OPINIÃO | Que o scouting do FC Porto descanse em paz

7 meses atrás 55

«Campo Pelado» é o espaço de opinião do jornalista Pedro Jorge da Cunha. Uma homenagem ao futebol mais puro, mais natural, onde o prazer da camaradagem é a única voz de comando. «Campo Pelado».

* Chefe de Redação 

Das duas, uma: ou o departamento de scouting do FC Porto é um acervo de incompetência ou o seu trabalho não é levado em linha de conta na hora de escolher reforços.

Vou mais pela segunda hipótese, até por relatos vários recolhidos junto de pessoas que sabem mais do que eu sobre esses processos.

Otávio Ataíde é só o último exemplo da total ausência de prospeção atempada e cuidada, de olhares analíticos e rigorosos a outros mercados, de um vazio absoluto numa lista de alternativas que deveria estar hierarquicamente organizada e avaliada.

Insisto: se essa lista existe e é monitorizada pelo scouting, então é totalmente desvalorizada por quem decide o nome das contratações, seja o treinador, a administração da SAD ou os dois homens normalmente envolvidos nestes dossiers: Pedro Pinho e Alexandre Pinto da Costa.

O FC Porto, ao aceitar pagar 12 milhões de euros por Otávio, volta a expor-se ao risco. O central justificou, veja-se bem, um valor superior ao investido nos préstimos, por exemplo, de Iván Jaime – só para dar um nome contratado também em Famalicão.

O número é excessivo e o timing irresponsável. David Carmo foi relegado para a equipa B a 20 de dezembro. Passou-se o Natal com bacalhau e batatas cozidas, o Ano Novo de serpentinas e excessos, e mais 31 dias em janeiro – 41 no total, portanto – até o FC Porto ter uma quarta opção para o centro da defesa.

Não sou capaz de entender a lentidão, a incapacidade negocial, as hesitações. Até ao desespero do último dia, um clássico deste futebol embebido na espuma dos dias.

Sérgio Conceição fala em «características, idade e contexto» como itens a analisar na hora de escolher, sendo que o último deles se refere ao campeonato onde o atleta compete antes de assinar. O treinador prioriza, assim, um jogador familiarizado à liga portuguesa.

Apesar de respeitável, tenho dificuldades em aceitar esse argumento. A partir do momento em que se oferece um contrato válido até 2028, parece-me mais relevante a análise aprofundada ao perfil do que o campeonato em que o jogador se move.

Ninguém lê as letras pequeninas destes acordos, o adepto quer é vitórias e golos, mas a uma empresa/SAD em agudo declínio financeiro talvez não fosse mal pensado optar por alternativas economicamente mais viáveis e, provavelmente, mais fiáveis também.

Otávio Ataíde pode vir a ser um defesa de elite, possui um nível já interessante, mas estamos a falar do oitavo investimento mais alto de sempre do FC Porto, num período em que o cinto deveria estar mais do que apertado – vale a pena lembrar que as primeiras prestações de Fran Navarro e Iván Jaime estão por regularizar?

Um bom scouting, e não excluo a existência dessa possibilidade no FC Porto, teria à disposição dos decisores uma dezena de nomes argentinos, brasileiros, chilenos, dinamarqueses ou belgas, devidamente compartimentados em valores compatíveis com o orçamento x ou y.

Se isto existe no Dragão, então não é aproveitado pela realidade.

Olho os reforços contratados desde 2020 e só dois encaixam num trabalho de depuração dos scouts, de uma triagem profissional, quase laboratorial: Pepê (vindo do Grémio) e Alan Varela (Boca Juniors). Os restantes são nomes de senso comum, identificados por qualquer adepto minimamente atento.

É também nisto que o FC Porto se tem negativamente distinguido. O clube que era capaz de descobrir Jackson Martinez nas Chiapas mexicanas, ou James Rodríguez no pequeno Banfield, passou a ser insuportavelmente básico ao rodar o mapa mundi, qual criança mais interessada no rodopiar do globo do que no acerto geográfico.

Que o scouting do FC Porto descanse em paz.

PS1: Otávio Ataíde não merecia a pressão destes 12 milhões, tal como Carmo não mereceu o peso dos 20. Demasiado jovens, imaturos, incapazes de tirar o número da cabeça. Por contraponto, Felipe chegou do Corinthians por oito milhões, Éder Militão saiu do São Paulo por sete. Talvez a realidade se encarregue de ridicularizar estas linhas. Talvez.  

PS2: o scouting é, precisamente, uma das prioridades no programa de André Villas-Boas. O candidato à presidência do FC Porto, pelo menos ele, concordará com a necessidade de «identificar o talento em antecipação» e de «melhorar o funcionamento» do departamento.

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