OPINIÃO | Eu quis ser don Iniesta

2 horas atrás 17

«Campo Pelado» é o espaço de opinião do jornalista Pedro Jorge da Cunha. Uma homenagem ao futebol mais puro, mais natural, onde o prazer da camaradagem é a única voz de comando. «Campo Pelado».

* Chefe de Redação

Pele branquinha, diáfana. Chuteiras pretas, preferencialmente. Tatuagens para quê? Cabelo sem penteados cool ou cortes patéticos. Brincos? Um estorvo, um estorvo pindérico.

Andrés Iniesta Luján.

Normal, vulgar da cabeça aos pés. Mas só sem uma bola nos pés ou um microfone à frente da boca. A jogar futebol e a pensar o mundo, o rapaz de Fuentealbilla, terriola simpática na província de Albacete, foi sempre tudo o que eu um dia sonhei ser.

Um gigante. Um gigante de 171 centímetros e um descomunal talento para simplificar a beleza de ter uma bola num relvado.

Na era do músculo XXL, da urgência e da pressa destravada, Iniesta escolheu ser o cérebro.

Ataque à profundidade, pressão alta, intensidade, reação à perda? Expressões sem espaço no léxico de don Iniesta, pensador-mor no tiki taka deslumbrante do Barça de Pep.

Futebol de elite num parque infantil. Diversão e prazer maiúsculos nos palcos mais ilustres.

Xavi-Busquets-Iniesta, Messi-Villa-Iniesta, Busquets-Messi-Iniesta, todos os caminhos iam ter a Andrés.

Delicado e inteligente, autor de passes amestrados e árias em forma de golos. 57 só no Barcelona, de 2002 a 2018, lá com 34 troféus pelo meio.

O que importa uma taça, quando o deleite supre todas as necessidades?

Ver Iniesta no relvado é o supremo clímax. Eu quis ser Iniesta, uma e outra vez. Um tipo silencioso, interessado na criação e na simplicidade, acima de toda e qualquer suspeita.

2012, Donetsk, Portugal-Espanha nas meias-finais do Europeu. Eu na bancada de imprensa, Iniesta lá em baixo, a levantar o oh! de estupefação e o ah! de incredulidade.

A forma de tocar a bola, dios mio. Céu, olimpo, concílio dos deuses, o evangelho segundo don Andrés. O que este homem jogava!

Um dos melhores de sempre, príncipe maniqueísta. Nos seus pés, o Bem. Para lá da barricada, o Mal.  

Xavi era superior?
Messi apagava os demais?
Busquets sustentava o luxo dos camaradas?

Perguntas legítimas, com sentido, mas para quê comparar diferentes formas de perfeição?

Esse Barcelona, essa criação da alma inquieta de Pep, deu-me o melhor futebol da minha vida. E, dentro desse Barça, Iniesta desempenhou o papel de cuidador.

Lamento-lhe os últimos sete anos na Ásia, longe da vista e do coração. Terei esquecido Iniesta, pontualmente, até este adeus me despertar os ares de nostalgia e devoção.

Gracias, Iniesta. Por me obrigares a uma espera ansiosa a cada jogo do teu Barcelona. Por certificares o futebol com o selo dos mestres e dos discípulos, jogar e ensinar.

Andrés é o tipo certinho. Risca ao lado, penteadinho, sorriso genuíno na visita à casa dos sogros, certamente com uma garrafa de vinho numa mão e um bolinho saído do forno na outra.

Já não se fazem futebolistas assim. Já não se fazem craques desta simplicidade.

Quis muitas vezes ser como tu, Andrés. O raio dos pés nunca mo permitiram.

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