Para o dragão contar aos netinhos

1 mes atrás 43

O dragão esteve morto, sepultado, teve missa de sétimo dia e acabou de Supertaça na mão. Não sabemos se no Céu ou no Paraíso, rodeado dos prazeres de uma vida nova e da certeza de uma noite para contar mais tarde aos netos. Aos dragõezinhos. 

«Um dia, numa cidade chamada Aveiro, estive a perder 3-0 aos 24 minutos. Cof, cof, cof. E lá arranjei maneira de virar aquilo de pernas para o ar. Agora cubram-me as pernas com a mantinha.»

Foi mais ou menos assim de facto. Uma entrada de horror, carregada de erros primários e lapsos de concentração e posicionamento preocupantes, foi corrigida através de uma recuperação épica. Basta dizer que nunca antes na História o FC Porto resistira a um 3-0 e sobrevivera para contar - a exceção é um 3-3 contra o Belenenses em... 1930

@Catarina Morais / Kapta +

Viktor, um transtorno de personalidade

Sem Gyokeres é uma coisa, com Gyokeres é outra. A capacidade dada por Viktor na proteção de bola e no arranque, já para não falar na finalização, eleva o Sporting a um patamar de elite. 

É do sueco a responsabilidade pelo 2-0 e pelo 3-0 dos leões, com Zé Pedro a ter abordagens trágicas e Pedro Gonçalves + o menino Quenda a capitalizarem as cavalgadas vikings. 

Antes dessa injeção de poder, um colosso, um transtorno de personalidade - mas no sentido correto -, já o Sporting confirmara os problemas imensos do FC Porto nas bolas defensivas pelo ar. Uma limitação grave e já exibida em trajes menores na época anterior. 

Após canto na esquerda, Gonçalo Inácio iludiu quatro portistas, saltou mais alto, mais forte e bateu Diogo Costa. Preocupante, na perspetiva azul e branca.  

A meio do primeiro tempo, no arranque de uma nova era, de um novo ciclo, de uma nova dinastia, o FC Porto exibia fragilidades constrangedoras e perdia por 3-0. Inacreditável, de facto, embora real. E Danny Namaso até teve a oportunidade de marcar primeiro, não fosse o chapéu a Kovacevic ter saído de abas demasiado largas.

Por essa altura, naturalmente, o mundo azul e branco já questionaria as ausências dos consagrados Evanilson, Pepê, Wendell e Francisco Conceição, embora este último tivesse sido excluído devido a um problema muscular no glúteo esquerdo. 

Perante um cenário de pesadelo, de apocalipse, o que faria Vítor Bruno? 

@Catarina Morais / Kapta +

O Paraíso portista, o Renascimento

O pensamento do dragão mudou. Transitou do medo das trevas, da escuridão, encontrou um fio de racionalidade e de auto-valorização. Passou do negrume do desconhecimento, do desnorte tático, para a crença no indivíduo. E daí para a disseminação por todas as artérias, veias, e canais comunicantes.  

A insegurança deu vez a essa mudança de paradigma no momento em que Galeno beneficiou de um erro grotesco de Debast e reduziu para 3-1, ainda antes do intervalo. Essa pequena boa notícia germinou a sensação de revolta no corpo azul e a revolta passou a golpe de estado ao minuto 63. 

Vítor Bruno resistiu à tentação (básica, diga-se) de juntar dois pontas-de-lança e fez o que mais a equipa pedia: retirou-lhe a apatia de Marko Grujic e a instabilidade de João Mário, ofereceu-lhe a irreverência de Iván Jaime e a inteligência de Stephen Eustaquio. 

Em três minutos, o FC Porto fez dois golos (Nico González e Galeno), chegou ao empate e o estádio pressentiu o que se seguiria. Sim, havia mais Porto guardado para o prolongamento, com Rúben Amorim e o mundo leonino já de mãos na cinta e sem saber o que raio significava o Renascimento. 

@Catarina Morais / Kapta +

Iván e o terrível Kovacevic

De pernas cansadas e os músculos de pré-época, o prolongamento teve de ser resolvido pelo génio. No caso, o génio de Iván Jaime, tão desaproveitado na campanha precedente. Após mérito enorme de Vasco Sousa - atenção a este menino! -, o espanhol arriscou o remate, a bola bateu num leão e Kovacevic... não reagiu. Um erro, outro mais. E grave. 

O Sporting viu-se num mundo paralelo, a ter de lidar com um choque de realidade. Passou de um 3-0 autoritário e a cheirar a goleada, para um 3-4 de consequências... imprevisíveis, apesar, claro, de incomodar aqui e ali a baliza de Diogo Costa, principalmente sempre que a bola entrava nos alas Quenda e Catamo - o maior problema do FC Porto no primeiro tempo. 

Nada feito. A Supertaça volta a ser azul e branca e volta a dar ao dragão uma história daquelas para contar serenamente à lareira. 

De 3-0 para 3-4. Coisa nunca antes vista. Uma entrada gloriosa de André Villas-Boas, Vítor Bruno e restante universo do FC Porto. Para mais tarde recordar: Aveiro, 3 de agosto de 2024. 

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