OPINIÃO | Felicidade nas margens do Sena

1 mes atrás 39

“Joga Bonito” é uma coluna de opinião de um treinador-jornalista que acredita ser possível apresentar um futebol bem mais atractivo, apaixonante e entusiasmante do que aquele que se vê habitualmente em Portugal. E pasme-se, com o mesmo objectivo presente na cabeça de todos os treinadores, adeptos e restantes agentes desportivos nacionais: ganhar!

Bastaram 45 minutos. Uma parte apenas de um jogo de futebol. Surgiu mais leve, mais livre, mais solto e (futebolisticamente falando) mais feliz. Beneficiou da qualidade de quem com ele jogou, é um facto. Beneficiou da inteligência de quem, sem quaisquer problemas e como se jogassem juntos há anos, soube perceber como, quando e onde deveriam promover trocas posicionais, sem que isso fragilizasse a equipa e a deixasse descompensada.

Mas beneficiou imensamente mais por ter um treinador como Luis Enrique, alguém que não teve quaisquer problemas em acrescentar mais inteligência e qualidade à equipa, mesmo que isso tenha implicado lançar um jovem jogador recém-chegado ao plantel. Alguém que não se importou com o peso do tempo, barómetro que tantas vezes utilizamos como fuga ou escapatória para a não utilização daqueles que parecem não precisar dele.

Luis Enrique não só lançou João Neves como deu-lhe palco para ser aquilo que inicialmente todos perspectivámos aquando do seu aparecimento na equipa principal do Benfica, mas que ultimamente parecia impossível: um médio centro completo, cerebral, com raio de acção alargado com bola, com chegada às zonas de decisão e finalização. As duas assistências para golo não foram fruto do acaso e mostram o quão importante foi a liberdade técnico-táctica dada pelo treinador espanhol ao jovem internacional português.

Significará isto, a meu ver, que em pouco tempo Luis Enrique viu em João Neves algo que Roger Schimdt não conseguiu descortinar em vários meses: o tal médio centro completo, total e cerebral (à imagem e semelhança do icónico João Moutinho). E não apenas o bombeiro de serviço, responsável pelas coberturas e compensações defensivas de um ataque anárquico e de uma equipa incapaz de ocupar racionalmente os espaços em organização ofensiva por ausência de ataque posicional (diria até por inexistência de treino/trabalho nesse sentido).

Ao ver os últimos jogos de João Neves ao serviço do Benfica cheguei a temer pela sua descaracterização. Estava cada vez mais vocacionado para ser o «apaga-fogos» da equipa, o homem dos equilíbrios de uma ideia de jogo e um modelo de jogo desequilibrados. As avaliações qualitativas passaram a ser constantes no que à entrega, à disponibilidade física defensiva e ao compromisso diz respeito. A esperada influência ofensiva, outrora idealizada e tão notória aos olhos de quem consegue enxergar o simples, esfumura-se e dera lugar a um médio com tracção à retaguarda. Como se João Neves pudesse ser reduzido apenas a um carregador de piano...

Felizmente, e à primeira vista, as margens do Sena trouxeram outros ares, outras ideias e outros hábitos a João Neves. Bastaram 45 minutos. Uma parte apenas de um jogo de futebol. Surgiu mais leve, mais livre, mais solto e (futebolisticamente falando) mais feliz.

PS - Jogar com Vitinha, por estes dias, é um luxo de valor incalculável. Ao lado do maestro português a bola tem sempre destino e destinatário, e os colegas têm sempre a certeza e a garantia de que a bola chegar-lhes-á redonda. Difícil seria não saber jogar ao lado de alguém que é bússula, farol, polícia sinaleiro, carteiro, arquitecto e engenheiro em simultâneo.

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