OPINIÃO | Boavista, JN, O Jogo, DN e TSF: sim, salários em atraso matam

8 meses atrás 67

«Campo Pelado» é o espaço de opinião do jornalista Pedro Jorge da Cunha. Uma homenagem ao futebol mais puro, mais natural, onde o prazer da camaradagem é a única voz de comando. «Campo Pelado».

* Chefe de Redação

Há frases que se agarram a nós, perseguem-nos por toda a vida. Viscosas, marcas demasiado profundas para serem impercetíveis.

Legados. Uns positivos, outros perturbadoramente negativos. Insensíveis.

«O Boavista tinha dois meses de salários em atraso ao plantel profissional, parece-me que essa circunstância não mata ninguém.»

Vítor Murta, presidente do Boavista Futebol Clube e da SAD responsável pelo futebol profissional, achou boa ideia disparar estas palavras em conferência de imprensa. Para o país real assistir. 

O que eu esperaria de um bom líder, um homem capaz efetivamente de ser seguido, era um pedido de desculpas. A alto e bom som, tonitruante. Assumir as dificuldades, lamentá-las.

Fazer passar às dezenas de funcionários aflitos, a sensação de que o seu presidente também era capaz de sentir as suas dores.

Murta é bem remunerado, não sei se teve ele próprio algum salário em atraso ou não, nem isso é para aqui relevante. Se auferisse o salário mínimo ou pouco acima disso, perceberia que, sim, essa circunstância mata. E quando não mata, mói.

Esta representação triste, um ato falhado, qual Tarzan a bater no peito e do peito a sair nada de bom, simboliza parte de uma mentalidade que veio para ficar na nossa sociedade. Não só no futebol.

As contas certas, sagradas, sem que nenhum papel fosse necessário, perderam-se nas transições geracionais. Homens de Bem, responsáveis por centenas de famílias, jamais sairiam à rua de ar sorridente e trocista enquanto não saldassem as suas responsabilidades.

Aproveito para mudar de objeto e falar do que vou lendo e sabendo sobre a Global Media Group e o opaco World Opportunity Fund, acionista maioritário cuja sede tem morada na exótica Nassau, capital das Bahamas.

Jornal de Notícias, TSF, O Jogo, Diário de Notícias e restantes publicações do grupo fazem parte da nossa história democrática. São, aliás, pilares fundamentais desta democracia.

O desrespeito pelo mais básico dos direitos dos funcionários, o direito a receber o soldo mensal estabelecido contratualmente entre as partes, é assustador. Um fundo sem rosto, sedeado a mil léguas submarinas, usurpa estes tesouros nacionais e aflige centenas de famílias.

Nas palavras de Vítor Murta, «essa circunstância não mata ninguém». Que os seus filhos e entes próximos jamais tenham de passar pelo desespero de ter um saldo bancário a zeros.

PS: aproveito para endereçar, em nome de toda a redação do zerozero, um enorme abraço de solidariedade aos funcionários da Global Media. Recuso-me a viver num país incapaz de salvar estes títulos obrigatórios da nossa comunicação social. Haja decência e decoro, haja coragem de punir quem arrisca gestões danosas em nome não sei bem de quê. Tantos amigos, tantos profissionais de excelência, traídos por gente sem alma e sem palavra. João Ricardo Pateiro, Teófilo Fernando, Vítor Santos, Pedro Cadima, Bruno Monteiro, Manuel Casaca, Melo Rosa, Ana Luísa Magalhães, Francisco Sebe, Norberto Lopes, Miguel Pataco, João Faria, Rui Frias, e tantos outros que me perdoarão o esquecimento pontual. É impossível um país sem o JN, a TSF, o O Jogo, o DN. E sem o Boavista, já agora. 

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