OPINIÃO | O peso da identidade e o Flick-flack em Barcelona

2 horas atrás 14

Este espaço, do jornalista Carlos Daniel, pretende ser de abordagem e reflexão sobre o futebol no que o jogo tem de melhor. Quinzenalmente, uma equipa será objeto de análise, com notas concretas que acrescentam atualidade.

Benfica e FC Porto estão bem na Liga, mas os adeptos dos dois clubes duvidam que a época acabe bem. O problema é só um: o Sporting está melhor. No Dragão, a instabilidade que vem de fora acentua o nervoso miudinho no estádio, mas a equipa encarreirou na Europa e na Liga só dista da liderança os três pontos que deixou em Alvalade.

O resto é tudo vitórias, pelo menos até ao jogo de hoje nas Aves. Na Luz, desde que Bruno Lage substituiu Schmidt, a equipa também só sabe ganhar na Liga doméstica. E da imensa dificuldade em criar até lances de perigo, passou a golear com facilidade.  

Repito: FC Porto e Benfica estão bem, melhor do que na época passada por esta altura. O problema é que o Sporting está melhor, até do que na época passada. E não dá sinais de vacilar.

E por que razão parece imune a oscilações o líder da Liga?  Essencialmente por ser hoje uma equipa completa, inteira, que sabe para onde vai e por onde vai em cada momento do jogo. E a que velocidade, já agora. É porventura a maior diferença para os rivais: Benfica e FC Porto aceleram quase sempre, o Porto porque agora tem Samu e já tinha Pepê e Galeno, o Benfica porque tem Di María e Akturkoglu e mesmo o médio mais organizador – Kokçu – talhado para verticalizar depressa o jogo.

Os leões não, até no terço ofensivo sabem conjugar pausa e aceleração, por via de terem Pote e Trincão, mas também da inclusão mais regular de Bragança. E sobretudo porque treina para jogar assim. E treina bem, que nenhuma equipa joga assim sem isso.

Rúben Amorim evoluiu como treinador e com ele fez crescer o Sporting. O maior elogio que se lhe deve fazer é mesmo esse, o de ter chegado cedo ao sucesso, mas não ter cristalizado numa ideia, o de ter percebido que não era repetindo as primeiras receitas que iria dobrar as tormentas dos anos que correram pior.

À competência na organização defensiva de que sempre cuidou, acrescentou uma variedade de soluções com bola como antes não tinha, explorando a largura como a profundidade, melhorando o critério entre passe curto ou longo, numa dinâmica difícil de travar. Claro que ter Gyokeres ajuda muito – como não admiti-lo numa semana com mais dois golos de compêndio? – mas também é preciso saber aproveitar Gyokeres.

Como para encontrar o espaço de fazer explodir Trincão. Ou lançar Quenda e aproveitar Bragança. Há uma ideia que precede os homens, uma ideia cada vez melhor, que os jogadores entendem, mas que, antes disso, entende os jogadores, os que tem e os que procura. Começa tudo aí. Chama-se identidade. Pode ser mais do que uma forma de jogar, vai decerto além da tática, mas é no terreno de jogo que se concretiza.

O Barcelona agarrou-se à identidade para juntar os cacos de uma gestão ruinosa e face à enorme fragilidade para atuar no mercado. Hansi Flick, o alemão que o futebol devia valorizar muito mais (em ano e meio apenas, como treinador do Bayern, juntou duas Bundesligas, uma Champions, uma Supertaça Europeia e um Mundial de Clubes), disse agora ao que vinha quando anunciou que se ia basear em quem conhecesse «de cor a maneira de jogar à Barcelona». 

Pensava nos meninos únicos que crescem em La Masía, e assim, a Lamal, Pedri e Baldé, juntou mais uns quantos, não se queixando das lesões, e tantas foram. Sem ter De Jong e Gavi, afirmou um maravilhoso Casadó no lugar que foi de Busquets, com Dani Olmo de fora, aproveitou para deixar crescer Fermín e dar minutos a Pablo Torre.

E ainda mais eloquente foi assumir um jogo de risco em cima do que parecia um eixo defensivo inseguro, com dois médios-centro pouco «intensos», centrais que não seriam primeiras escolhas e o guarda-redes suplente. Sem Ter Stegen, apostou em Iñaki Peña, sem Araujo e Christensen montou a ousadia de uma defesa bem subida sobre os ombros de Cubarsí (o adolescente veterano) e Iñigo Martínez (o veterano rejuvenescido).

E foi com eles que desafiou Bayern e Real, as setas dos alemães – Gnabry e Oliseh, depois também Sané e Coman – e a seguir Mbappé e Vini Jr, as flechas douradas do maior rival. Explicou-nos no fim da vitória em Madrid que defender assim parece mais arriscado, mas não é. Claro que correu o risco de sofrer golos, mas vistos os resultados não há como negar que correu sempre mais risco… de marcar.

Se juntarmos os 5-1 ao Sevilla, foram 13 golos em sete dias apenas, e três goleadas claras sobre emblemas históricos. É o efeito Flick, um Flick-flack à retaguarda, por ter ido à história resgatar o melhor que o Barça deu ao futebol: uma ideia sedutora onde o talento reina. Assim volta a ser. E já encanta.

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