Não parece, mas a campanha eleitoral das eleições legislativas ainda não começou oficialmente – em boa verdade, ainda faltam cerca de dez dias até ao início oficial da mesma. Contudo, mais de metade dos cerca de 30 debates televisivos previstos entre os líderes dos principais partidos já foram realizados. Por isso, já começa a ser possível tirar as primeiras conclusões sobre o que pensa cada líder, e sobre as principais preocupações de cada partido.
Diga-se, em boa verdade, que os temas que tem sido possível discutir, são de enorme relevância para o que é o ‘estado de arte’ em Portugal após sucessivos governos socialistas, onde muito pouco foi feito para atacar os problemas estruturais nacionais relacionados com a sustentabilidade do modelo de país, onde a agenda de poder partidária se sobrepôs sempre à agenda de médio prazo.
Atualmente, o país não cresce o suficiente para aumentar os rendimentos das famílias, nem tem um plano para o fazer. Há uma ilusão de investimento e de aumento do bem-estar, mas que não se vê, nem se nota na rua. Os portugueses, para poderem pagar as suas responsabilidades e ganhar mais, estão a procurar segundos empregos, e em 2023, eram mais de 250 mil em Portugal a fazê-lo, 5% da população empregada, tendo registado uma das maiores subidas anuais em toda a Europa.
Por outro lado, o Estado continua a ser ineficiente e apresenta uma das maiores cargas fiscais tributárias dos países da OCDE, a 9ª mais elevada sobre rendimentos de emprego, mas, ao mesmo tempo, os serviços públicos mais básicos como segurança, educação ou saúde enfrentam graves falhas estruturais. Assistimos, por isso, a uma espécie de processo de falência operacional do Estado Providência, forçando as famílias a recorrer mais ainda às soluções privadas.
Nem todos os portugueses podem recorrer aos seguros de saúde privados, ou à escola privada, e isso significa que estamos a alimentar o aumento das desigualdades entre gerações, e estamos a falhar como país no que diz respeito à coesão social, assim como na construção de um contrato social, que, no final do dia, é o elo de ligação entre as pessoas e os políticos, entre a sociedade civil e as instituições que representam o sistema da Democracia portuguesa.
Estes sinais são visíveis, também, na expressão eleitoral, onde está evidente e sinalizada também em Portugal uma espécie de rebelião dos eleitores, que tem vindo a crescer acentuadamente, sobretudo porque os últimos oito anos foram, para além de uma enorme ilusão relativamente ao milagre da economia portuguesa (na verdade nunca existiu, nem a austeridade nos deixou verdadeiramente), foram marcados por inaceitáveis e indecentes episódios relacionados com valores de ética e moral republicana, que apenas agudizaram o sentimento de deceção governativa.
A governação socialista, que se especializou em fazer de conta que havia um governo com propósito, deixa como legado uma perigosa situação política em Portugal, onde tudo parece estar por fazer, apesar dos enormes impostos que pagamos. E que pode, inclusivamente, colocar o país e os portugueses, novamente, na linha de tiro de uma crise internacional.
Por todas estas razões, as eleições legislativas de 10 de março serão, provavelmente, as de maior importância nas últimas décadas. É, pois, preciso reconstruir uma estratégia para o país para a próxima década, e uma que não seja totalmente dependente da estratégia europeia. E este é o Portugal que falta discutir nos debates.
Tem-se falado dos sintomas – Saúde, Sustentabilidade, Habitação, Pensões – mas pouco ou nada sobre as causas e sobre o que vamos fazer em face do que está a acontecer na Europa e no mundo, e que pode moldar estruturalmente a forma como temos vivido nos últimos 30 anos da democracia. Na próxima década, Portugal tem de pensar em ter a sua própria maneira de se posicionar face aos desafios que irão surgir.
O mundo está a mudar rapidamente. A guerra voltou ao Velho Continente e reergueu-se uma nova espécie de cortina de ferro, que pode influenciar a política fraterna e de cooperação entre os povos europeus, que forjou os princípios da atual União Europeia. Ao mesmo tempo, os EUA poderão vir a ter menor compromisso na sua relação com a Europa, sobretudo através da NATO. E a própria União Europeia poderá direcionar a sua política de coesão para Leste, em detrimento de promover a coesão a Sul.
Portugal deve ter um plano para si. Um que se dirija estrategicamente a temas que há muito estão arredados do espaço político. Por exemplo, no que diz respeito à segurança, ao investimento em defesa militar e à definição clara de um modelo que seja capaz de lidar com a imigração descontrolada. É preciso pensar também numa resposta própria aos desafios que a globalização e a automação trazem ao emprego e à sustentabilidade da resposta social.
Por último, será crucia que Portugal se estenda para além da agenda tradicional, relativamente a políticas diplomáticas económicas de comércio internacional num novo xadrez, que deve ser firme com países que não partilham de todos os nossos valores de sociedade atuais, mas com os quais temos laços multiseculares de relação comercial ou cultural, como é o caso da Ásia – por exemplo, Macau é uma plataforma privilegiada mas ignorada em termos estratégicos – ou de países africanos onde é possível reativar melhores acordos económicos, através do reforço dos laços culturais.
Ou seja, é preciso que Portugal consiga falar de como pode crescer e ter capacidade para se tornar um parceiro estratégico, e não um mero passageiro de classe económica na União Europeia. Criar e dinamizar este debate significa estar do lado certo do combate político em Portugal, e apenas desta forma poderemos reconstruir um contrato social que entregue mobilidade social, mais prosperidade e qualidade de vida às famílias portuguesas.