OPINIÃO | Chico e o pai

6 meses atrás 48

«Campo Pelado» é o espaço de opinião do jornalista Pedro Jorge da Cunha. Uma homenagem ao futebol mais puro, mais natural, onde o prazer da camaradagem é a única voz de comando. «Campo Pelado».

* Chefe de Redação

O meu pai foi o meu treinador durante duas temporadas e meia. Não recomendo. O herói da minha vida, exemplo-mor de honestidade e sensatez, não merecia o castigo diário de olhar para o filho obrigado a tratá-lo como se fosse só mais um.

Mas assim foi.

Obcecado pela certeza de não me beneficiar em nada, penalizou-me pontualmente. Em caso de igualdade e dúvida, o filho do mister era o preterido.

Por tê-lo sentido na pele, e por ontem ter celebrado o Dia do Pai com o melhor Homem que jamais conheci, valorizo de forma especial tudo o que Francisco Conceição tem sido capaz de fazer, sob a orientação técnica de Sérgio.

Não há receitas mágicas para fazer uma relação destas resultar. As pessoas não são iguais, os contextos muito menos. No meu caso particular – vivido num regime competitivo bastante inferior -, as regras impostas pelo mister eram estas: «No campo és igual aos outros, em casa falamos sobre o que tivermos de falar.»

Ok, boss

Com Johan e Jordi Cruyff ficou famoso o «vê, ouve e não fales!» - assim, exclamativo.

Escrevi sobre isto há três anos e socorri-me, já nesses primeiros dias de Chico Conceição na equipa A do FC Porto, destes dois exemplos: um modesto (o meu) e outro famoso (o dos Cruyff).

Para quem não se recorda, Johan treinou Jordi de 1994 a 1996 no Barcelona, antes de o entregar aos bons cuidados de Alex Ferguson em Manchester.

Duro e exigente no trato, Johan deu um pequeno tabefe ao filho e deixou-lhe o conselho: «Não quero saber de nada do que se passa dentro do balneário, guarda tudo para ti.»

Templo sagrado para os atletas, lugar de desabafos, críticas e maldizer, além de inesquecíveis brincadeiras de todos os tipos e tamanhos, o balneário teria de se manter afastado da ligação pai-filho, treinador-jogador.

What happens in Vegas…

Terá sido esse também o segredo do sucesso de Francisco e Sérgio Conceição – a capacidade de distinguirem o lado pessoal do lado profissional, apesar do mediatismo familiar e da exigência do clube.

Chico passou de extremo agitador a elemento pensante, esquerdino puro e duro, confortável a jogar por dentro ou na linha. Passou de suplente útil a indiscutível titular e a uma das poucas boas notícias do FC Porto 23/24.

Saboreemos este talento raro, nestes tempos de combustão supersónica.

A chamada do Conceição júnior à Seleção Nacional é, mais do que justa, consequência da gestão bonita nesta relação entre pai e filho.

Sérgio percebeu que a qualidade de Chico não pode ser limitada a 25 minutos e que a consanguinidade não deve ser confundida com um conceito defeituoso.

Francisco Conceição é um craque. Joga muito. Não teme nada lá dentro, vai para cima de qualquer um, enfrenta, afronta, arrisca o drible e o pontapé. Pode vir a atingir o nível do pai, mas antes tem de ser feliz no clube do coração.

«Vê, ouve e não fales.» Se lhe pudesse dar uma humilde dica, seria esta, emprestada ao génio de Hendrik Johannes Cruyff.

Parabéns, Sérgio e Francisco. 

PS: Sérgio Conceição tem mais três filhos futebolistas profissionais, Francisco é o único esquerdino. Rodrigo é titular no FC Zurich (25 jogos, 1 golo), Sérgio está a ser um dos melhores no ano difícil do Feirense (28 jogos, 3 golos e 7 assistências), Moisés perdeu espaço no Leixões com a entrada do treinador Carlos Fangueiro (15 jogos, 1 golo). Uma família de futebol.    

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