Os segredos do guarda-roupa da casa de Alba

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A personalidade exuberante de Cayetana de Alba ainda parece dançar no madrileno Palácio de Liria, morada dos duques de Alba na capital espanhola. Mas também lá "andam" a de Eugénia de Montijo, irmã da 15ª duquesa, que, em meados do século XIX, foi imperatriz dos franceses por casamento com Napoleão III, e as dos criadores de Moda que as vestiram, desde o oitocentista Charles Frederick Worth a Christian Dior, Cristóbal Balenciaga ou Yves Saint Laurent. Para deleite do público, a relação entre uma das mais antigas e mais importantes linhagens aristocráticas da Europa e a Moda pode ser apreciada na exposição La Moda en Casa de Alba, que reúne mais de cem peças, incluindo trajes e acessórios, mas também obras de arte, cedidas por instituições como o Château de Compiègne, o Museo del Traje ou o Património Nacional espanhol. Até 31 de março, precisamente no espaço onde muitas destas peças acrescentaram brilho aos homens e mulheres que os usaram: o referido Palácio de Liria, construído no século XVIII e reconstruído por Cayetana após a Guerra Civil de 1936-1939.

Cayetana Fitz-James Stuart, duquesa de Alba, no jardim do Palácio de Liria. Cayetana Fitz-James Stuart, duquesa de Alba, no jardim do Palácio de Liria. Foto: Getty Images

Comissariada por Lorenzo Caprile e Eloy Martínez de la Pera, esta mostra, que dá conta da importância da Alta-Costura como representação do estatuto social, tem vários protagonistas, a começar por Cayetana Fitz-James Stuart y Silva, a duquesa de Alba falecida em 2014. Ora o que aqui se vê sobre tão carismática figura demonstra que, não tendo sido exatamente uma fashion victim, a 18ª duquesa era uma mulher que acompanhava as tendências e, mais do que isso, mantinha uma relação próxima com os maiores criadores da sua época, espanhóis ou não. 

Vestido de cocktail para Cayetana Fitz-James Stuart, duquesa de Alba, 1960. Vestido de cocktail para Cayetana Fitz-James Stuart, duquesa de Alba, 1960. Foto: Jesús Varillas Leia também Jean-Paul Gaultier, o designer que antecipou o futuro da moda

Entre as peças que lhe pertenceram, o natural destaque vai para o vestido de noiva que usou no seu primeiro casamento, com Luis Martinez de Irujo, em 1947. Desenhado por Flora Villarreal, impressiona pela modernidade do corte (estilo camiseiro) com mangas japonesas e rendas com motivos florais. Sempre atualizada com o que de mais vanguardista se fazia em Paris, então capital incontestada da Alta-Costura, a duquesa, já viúva desse primeiro matrimónio, viria a promover um desfile da Dior neste mesmo Palácio de Liria. Estávamos em 1959 e a marca tinha a direção criativa do jovem Yves Saint Laurent. De Paris para este acontecimento, vieram 14 modelos, que apresentaram toda a coleção primavera/verão desse ano, num total de 119 peças. Nesta exposição podemos ver os registos fotográficos desse momento único, em que as peças assinadas por YSL "dialogaram" com os quadros de Franz Xaver Winterhalter, Francisco de Goya e Ticiano existentes naquela catwalk tão inesperada como sumptuosa.

O vestido de noiva da duquesa de Alba, desenhado por Flora Villarreal, em 1947. O vestido de noiva da duquesa de Alba, desenhado por Flora Villarreal, em 1947. Foto: Jesús Varillas

Esta intimidade da Casa de Alba com a Moda não começou, todavia, no século XX. Em meados de oitocentos, Eugénia de Montijo, irmã de María Francisca de Sales Portocarrero, 15ª duquesa de Alba, foi copiada e imitada um pouco por todo o mundo, sobretudo quando, em 1853, se converteu na Imperatriz dos franceses. Entre as suas principais followers (passe o evidente anacronismo) estava Mary Todd Lincoln, mulher do Presidente dos Estados Unidos, Abraham Lincoln, que exigia ao seu embaixador em Paris informações periódicas sobre as toilettes usadas pela Imperatriz. Na posse desses preciosos relatórios, a primeira-dama depositava-os depois nas mãos da equipa de modistas da Casa Branca.

Casaco curto de Sol Fitz-James Stuart, duquesa viúva de Santoña e condessa de Baños, 1920. Casaco curto de Sol Fitz-James Stuart, duquesa viúva de Santoña e condessa de Baños, 1920. Foto: Jesús Varillas Leia também Visita guiada. Corunha mostra vida e obra de Helmut Newton

Eugénia de Montijo foi também a responsável por um certo espanholismo que se verificou na Moda internacional neste período, aquilo a que os comissários desta exposição chamam o "momento Carmen". Em Paris, Londres, Nova Iorque, as elegantes exibiam-se com mantilhas, rendas, folhos e uma certa ideia romântica de Espanha que Eugénia, apesar do seu trono francês, nunca se cansou de exibir na Corte parisiense ou nos belos retratos que dela pintaram grandes nomes como Winterhalter. Nesta exposição podemos ver, a par dos modelos que o britânico Worth concebeu para a Imperatriz, três jaquetas toureiras usadas por membros femininos da Casa de Alba, uma delas hoje pertencente a Eugenia Martínez de Irujo, irmã do atual duque.

Mas nem de só de elegância feminina se fala nesta exposição. Também há uma sala dedicada à Moda masculina, ao dandismo e à indumentária régia. Neste caso, o protagonismo vai para a figura de Jacobo Fitz-James Stuart, XVIII duque de Alba, pai de Cayetana, cuja preferência pelo melhor da alfaiataria britânica é bem notória. Recorde-se que Jacobo foi representante diplomático do Rei Afonso XIII e, mais tarde, do General Franco, em Londres, tendo sido um convidado de destaque no casamento da futura rainha Isabel II com o duque de Edimburgo, em 1947.

Manto da Ordem de Calatrava de Jacobo Fitz-James Stuart y Falcó, XVII duque de Alba, 1900. Manto da Ordem de Calatrava de Jacobo Fitz-James Stuart y Falcó, XVII duque de Alba, 1900. Foto: Jesús Varillas Leia também Soraia Chaves: "A Moda deu-me conforto com o meu corpo, com a minha pele, com a nudez, com a minha imagem"

A exposição de peças de vestuário e acessórios é complementada ainda por quadros de Federico de Madrazo, Joaquín Sorolla ou Ignacio Zuloaga, que retrataram alguns dos antigos habitantes deste palácio em todo o esplendor e elegância dos seus melhores trajes. Mas se estiver no Palácio de Liria, não deixe de fazer a visita completa (a exposição está no espaço de mostras provisórias, na antiga cavalariça). Na biblioteca, por exemplo, estão vários milhares de volumes, muitos dos quais preciosos, como as cartas enviadas aos Reis de Espanha por Cristóvão Colombo ou a primeira edição de Dom Quixote, de Miguel de Cervantes.

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