OPINIÃO | Grazie, Totò: o verão de 90 está cada vez mais triste

2 horas atrás 19

«Campo Pelado» é o espaço de opinião do jornalista Pedro Jorge da Cunha. Uma homenagem ao futebol mais puro, mais natural, onde o prazer da camaradagem é a única voz de comando. «Campo Pelado».

* Chefe de Redação

Diego Armando Maradona, D10S omnipresente, deixou a vida terrena em novembro de 2020.

Andreas Brehme, fiável polivalente e autor do solitário golo da final, partiu para outra dimensão em fevereiro de 2024.

Gianluca Vialli, o genial goleador burguês, não resistiu a uma doença terrível e baixou os braços em janeiro de 2023.

Stéphane Demol, a elegância em forma de defesa central, colapsou em junho de 2023.

Freddy Rincón, o colosso colombiano, sucumbiu na sequência de um acidente de viação em abril de 2022.

Gerhard Rodax, austríaco goleador e parceiro de Futre em Madrid, deixou-nos em novembro de 2022.

Viktor Chanov, eterno suplente de Dasaev na URSS, pereceu no mês de fevereiro em 2017.

Klas Ingesson, motor sem falhas na Suécia, beijou a morte em outubro de 2014.

Vale sempre a pena evocar também o nome de Andrés Escobar, barbaramente assassinado em julho de 1994.

E, agora, Totò Schillaci: o meu verão do Italia 90 nunca me pareceu tão longe. E nunca esteve tão triste.

A finitude dos cromos que pareciam eternos, indestrutíveis; a camaradagem da morte, sinal de alarme a assinalar o fim de uma era dourada – ninguém sobrevive à lógica do tempo, da doença, do limite.

Há um ano, o zerozero recebeu o filho de Totò. Mattia vive no Porto, é dentista e futebolista do popular Santa Catarina FC, clube que recupera o idealismo de outros dias ao competir nos pelados e sintéticos do INATEL.

No final da conversa, Mattia filmou as nossas bonitas instalações, o poster do pai, as camisolas do Palermo, da Juventus, da seleção de Itália. E enviou as imagens a Schillaci, naturalmente orgulhoso.

«Papa, vê só o que eles têm de ti aqui em Portugal.»

Salvatore Schillaci marcou profundamente uma geração de amantes da bola. De completo anónimo a herói italiano, de excluído na caderneta da Panini a autocolante obrigatório nas memórias e conversas coletivas.

Avançado explosivo, de olhos raiados, furioso. Ocupou a vaga do mais credenciado Andrea Carnevale e respondeu com golos, golos e mais golos: seis em sete partidas.

O Italia90 não é elogiado pelos experts. É, de resto, atirado para o fim da linha quando se fala de futebol espetacular e colorido.

Discordo.

O Italia90 deu-nos muito, deu-nos imagens irrepetíveis. Apresentou-nos Roger Milla a gingar na bandeirola de canto, pôs-nos a cantar o Un’Estate Italiana, afligiu-nos nos dribles kamikazes de Higuita e nas lágrimas desconsoladas de Gascoigne.

Analisar o Mundial de 1990 à luz da tática, da nota artística e do baixo número de golos é esquecer, ou secundarizar, o mais importante na mais bela prova de seleções: os instantes icónicos.

Há mais, muitos mais. Épicos. O quid pro quo de cuspidela traiçoeira entre Rijkaard e Voller; a raiva de Maradona na batalha do San Paolo vs Itália; a emocionante montanha russa no Inglaterra-Camarões feita de reviravoltas e suspense.

O Nessun Dorma, de Pavarotti, a atormentar-nos a alma e o grafismo futurista da RAI a exibir-nos um mundo novo. Do frango de Pumpido na abertura até ao penálti de Brehme (ah, Goycoechea, foi quase!) na final para durões, de 8 de junho a 8 de julho, um mês para sempre.

Grazie, Totò. O Italia90 está cada vez mais longe e mais triste.

PS1: no meu grupo de amigos, contabilizamos os anos de vida através do número de Mundiais. Os que já vivemos e os que, com alguma sorte, poderemos ainda viver. A minha história pessoal diz-me que já tenho dez para trás (excluo o de 1982, pois a consciência desportiva era inexistente) e que poderei pedir talvez mais dez aos deuses do futebol. É aproveitar, meus amigos.

PS2: em junho de 2010, por alturas do 20º aniversário do Mundial de 1990, tive o privilégio de entrevistar Salvatore Schillaci, para o Maisfutebol. Falámos do «verão perfeito», do futebol bizantino dos alemães, da glória apressada de Totò. «Ao segundo golo comecei a ser levado a sério. Tinha ganho a Taça UEFA e a Taça de Itália pela Juventus, embora soubesse que isso não significava nada para os tiffosi e para os meus colegas. Só os golos no Mundial me deram credibilidade. O futebol é assim.»

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