A Premier League Saudita é o sonho para todas as equipas que se encontram no segundo escalão da Arábia Saudita. A caminhar a passos largos para o final da competição, várias equipas ainda ambicionam chegar a esses lugares para juntarem-se à nova moda do futebol mundial, onde estão algumas das estrelas pagas a peso de ouro. O Al Kholood, treinado por Fabiano Flora, é um desses emblemas. Após um trajeto marcado por 15 vitórias, cinco empates e seis derrotas, o clube encontra-se na terceira posição da tabela classificativa e quer escrever um capítulo dourado na sua curta história em campeonatos profissionais (terceiro ano). A experiência acumulada em países como o Mianmar, Timor Leste, Madagáscar e Letónia ajudaram-no a estar preparado para esta aventura e transformar o objetivo da manutenção... na subida. Em entrevista ao zerozero, o técnico português (que também somou passagens por Lazio, Manchester United, Benfica, Paris SG ou Juventus) falou do trabalho desenvolvido, elogiou a comitiva que tem ao dispor, fez uma reflexão relacionada com a evolução do futebol saudita e confidenciou um pedido... curioso ao presidente do Al Kholood, aquando da ausência de bolas. ZEROZERO (ZZ): Apesar do resultado negativo na última jornada, o Al Kholood continua em posição de subida para a primeira divisão da Arábia Saudita. Que balanço é que faz deste trajeto até agora? Fabiano tem tido muitos motivos para sorrir @D. R. ZZ: Que expectativas é que tem para esses últimos encontros? FF: Queremos ganhar a próxima partida porque é sempre a mais importante. Neste momento, os jogadores estão a dar os primeiros passos no que toca a sentir esta pressão por parte do clube, que quer subir de divisão. Será extremamente difícil. Existem cinco ou seis emblemas que ambicionam esse objetivo, ou seja, os duelos restantes serão incríveis. Para além disso, ainda vão existir alguns confrontos diretos, portanto, acreditamos que será possível. ZZ: Falou há pouco da questão dos problemas no quotidiano. Quais é que são os mais frequentes? FF: Acima de tudo, os estruturais, um cenário que é transversal a todas as equipas. Como estão a investir bastante rápido, precisam de algum tempo para consolidar determinados aspetos relacionados com questões extra-futebol. Ao nível dos campos, do 'esqueleto' interno dentro dos próprios clubes. Todos os treinadores têm de lidar com isso, portanto, há que fazer uma adaptação diária a todos estas condições com o objetivo de tornar a Liga cada vez mais forte. ZZ: Como é que carateriza o jogador saudita? Também são uma parte importante no meio deste processo. ZZ: O dia a dia desportivo, assim sendo, sofre algumas alterações... FF: É complicado, sobretudo no Ramadão. Existem cinco horários para rezar durante o dia e, normalmente, o primeiro é às 04h30 da manhã. Estão praticamente toda a noite acordados e só vão para a cama depois do pequeno-almoço. Logo, dormem durante o dia. Termos a primeira refeição do dia todos juntos não existe. Porém, os nossos objetivos passam por deixá-los preparados para a competição e cumprir os objetivos propostos. ZZ: Comparativamente aos restantes adversários, como é que o clube se posiciona em termos de orçamento? Referiu que o Al Kholood, antes da sua chegada, estava em lugares de descida... FF: É um dos emblemas com menor orçamento. Neste momento, não está preparado para se equiparar a outras equipas a nível de organização ou campos. É uma diferença bastante grande se tivermos em conta o Al-Qadisiyah ou o Al Arabi, por exemplo. São equipas com outro tipo de estofo, que já contam com uma história muito grande por cá e possuem outro tipo de capacidade financeira. Além disso, contraram jogadores extraordinários, que passaram por Portugal e pela Primeira Liga, como é o caso do André Carrillo e do Luciano Vietto. Outros estiveram em Itália, na Juventus, por exemplo. Ou seja, podemos perceber que o nosso trabalho tem sido excecional, sobretudo no aspeto tático. É importantíssimo. Há que ter a noção de que a Segunda Liga da Arábia Saudita já tem poucas semelhanças com a edição do ano passado. Cada jogo é sempre uma história distinta. A maior parte dos emblemas contratou jogadores experientes, sobretudo europeus, e, portanto, nota-se uma discrepância (para melhor) a nível de jogo, de estrutura e de ideias implementadas. Tem sido um ano incrível. ZZ: O que é que o presidente do clube, aquando da sua assinatura do contrato, propôs? Equipa técnica praticamente toda portuguesa @D. R. ZZ: Ouvimos falar com regularidade da Premier League Saudita, onde estão algumas das estrelas do futebol mundial, como o Neymar, Karim Benzema ou o Sadio Mané. Como é que o projeto se expande para as restantes divisões do país? FF: O investimento tem sido bem feito, mas não é só no futebol, é no desporto em geral. Devido ao 'Saudi Vision 2030' [n.d.r uma ideia do governo saudita que tem como objetivo atingir vários pilares económicos, sociais e culturais], têm desenvolvido estratégias internas para melhorar cada vez mais. Basta reparar que existiram equipas que eliminaram conjuntos da primeira divisão na Taça do Rei. Nós também tivemos perto dessa meta, mas acabamos por perder nas grandes penalidades diante do Al-Ittihad, que era do Nuno Espírito Santo. ZZ: Esses mesmos jogadores já falaram de algumas dificuldades de adaptação a uma nova realidade. Do ponto de vista do Fabiano, existiu algum choque cultural? FF: Que me lembre, nada de especial. Existe sempre a questão da religião, mas faz parte da cultura, tal como já referi anteriormente. A adaptação não foi fácil, no entanto, começamos a interiorizar todos os aspetos para definirmos qual o caminho que queremos seguir. Aliás, seria um grande erro da minha parte tentar adaptar-me ao incutir com insistência ideias europeias. Tudo faz parte de um processo. Já passei por vários continentes e países, portanto, sei o que é necessário para não criar alguns problemas desnecessários. ZZ: Tem no plantel alguns jogadores que passaram pelo futebol português, como é o caso do Afonso Taira e do Nikola Stojiljkovic. Como é que eles encararam esta nova realidade? Em lugares de subida a entrar na reta final @D. R. ZZ: Também a sua equipa técnica é praticamente toda portuguesa... FF: Exatamente. Além disso, temos um preparador físico italiano, o Danilo Miele. que me acompanhou durante o ano passado. O Pedro Bairrada estava na UD Oliveirense, o Paulo Cadete no CD Tondela e o Nuno Rangel na AD Sanjoanense. Já conhecia alguns deles, portanto, ajuda na integração. Sabemos perfeitamente as tarefas e dificuldades que vamos enfrentar. Não é fácil pegar num clube que estava na parte de baixo da tabela e colocá-lo no topo. ZZ: Já passou por experiências como o Timor Leste, Mianmar, Madagáscar ou Letónia. Que impacto é que isso teve na sua carreira para estar a colher os frutos? FF: Teve um impacto muito grande. Não seria o mesmo treinador se não tivesse passado por esses ambientes nos quatro cantos do mundo. Eu partilho a opinião de que nós, treinadores, para além do trabalho de campo, temos que ter uma noção clara de como o mundo funciona - nos diversos contextos, clubes, países e culturas. Ou seja, ajudou-me a compreender determinados pensamentos e sinto-me preparado para trabalhar em qualquer lado. ZZ: Lembra-se de alguma história engraçada ou insólita nestas andanças? Esteve na Letónia em 2022 @FK Spartaks ZZ: Qual o país em que gostou mais trabalhar? FF: Ganhei um carinho especial por Itália. Foi onde estive mais tempo. Realizei dois cursos lá e vi de perto a qualidade que têm em vários aspetos do jogo. Pude lidar de perto com grandes nomes do futebol mundial, como foi o caso do Roberto Baggio. Acredito que os italianos estão um passo à frente de todos os outros. Como português custa-me dizer isto [risos], mas a realidade é essa. A maneira como interpretam o jogo, como pensam, como passam a mensagem, como estruturam as ideias... Aprendi muito e foi fundamental para o meu percurso.