O Triste Espetáculo das Comissões Parlamentares: Entre o “não me lembro” e a Realidade do “direito ao silêncio”.

2 meses atrás 52

A degradação do trato parlamentar não só enfraquece a nossa democracia, como também desvaloriza o próprio trabalho dos nossos representantes.

Nos últimos tempos, temos assistido a vários espetáculos que misturam tragédia e comédia nas comissões parlamentares de inquérito e audições temáticas na Assembleia da República. É de lamentar ver como o debate democrático se tem transformado num teatro de evasões e respostas automatizadas, que mais parecem saídas de um manual para totós de como não dizer nada.

Imaginem a cena: um deputado faz uma pergunta direta, clara, esperando uma resposta objetiva que sirva aos interesses públicos e aos eleitores. Do outro lado, a resposta vem num tom quase robótico: “Não me lembro, senhor Deputado” ou ” Pelas razões jurídicas referidas, não respondo, senhor Deputado”. Se isto não fosse tão sério, até dava para rir. Mas não dá. E não, não normalizemos o anormal direito a exercer o silêncio.

A degradação do trato parlamentar não só enfraquece a nossa democracia, como também desvaloriza o próprio trabalho dos nossos representantes. Todos eles, sem ideologia que os separe. Não são apenas as perguntas incómodas que recebem estas respostas evasivas. Qualquer questão que possa exigir um mínimo de responsabilidade é desviada com uma destreza que faria inveja a qualquer contorcionista ou o pé esquerdo de Messi ou o direito de Cristiano Ronaldo.

Basta assistir a algumas destas sessões para perceber que uma grande parte das respostas em comissões de inquérito contém alguma forma de evasão. Isso significa que, em vez de termos esclarecimentos e soluções, temos uma autêntica coreografia de palavras vazias. O impacto? Uma confiança pública em queda livre. Num inquérito da Eurobarómetro, Portugal figura entre os países europeus onde a confiança nas instituições democráticas é mais baixa. Coincidência? Duvido.

E não pensem que esta atitude de “esquecer convenientemente” é exclusividade nossa. Na política internacional, temos exemplos de políticos que também preferem não se lembrar de nada. Nos Estados Unidos, durante os inquéritos sobre a interferência russa nas eleições, as respostas “I don’t recall” tornaram-se um meme nacional. Mas se lá fora estas evasões já são motivo de piada, por cá, deviam ser motivo de preocupação.

Vamos agora mudar o foco para algo mais positivo, se é que é possível.

A verdade é que o potencial das comissões de inquérito é enorme. Já vimos momentos em que perguntas incisivas trouxeram à tona informações cruciais para o bem público. No entanto, esses momentos são raros. E enquanto continuarmos a permitir que o “não sei” e o “não me lembro” sejam respostas aceitáveis, continuaremos a assistir a este triste espetáculo.

O problema vai além do mero desrespeito entre deputados e inquiridos. O verdadeiro drama está na falha em responsabilizar aqueles que devem explicações. Um parlamento que aceita fugas ao tema sem consequências é um parlamento que está a falhar no seu dever mais básico: a defesa do interesse público.

E aqui, permitam-me um toque de humor amargo: se os agentes políticos atuais fossem tão bons a resolver problemas como são os inquiridos que escolhem a evitar perguntas, viveríamos num país de sonho.

Há que trazer de volta a seriedade e a frontalidade ao debate democrático.

Precisamos de um Parlamento que funcione como um verdadeiro palco de soluções e não como um palco de evasões. Isso exige não só que os deputados façam perguntas pertinentes, mas também que insistam em obter respostas claras e completas. E, claro, que aqueles que são chamados a prestar contas o façam com a devida responsabilidade.

Olhando para outros exemplos internacionais, vemos que uma cultura de responsabilidade pode ser estabelecida. Na Escandinávia, por exemplo, as comissões parlamentares são respeitadas e temidas. Para quem já viu a série “Borgen” (disponível na Netflix) pode ter uma ideia do bem retratado que fica o rigor e a seriedade na política dinamarquesa naquela ficção que descreve bem a realidade, por exemplo. Os políticos sabem que ali terão de responder com clareza e transparência, porque qualquer tentativa de evasão será severamente criticada, não só pelos seus pares, mas também pelo público e pela imprensa.

Em Portugal, temos de seguir este caminho.

O respeito pelo debate democrático e pela verdade é essencial para fortalecer a nossa democracia. Não podemos continuar a aceitar respostas vagas e evasivas como norma. Os nossos deputados têm o dever de insistir, de questionar e de exigir respostas. E nós, enquanto cidadãos, temos o dever de exigir mais dos nossos representantes.

Afinal, como bem sabemos, não nascemos para viver num teatro de ilusões, mas sim para construir uma realidade mais justa e transparente. Que venha o dia em que possamos assistir a debates parlamentares com orgulho e não com vergonha. Até lá, continuemos a exigir mais… Porque merecemos (bem) mais do que ouvimos (como vergonha alheia) nestas semanas.

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