O(s) valor(es) das boas escolhas

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Da adesão à Europa, em 1986, até aos dias de hoje, Portugal percorreu um caminho de investimento e desenvolvimento coletivo que será dificilmente comparável a outro da nossa história.

Nas estruturas básicas e energia: o desenvolvimento de redes de saneamento e de abastecimento de água; dezenas de Etar; barragens e centrais hidroelétricas; parques eólicos; gás natural. Na educação e saúde: mais de um milhar de escolas novas e centenas intervencionadas; centenas de milhares de computadores; centenas de infraestruturas desportivas e culturais; além de dezenas de novos hospitais distritais e centenas de requalificações. Nos transportes: a reabilitação e construção de autoestradas (quem se recorda da conclusão da A1?) e redes de metropolitano; novas pontes; circulares regionais; IP; túneis; ligações ferroviárias; aeroportos (novos e expansões); zonas francas…

Foram cerca de €157 mil milhões (MM) de fundos europeus, a preços constantes de 2016, que a Europa nos permitiu utilizar até 2022. Pudemos ter um país diferente, um país melhor, com uma democracia que se afirmava, uma demografia que ameaçava, num mundo em mudança, com a viragem do milénio, pela força de uma revolução tecnológica que alterou velocidades, complexificou escolhas e alterou prioridades. Alguns dos investimentos feitos teriam hoje, volvidos quase 40 anos, um consenso alargado, outros nunca o alcançarão.

E quais foram as boas escolhas? Refletimos enquanto país sobre este investimento? Sabemos quais as decisões tomadas com maior impacto na qualidade de vida dos portugueses? Quais as que mais criaram valor pela produtividade ou pela coesão social ou territorial?

Robert Solow, o Nobel tutor de vários Nobel da Economia, defende que o crescimento económico duradouro não decorre apenas da acumulação de capital, mas da sua utilização de maneira eficiente e inovadora ao longo do tempo, da sua sustentabilidade e, portanto, da compreensão das forças que o impulsionaram.

Portugal, nesta fase final do El Dorado da ponta mais ocidental da europa, “aqui… onde a terra se acaba…e o mar começa…”, pode vir a receber até 2029 um valor adicional de €58 MM, fora empréstimos.

Enquanto isso, muitos investimentos críticos, a necessitar de muito mais do que os €58MM de que poderemos dispor, continuam em aberto, com escolhas parciais ou simplesmente em adivinhação.

O novo aeroporto, em discussão nos últimos 50 anos, nas duas opções privilegiadas pela CTI, implica um investimento mínimo de €8,2MM (sem custos de ligações de autoestradas e ferroviária, nem eventual terceira travessia do Tejo), e com os concessionários de serviço público aeroportuário a querer decidir por nós. A decisão sobre a construção, em bitola ibérica, da nova Linha de Alta Velocidade entre Lisboa e Porto (€4,5MM), exige investimentos adicionais face à obrigatoriedade da bitola europeia (RTE-T), assumida em dezembro na europa, e à ligação desta Linha ao novo aeroporto, que se desconhece onde seja. A abordagem estratégica de Portugal face ao stresse hídrico e os respetivos investimentos estarão numa bola de cristal. A renegociação nos próximos anos das concessões rodoviárias existentes (hoje em muitos casos detidas por fundos e não pelas construtoras iniciais) obrigaria o Estado a refletir sobre o modelo de negócio do futuro e a potenciar a mobilidade elétrica e a intermodalidade inteligente.

Conhecer o valor das decisões do passado, ajudaria, talvez, a introduzir a virtude moral aristotélica nas decisões a tomar: a perícia e o conhecimento científico, a sabedoria e o poder de compreensão do todo.

Num momento de instabilidade global são fundamentais políticas públicas das boas escolhas. Escolhas assentes em valores como a transparência, a integração, a prestação de contas, a avaliação de impacto e a sustentabilidade são as que poderão ditar os consensos que contam daqui a 40 anos.

A coluna quinzenal Pensar a Economia é uma parceria JE | Ordem dos Economistas.
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