? Também sei propagar pânico moral sustentado na proteção das crianças. O último parágrafo é ligeiramente exagerado, mas é verdade que o YouTube tem sido terreno fértil para o florescimento, junto das novas gerações, de narrativas simplistas que replicam argumentário da extrema-direita. Até porque ser contra o progresso nunca foi tão cool. Nos anos 90, os jovens que queriam ser disruptivos juntavam dinheiro para comprar uma Yamaha DT50 ou formavam uma banda de death metal. Hoje, inúmeros adolescentes julgam que o ultra-conservadorismo católico é que é rebelde. Os primeiros mostravam o rabo. Os segundos denunciam atentados ao pudor. Passámos da geração rasca para a geração reaça.
Não são só as crianças que são influenciadas, claro. A estética de influencer macho alfa que defende os valores da família e da pátria, bem como o ressurgimento de uma masculinidade supostamente perdida, tornou-se num conteúdo extremamente popular também em adultos desligados ideologicamente. Aliás, até porque os próprios criadores partem inicialmente dessa posição “neutra”, de quem “não se interessa por política”. A extrema-direita conseguiu formular uma mensagem simples o suficiente para ser difundida por estes YouTubers e ser assimilada pelos seus públicos, de modo a conseguir o objectivo principal dos populistas: a apropriação política dos apolíticos.
A esquerda terá alguma responsabilidade se este discurso continuar a dominar a internet. Primeiro, pela mensagem: seria útil que os progressistas voltassem a falar mais para o povo e menos para os frequentadores assíduos do Primavera Sound. Depois, pela inadaptação aos novos meios: o Chega gere o YouTube como se André Ventura fosse uma influencer de maquilhagem; o Livre grava os seus vídeos com a câmara de auxílio ao estacionamento de um Toyota Yaris. Para equilibrar, seria saudável aparecer um YouTuber tolo de esquerda. Porém, o caminho até ao sucesso não será fácil. Um vídeo intitulado "COMPREI UM LAMBORGHINI" é indubitavelmente apelativo. Duvido que tenha o mesmo efeito se o automóvel for um Lada.