OPINIÃO |5 Substituições

2 meses atrás 28

"A Preto e Branco” é uma coluna de opinião que procurará reflectir sobre o futebol português em todas as suas vertentes, de uma forma frontal e sem tibiezas nem equívocos, traduzindo o pensamento em liberdade do seu autor sobre todas as questões que se proponha abordar.

Sou de um tempo, já algo remoto, em que leis do futebol não permitiam fazer substituições e, por isso, as equipas tinham de começar e acabar o jogo com o mesmo onze e se tivessem o azar de uma ou mais lesões jogavam em inferioridade numérica.

A primeira memória consolidada que tenho disso é o Mundial de 1966, em Inglaterra, no qual Portugal não terá ido mais longe porque, entre outras razões, chegou à decisiva meia final com os ingleses tendo os principais jogadores já muito desgastados, porque jogavam sempre os mesmos durante os 90 minutos. Otto Glória não era muito adepto de rotações pelo que parte dos convocados nem chegou a jogar.

Depois, os tempos andaram e a partir de certa altura passou a ser possível fazerem-se duas substituições, uma regra que se manteve durante décadas, com as equipas a terem cinco jogadores no banco.

Posteriormente a regra foi alterada e passaram a ser permitidas três substituições e os bancos aumentaram para sete elementos até que, com a pandemia, se chegou à regra atual que permite cinco substituições com nove jogadores no banco e três períodos para proceder às substituições, sendo que, as feitas ao intervalo, não contam para esses três períodos.

Caso os jogos tenham prolongamento, então é possível mais uma substituição e mais um período em que ela pode ser feita. Nas competições de seleções mantêm-se o número de substituições e os períodos em que elas podem ser feitas, mas os bancos podem ter entre doze e quinze suplentes (caso do atual Europeu) o que abre todo um mundo de possibilidades aos treinadores.

Não resisto a pensar o que fariam grandes treinadores do passado como Rinus Michels, Bob Paisley, Johan Cruyff, Bill Shankly, Helenio Herrera, Alf Ramsey, Ernst Happel, Herbert Chapman, Bella Guttmann ou José Maria Pedroto, entre tantos outros, se no seu tempo e nos clubes e seleções que treinaram pudessem dispor de tantas substituições. Mas não podiam.

Hoje os treinadores podem. E é por poderem que, por vezes, se tem muita dificuldade em perceber que, quando as coisas estão a correr visivelmente mal, alguns deles demorem eternidades a mexer nas equipas e, quando o fazem, por vezes nem é da melhor maneira, nem tão pouco com a profundidade necessária.

São poucos, muito poucos, os treinadores que, vendo as equipas a não jogarem , a cometer erros, a serem suplantadas pelo adversário, têm a coragem de, ainda na primeira parte, fazerem substituições para tentar alterar o rumo dos acontecimentos. Ou esperam pelo intervalo, perdendo bastas vezes minutos preciosos, ou ainda arriscam mais uns minutos da segunda parte a ver se as coisas se compõe antes de, finalmente, tentaram mudar o que está mal. Com cinco substituições e três períodos distintos, fora o intervalo, para as fazerem.

Por isso digo que, valorizando muito os treinadores que preparam bem os jogos, que sabem adequar a estratégia aos adversários, que estudam até ao mais ínfimo pormenor como joga a outra equipa, que tem vários planos estratégicos consoante o desenrolar do jogo. Considero que aqueles que fazem realmente a diferença para melhor são os que, a cada momento, têm uma leitura correta do jogo e nele sabem intervir atempadamente, mudando o que está mal, seja a estratégia, sejam os jogadores.

Vem esta reflexão a propósito do jogo de ontem entre Portugal e a Geórgia, que é uma caso flagrante de como a regra das cinco substituições não foi devidamente aproveitada para corrigir o que estava mal, a bem dizer, desde os dois minutos de jogo.

Deixando de lado as rotações na equipa, o onze inicial face à “poderosa” Geórgia com três centrais, um meio campo com duas unidades, face a um previsível povoamento georgiano dessa zona, um João Félix desterrado na ala onde manifestamente não rende, um Ronaldo completamente só no meio da defesa adversária sem um segundo avançado por perto ou ao menos um médio a jogar próximo como normalmente faz Bruno Fernandes, um Pedro Neto adaptado a lateral (maldita mania de muitos treinadores em adaptarem extremos a laterais) ou a certeza que o adversário ia jogar fechado na retaguarda, a espreitar o contra ataque em busca de um golo que lhe desse vantagem e hipóteses de se apurar.

Olhemos apenas para o apito inicial do árbitro e o golo quase imediato da Geórgia ainda no primeiro minuto de jogo. Péssimo começo e o reforçar da certeza de que, a partir daí, os georgianos iriam atravessar o autocarro em frente à baliza, porque o golo estava feito e havia que o defender. O que naturalmente exigiria a Portugal mais unidades do meio campo para a frente dado que, na retaguarda, iriam sobrar jogadores face ao encolhimento tático do adversário.

Cinco substituições e três períodos para as mesmas. Passaram dez, vinte, trinta minutos e nenhuma reação do banco com a equipa a revelar-se manifestamente incapaz de ultrapassar a barreira defensiva georgiana que, quando preciso, também contou com a preciosa ajuda do árbitro suíço. E não era preciso o nível IV de treinador para perceber o que era preciso fazer. 

Dou apenas três exemplos, mas havia várias outras possibilidades porque um banco com quinze jogadores é um mundo de oportunidades. Tirar um central e dar entrada a Diogo Jota ou Gonçalo Ramos para jogarem ao lado de Ronaldo ou tirar um central e meter Bruno Fernandes ou Matheus Nunes para aumentarem a capacidade da equipa no último passe e na meia distância ou ainda tirar um central e meter Nuno Mendes, adiantando Pedro Neto para a sua posição de extremo e puxando Félix para jogar atrás de Ronaldo, onde rende muito mais.

Mas nada disso foi feito e chegou-se ao intervalo a (não) jogar da mesma forma e com a Geórgia cada vez mais confortável no seu papel defensivo sem descurar o contra ataque. 

Ao intervalo, finalmente, Roberto Martinez fez a primeira substituição. Infelizmente impossível de entender porque tirou um trinco, que nem estava a jogar mal, e meteu outro trinco o que não mudou rigorosamente nada na forma de jogar da equipa. Restavam quatro substituições e três períodos para as fazer.

Mas foi preciso outro golo adversário, noutro ingénuo erro defensivo, para dez minutos (!!!) depois serem feitas mais duas substituições que, como a anterior, foram infelizmente impossíveis de entender. Tirou um ponta de lança e meteu outro ponta de lança, quando era bem preciso ter os dois face à desvantagem no marcador e, finalmente, tirou um central para meter um...lateral passando a jogar com dois laterais direitos e mantendo Pedro Neto como lateral esquerdo adaptado.

Absolutamente incompreensível. Obviamente, nada mudou e ainda se correu o risco do 0-3 num lance em que dois avançados georgianos nos fizeram o favor de falhar um claro lance de golo.

Depois as duas ultimas substituições significaram troca de um médio mais defensivo por outro mais ofensivo e a saída de um dos três laterais (no caso Pedro Neto) para a entrada de um avançado, fazendo-se assim a 15 minutos do fim, o que devia ter sido feito 15 minutos depois do início.

Em suma, uma seleção claramente melhor que a outra nos onzes iniciais e com melhores opções no banco adotou uma estratégia de jogo errada e não foi capaz de, em noventa minutos, corrigir o que estava mal, usando a faculdade das cinco substituições e três períodos mais o intervalo para as efetuar e dar a volta ao texto.

E, se a derrota apenas afeta o prestígio, porque o triunfo no grupo e consequente apuramento já estavam garantidos, já a insistência num modelo em que a seleção não se sente bem, a prolongada má leitura do jogo e a incapacidade de fazer as substituições bem feitas e atempadamente, são preocupações que ficam para o futuro próximo.

Porque, se o onze titular, chamemos-lhe assim, em condições normais chega para vencer a Eslovénia sem problemas de maior, depois aparecerão, previsivelmente, a França ou então a Bélgica e, aí, estamos a falar de seleções de um nível ainda não encontrado por Portugal na era de Roberto Martinez.

Passando a que nos tocar em sorte (ou azar logo se verá) teremos Espanha ou Alemanha, o que ainda aumenta o nível de dificuldade face ao que se tem visto neste Europeu. Face a essas seleções, sob pena de deitar tudo a perder, não se podem cometer erros, nem no onze, nem na estratégia, nem nas substituições.

Que são cinco em três períodos mais o intervalo. Ou seis em quatro períodos se houver prolongamento. Será assim tão difícil fazê-las bem e atempadamente, caso necessário?

A ver vamos...

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