OPINIÃO | Boavista e Leixões: aura, sensibilidade e bom senso

2 meses atrás 62

«Campo Pelado» é o espaço de opinião do jornalista Pedro Jorge da Cunha. Uma homenagem ao futebol mais puro, mais natural, onde o prazer da camaradagem é a única voz de comando. «Campo Pelado».

* Chefe de Redação

Se o Boavista e o Leixões assinassem os próprios relatos e narrações, estou certo de a expressão de movimentos, estratégias e sensações iria muito para além dos golos e dos títulos.

Afinal, refiro-me a dois gigantes encarregues de gerirem armazéns desportivos de uma carga filosófica, estética e moral sem grandes réplicas no futebol português.

Para os homens inteligentes, a paixão por um clube de futebol não se esgota em 90 minutos e na magreza ou obesidade de um score. Essa entrega, por vezes obsessão, vai aos confins viscerais da instituição amada: o contorno do emblema, a estrutura dos estádios, a palete das cores e dos equipamentos.

E que lindos são os equipamentos do Boavista Futebol Clube e do Leixões Sport Club! 

Não há sentimento íntimo mais exibicionista do que a paixão, embora todos saibamos que esse fogo de artifício no peito nem sempre se faça acompanhar de um bom juízo.

É isso que me assusta no Boavista e no Leixões, estes entes sagrados do futebol nortenho e que tanta e boa companhia me fazem há 40 anos.

Provavelmente por excesso de ambição, de querer reincidir no sucesso a qualquer custo, as respetivas direções passaram a tomar, na primeira década do século XXI, decisões escabrosas, incompreensíveis até.

É desnecessário repetir a cronologia de devaneios e lapsos, mais ou menos danosos. Parece-me mais interessante analisar o ponto atual da história, um ponto determinante para o tanto que faltará viver a estas duas casas centenárias.

São processos distintos, sim, mas em ambos se discute a identidade, a impressão digital.

A do Leixões talvez seja mais simples de autopsiar.

Abanado por uma crise financeira (a crise, sempre a crise) e uma relação nem sempre sincronizada entre clube e SAD, o Leixões sobreviveu a épocas de pele e osso, com pouco dinheiro para investir e ainda menos para cumprir as obrigações internas.

Ora, numa estrutura evidentemente frágil, embora sustentada por gente apaixonada e inquebrantável, o surgimento de uma oferta como a do Flamengo para entrar na gestão do futebol profissional só pode ser vista como natural.

Se os pressupostos forem respeitados, e se a tal identidade leixonense – tão forte! – ficar onde sempre esteve, parece-me que o capital brasileiro pode elevar a ambição desportiva e reabilitar a ligação e o entusiasmo de milhares de matosinhenses.

Seja como for, exige-se sensibilidade a manusear o dossier e bom senso a aplicá-lo.

O complexo de Fão, pelos 45km de distância, parece-me uma opção apenas razoável, talvez a corrigir a médio prazo, mas tudo o resto é uma boa notícia para a revalorização e crescimento do velhinho Leixões.

O Mar, fortaleza tantas vezes inexpugnável, grita por obras e gente. Exijam seriedade a quem chega, exijam conhecimento absoluto sobre o Leixões e Matosinhos. Depois, naturalmente, a gestão desportiva terá de ser responsabilidade de quem investe.

No Bessa, as dores são distintas. Apesar do brutal investimento de gente amiga e da SAD para cumprir as exigências da Liga na inscrição, e acima disso os 700 mil euros aplicados na resolução de dívidas, o gigante Boavista ainda não foi capaz de solucionar o mais intrincado dos enigmas.

Refiro-me aos processos na UEFA, as tristemente famosas Transfer Bans. São quase 30 casos sérios, pesados e de difícil resolução, como o próprio emblema axadrezado assume.

Como sair disto, de forma a ter liberdade para gerir desportivamente este porta-aviões?

As dúvidas dos leixonenses (legítimas) sobre a entrada do Flamengo no Mar seriam, a meu ver, a salvação imediata no Estádio do Bessa.

O Fla, ou um investimento de contornos semelhantes, afastaria da SAD axadrezada as impurezas do passado recente e permitiria um delete mais do que obrigatório.

Com sensibilidades pela enormidade da instituição e o insubstituível bom senso em aplicações futuras.

Mar e Bessa, Leixões e Boavista. A aura nortenha é intransmissível.

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