Já aqui escrevi como a posição do Chega é menos favorável do que as sondagens parecem indicar. Se a Aliança Democrática for a força política mais votada nas eleições de 10 de março, André Ventura não deverá ter outro remédio a não ser viabilizar um governo de direita, sob pena de a maior parte do seu eleitorado não lhe perdoar. Por outro lado, quase dois terços dos eleitores da AD rejeitam um acordo de governo com Ventura, sendo mais numerosos aqueles que preferem, até, um acordo com o PS.
O certo é que a estratégia “Não é Não”, que o PSD tem seguido em relação a um eventual acordo com o Chega, estará a surtir efeito nas sondagens, convencendo cada vez mais eleitores da direita moderada que a única forma de retirar o PS do governo será votar na AD, até porque o Presidente da República pretende entregar o poder à força política mais votada, mesmo que não haja maioria absoluta.
O próprio Ventura já começa a dar sinais de que compreendeu a mudança da maré, tal como indica a entrevista que concedeu na segunda-feira ao “Expresso” online, onde admite viabilizar um governo da AD “ponto a ponto”, mesmo sem um acordo parlamentar. E ontem, no dia seguinte ao debate com Luís Montenegro, já admitia um acordo que viabilizasse um governo de direita, mesmo que o Chega não tenha ministros, uma vez que o partido se move “por convicções e não por tachos”.
Em suma, Ventura arrisca-se a ficar numa situação em que obtém um resultado histórico mas não consegue fazer nada com ele, tornando inúteis os votos no Chega. É por isso de esperar que nas próximas semanas a AD carregue na tese do voto útil à direita e o Chega jogue na defensiva, tentando convencer o seu eleitorado que qualquer solução de governo da centro-direita terá de contar com o seu apoio.
Por outro lado, não é claro que o PS de Pedro Nuno Santos venha a inviabilizar um governo minoritário da AD, apesar da recente decisão nos Açores. Diria mesmo que é provável que o PS viabilize um governo minoritário da AD e só não o pode assumir publicamente de antemão porque se o fizesse perderia votos para os partidos à sua esquerda. O mesmo será válido para a AD caso o PS seja o partido mais votado, como dá a entender o recente episódio protagonizado por Luís Montenegro no debate com Paulo Raimundo.
No fim de contas, não tenhamos ilusões, no dia em que Montenegro assumir que pretende viabilizar um governo socialista, perderá votos para o Chega. E daí a insistência de Ventura para que a AD se defina, chegando mesmo a acusar o PSD de trazer para a política as artes da mais velha profissão do mundo.
Esta reflexão é, obviamente, resultado de uma boa dose de senso comum misturada com verdades dignas de Monsieur de La Palace. Mas agora pensemos no impensável: o que acontecerá se a AD não conseguir capitalizar a tese do voto útil à direita e o Chega tiver um resultado muito próximo ou até mesmo superior ao da coligação, beneficiando do efeito “vergonha” que faz com que algumas pessoas escondam o seu verdadeiro sentido de voto quando inquiridas nas sondagens?
Com algumas sondagens a apontarem para uma diferença de apenas seis pontos entre os dois partidos, essa possibilidade não pode ser excluída, até porque o fenómeno da “vergonha” – que durante anos explicou os resultados eleitorais do CDS num país de maioria sociológica de esquerda – está bem estudado. Junte-se a isso um eventual elemento surpresa, com a afluência às urnas por parte de pessoas que não costumam votar – nomeadamente jovens desiludidos com a política mainstream – e Ventura ainda poderá surpreender no dia 10 de março.
Tal resultado não levaria o Chega ao poder e simplesmente obrigaria o país a ir a votos novamente dentro de alguns meses, mas seria uma bomba atómica no sistema partidário português e no PSD em particular.