Os lucros da banca em tempos de vacas gordas

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Os cinco maiores bancos portugueses tiveram o melhor semestre de sempre em termos de resultado líquido. Ao todo, a CGD, o Santander, o BCP, o Novobanco e o BPI registaram lucros de 2,6 mil milhões de euros na primeira metade do ano, mais 30% que no período homólogo de 2023. É um valor muito significativo, que alguns veem como escandaloso e outros encaram como uma consequência natural e desejável da subida das taxas de juro.

De facto, estes lucros fabulosos explicam-se em grande parte com a subida das taxas de juro, que levou ao aumento da margem financeira. Esta corresponde à diferença entre os juros que os bancos cobram na concessão de crédito e os que pagam pelos depósitos. Como os juros praticados nestes últimos não subiram tanto como os indexantes dos créditos, os bancos têm vindo a recuperar a rentabilidade que lhes escapou durante mais de uma década em que tivemos taxas muito baixas ou mesmo negativas.

A subida das taxas permitiu que o negócio dos bancos voltasse ao seu foco de sempre, que consiste em captar poupanças para, de seguida, poder emprestar às famílias e às empresas. É neste processo que os bancos ganham a sua margem e, convém não esquecer, criam a maior parte da moeda que existe em circulação.

Porém, um olhar mais atento aos números do semestre permite concluir que este aumento da margem financeira não ocorreu em todos os grandes bancos. Na Caixa e no BCP, o aumento significativo na captação de depósitos não foi compensado pelo crescimento do crédito concedido, o que levou a que, nas suas operações domésticas, as margens financeiras destes bancos tenham caído. Isto aconteceu não porque a Caixa e o BCP pratiquem juros particularmente atrativos nos depósitos, mas sim porque a procura de crédito, apesar de forte, não cresceu tanto como os recursos dos clientes. No fim de contas, faltam bons projetos empresariais em Portugal que os bancos possam financiar e, no segmento do crédito à habitação, escasseiam as casas a preços acessíveis.

Em todo o caso, o primeiro semestre foi marcado por uma forte dinâmica comercial dos principais bancos, o que nos leva a outro fator chave que ajuda a explicar os resultados neste período, que é a conjuntura relativamente benigna que o sector tem pela frente neste momento. A economia está a crescer, o desemprego permanece em níveis historicamente baixos e as famílias e as empresas têm muita liquidez acumulada desde os anos da pandemia (em junho, os depósitos de particulares atingiram um máximo histórico de 187 mil milhões de euros).

Esta conjuntura traduz-se num maior dinamismo comercial da banca e em menos imparidades de crédito e na libertação de provisões eventualmente “excessivas” que foram constituídas em anos anteriores, impactando positivamente os lucros do sector. Esta redução das imparidades e provisões compensou, em parte, o impacto do movimento de descida das taxas Euribor, que teve início em outubro de 2023 e ainda não terminou.

São estes resultados a prova de uma inerente imoralidade, ou falta de ética, na forma de atuação dos bancos que operam no nosso país?

Diria que, sem cair em demagogias, existem argumentos válidos de um lado e do outro da discussão. Por um lado, os bancos têm necessariamente de ser rentáveis, porque a alternativa é bem pior. Entre dar dinheiro a ganhar aos bancos como cliente, recebendo em troca um financiamento ou a prestação de um serviço, ou ter de, como contribuinte, ajudar a pagar os prejuízos da banca, será sempre preferível a primeira opção. Bancos rentáveis não precisam da ajuda do Estado, conseguem investir na inovação, prestam um serviço de maior qualidade aos seus clientes e remuneram melhor os seus colaboradores. A sociedade beneficia com isso, como um todo.

Por outro lado, aquilo a que temos assistido na cobrança de comissões por parte de alguns bancos é muito questionável. Com a subida das taxas de juro, que devolveu ao sector a rentabilidade perdida nos anos pós-crise financeira, a cobrança de comissões por tudo e por nada faz ainda menos sentido. Se vamos falar de imoralidade nos lucros dos bancos, deveria ser por aqui. Já em relação ao tema dos juros baixos nos depósitos, a questão de fundo é saber se a banca precisa de subir mais os juros para se financiar.

Diria que a remuneração dos depósitos só irá aumentar de forma significativa no dia em que os bancos precisarem de mais recursos dos clientes para poderem fazer a sua transformação em crédito. Porém, como referi, faltam bons projetos para financiar e, na habitação, não existem imóveis em número suficiente. E os reguladores que em público pedem aos bancos para subirem a remuneração dos depósitos são os mesmos que, à porta fechada, controlam de perto a concessão de crédito, para evitar erros do passado. Aumentar o volume de crédito para tentar compensar a previsível descida da margem financeira poderá não ser muito fácil, neste contexto.

O que nos leva a um último aspeto. Será possível os bancos manterem estes resultados durante muito mais tempo? Diria que não. Os juros vão continuar a descer até estabilizarem num “novo normal” e, quando o país entrar num ciclo económico mais difícil, as imparidades vão retornar em força. Os bancos sabem disso e continuam a cortar custos e a aumentar a eficiência (o rácio cost to income, que há poucos anos andava na casa dos 60%, está agora em torno dos 30%, nas principais instituições), encerrando balcões e apostando na digitalização.

O tempo dirá se este esforço será suficiente, tendo em conta fatores como a concorrência de novos players digitais, ou se o caminho para a banca terá de passar por M&A que dê origem a bancos mais competitivos e capazes de cumprir a missão de financiar a economia.

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