OPINIÃO | Boavista: um crime

9 meses atrás 62

«Campo Pelado» é o espaço de opinião do jornalista Pedro Jorge da Cunha. Uma homenagem ao futebol mais puro, mais natural, onde o prazer da camaradagem é a única voz de comando. «Campo Pelado».

* Chefe de Redação

A demissão de Petit é mais um dedo amputado ao Boavista. Os anéis há muito se foram, surripiados em processos mais ou menos sujos, e do Boavistão de 2001 resta o estádio, o povo, a história e o emblema.  

É por eles, por culpa deles, das gentes do meu bairro da Boavista e limítrofes, que o Bessa ainda respira. Fosse um outro emblema, de menor pujança social, e estaríamos nesta altura a carpir mágoas sobre um cadáver de outros tempos. 

Posto isto, é fundamental elaborar o meu auto de queixa.

Manuel Barbosa e Alfredo, Casaca e Queiró, Paulo Sousa e Rui Bento

Os últimos 20 anos do Boavista Futebol Clube são um crime por deslindar. Não há um só autor, mas bastos. Alguns morais, outros materiais, em determinadas situações por dolo, noutras por negligência. 

Em cinco anos - 2001 a 2006 -, o emblema passou de quarto grande (e força motriz do futebol português, até na Europa) a pária. Por erros das suas direções e por decisões estrambólicas dos mecanismos de Justiça do nosso mundo da bola. 

Um investimento desajustado no estádio, sem garantias estabelecidas e juros astronómicos nos empréstimos concedidos, mexeram com a justeza dos cofres. E depois veio o Apito Dourado, a queda na escuridão competitiva e a falta de tudo. Sobretudo de pão e de juízo. 

Mário João e Erwin Sanchez, Ion Timofte e Jorge Couto, Jaime Alves e Martelinho

Cresci rodeado de grandes boavisteiros. Talvez por isso, e por ter frequentado o Bessa regularmente, perceba melhor o gigantismo da instituição. Clube honrado, de contas certíssimas e nomes superlativos, fortaleza tantas vezes inexpugnável para os visitantes. 

O crime prosseguiu. Até um burlão foi detido à porta do estádio, após vender o canto da sereia a uma direção incapaz de nadar nestes mundos. As dívidas fizeram o resto, processos e acordos incumpridos, com o Estado e privados, uma sucessão de malignidade e imprudência raras vezes vistas neste cantinho às vezes tão sossegado. 

Corrigido o erro da despromoção administrativa, como se fosse o Boavista o ator principal de tantos filmes de terror, o senhor Manuel do Laço e a dona Fernanda voltaram a ter jogos de primeira na sua casa. 

Frederico e Martelinho, Artur e Litos, Phil Walker e Pedro Barny

Primeiro num sintético, mais tarde na relva dos clubes a sério. Clubes como o Boavista. Apesar desta respiração boca a boca e do bater do coração, o velho fidalgo portuense tem parecido sempre um boxeur derrotado pelo tempo. 

Cansado, farto de combates sem sentido, mais feliz a evocar glórias passadas do que desafios presentes. 

Os milhões de Gerard prometiam a cura imediata. Uma injeção de adrenalina e delírio nas veias corroídas do centurião de tantas batalhas.

Mas um saco cheio de dinheiro deve conhecer o seu destino, para onde vai e como vai, não basta despejá-lo numa mesa e celebrar a lotaria mágica. Os investimentos foram errados, contraproducentes e não obedeceram a uma lógica básica de gestão. 

Moinhos e Nelo, Tavares e Ricky, Marlon Brandão e Nelson Bertolazzi

Passo 1: pagar dívidas e estabelecer acordos sérios com os credores

Passo 2: assegurar o pagamento de salários a todos os funcionários, sem falhas

Passo 3: garantir a liquidez da gestão corrente, ter mais receitas do que despesas

Passo 4: investir racionalmente na equipa de futebol profissional - só, e mesmo só, quando todos os anteriores pressupostos estivessem assegurados. 

Basta lembrar os nomes de Adil Rami, Chidozie, Alberth Elis ou Reggie Cannon para atestar a inversão de prioridades. Demasiado caros, todos, para uma casa sem os essenciais materiais de subsistência. 

Milhões geridos sem sensatez são mais perigosos do que tostões bem contados. 

Ao Boavista já não basta gritar bem alto o nome. A instituição enfrenta mais uma prova de sobrevivência, por continuar a não ter quem a saiba cuidar. 

Petit encarnou o papel do guardador de boavisteiros. Foi muito mais do que um treinador, foi guru, messias, líder espiritual e desportivo. 

Este crime não é um mistério. Insistem em fazer mal ao Boavista, disparam promessas utópicas e falham no mais básico: decência e conhecimento. Mais cedo ou mais tarde, os responsáveis responderão pela sórdida incompetência.

PS 1: nos dias 18 e 28, o clube e a SAD terão assembleias gerais. Duas boas oportunidades para provar a grandeza do decano emblema portuense, a quem só a fidelidade dos que o amam vai deitando a mão. 

PS 2: esta quarta-feira à noite convido-vos a acompanhar as reflexões do Rui Pereira, comentador do Boavista no 4ª à Grande do zerozero. Fossem todos como o Rui e o Boavista seria uma avenida do pensamento e não um labirinto. 

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