Pedro Moreira e a saída do Casa Pia «Noite em Alvalade foi a pior da minha carreira»

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O nosso convidado já fez Portugal de Norte a Sul enquanto treinador, esteve nove anos como adjunto de Paulo Fonseca e aventurou-se, recentemente, numa carreira a solo que já conta com passagens por Torreense e, mais recentemente, Casa Pia.

Depois de ter integrado a equipa técnica de Paulo Fonseca durante nove temporadas, Pedro Moreira lançou-se a solo em 2022, com uma entrada de sucesso no Torreense. Do segundo ao primeiro escalão a subida foi rápida e, em novembro de 2023, assumiu o comando do Casa Pia AC, mas a experiência durou apenas cerca de dois meses e meio. Em busca de um novo projeto, o técnico de 49 anos é convidado do zerozero.

A segunda parte da entrevista será publicada ainda esta terça-feira

zerozero: Mister, bem-vindo.

Pedro Moreira: Muito obrigado, boa tarde.

ZZ: Começávamos, precisamente, pela memória que está mais fresca, o Casa Pia. Deixa o clube em fevereiro, depois de um jogo em Vila do Conde. Nessa altura, tinha ideia de que podia ter sido o último?

PM: Tinha essa possibilidade, porque vínhamos de uma sequência de cinco jogos sem conseguir ganhar e era uma possibilidade. Na altura em que entrámos, que fomos convidados para entrar no clube, vínhamos de um bom trabalho no Torreense. Uma das conversas que tivemos, naquela altura, tinha a ver um bocadinho com a alteração do paradigma do que estava a ser feito no clube, na forma de jogar, mas temos que associar isso a resultados.

Conseguimos mudar alguns pontos, mas nessa fase da época estávamos ali numa sequência de jogos sem ganhar. Acho que até tivemos um jogo capaz, esse jogo em Vila do Conde até foi um jogo capaz, depois de um jogo com o Boavista que não tinha sido tão bom quanto isso. Havia essa possibilidade. A nossa vida enquanto treinadores depende de resultados e havia a possibilidade.

ZZ: O arranque no Casa Pia é bastante prometedor. Nos primeiros cinco jogos, vence três, perde com FC Porto e SC Braga. Portanto, nada fazia prever aquele momento menos positivo. Onde é que sente que há o ponto de viragem? O jogo em Alvalade, aqueles fatídicos 8-0 em Alvalade?

PM: Há um balanço que se pode fazer em relação a essas questões. Atenção que, durante o período em que estivemos no clube, tivemos seis derrotas. Dessas seis derrotas, três jogos foram contra grandes, que são jogos mais complicados. Fomos competitivos e consistentes, exceto nesse jogo. Depois tivemos dois jogos em casa, que penso terem sido os jogos-chave, até porque já tínhamos alterado ali algumas questões associadas ao sistema tático.

Estamos a falar de uma equipa que tinha jogado, ao longo dos últimos anos, numa organização muito mais baseada no momento defensivo do que em situações associadas à posse. Portanto, procurei mudar algumas questões que estavam associadas ao clube. Volto a dizer: é importante fazer as alterações de forma consistente. Fizemos jogos capazes e bem conseguidos, mas o que ia dizer é que perdemos dois jogos em casa, com o Farense e o FC Famalicão.

Foram jogos importantes e onde se perdeu alguma confiança, associado depois a esse jogo em Alvalade que fez a equipa abanar um bocadinho em termos anímicos. O que podemos referenciar também é que mesmo essas vitórias que tivemos foram vitórias importantes para o desempenho da equipa durante a época e um resultado final que todos nós esperávamos, que a equipa fosse capaz de alcançar com maior ou menor dificuldade.

ZZ: Falou de uma questão interessante: o Casa Pia era uma equipa que tinha estado nos últimos quatro anos com Filipe Martins, tinha uma identidade muito própria, muito vincada. Sentiu também alguma resistência acrescida para mudar alguns aspetos? Até porque entra já a meio da temporada, há sempre a questão de não ser o plantel com o dedo do treinador e ter de trabalhar com o que tem.

PM: No Torreense já passámos por essa questão também, mas houve uma capacidade de alterar resultados também com mais tempo. Nesta situação específica, há que concretizar que era um plantel construído para uma ideia de jogo, com bastante mais centrais do que o normal. Há algumas componentes que são importantes. Até a forma de pensar o jogo era diferente.

E o conforto, também temos que dar ideia. Não ter uma pré-época, ter que mudar durante o período competitivo… Se associarmos isso a resultados positivos, ótimo. Se tivermos um revés ou outro, às vezes podem colocar-se em causa algumas das coisas que estamos a tentar implementar.

Não foi assim muito tempo, mas também acho que a equipa foi capaz de fazer jogos muito capazes. Tivemos uma boa vitória em Chaves, com enorme capacidade e imensa qualidade de jogo. A mesma coisa em Moreira de Cónegos, a equipa do Moreirense não perdia desde setembro e nós fomos lá, penso que em janeiro, ganhar um jogo onde nem os grandes conseguiram ter um resultado como nós alcançámos, com uma equipa com imensa qualidade. Fazendo a soma, foram seis derrotas num percurso de dois meses e meio, três meses em que acho que, mesmo assim, ajudámos a equipa a atingir objetivos finais que foram consolidados.

@Rogério Ferreira / Kapta+

ZZ: Como disse, foram dois meses, dois meses e meio e o arranque foi bom. Sente que foi, se calhar, um bocadinho vítima do tempo? É natural haver uma má fase durante a época, mas sente que foi vítima do tempo no sentido em que essa fase surge numa altura em que os pontos são preciosos e se começa a entrar naquela reta onde qualquer ponto é importante. Sente que jogou contra si?

PM: Fala-se muito em resultados, estratégia, preparação do jogo para um objetivo. Eu acho que nós, enquanto treinadores, também temos de pensar de que forma vamos ganhar e como é que vamos estar mais perto de poder ganhar. Essa era a ideia que estava a tentar incutir nos jogadores e trabalhar com eles. Há momentos em que tentámos fazê-lo. Por exemplo, esse jogo do Farense, estamos a falar de um jogo em que sofremos quatro remates à baliza e três golos. Às vezes é complicado. Fizemos uma série de remates e não fomos eficazes durante esse jogo. Depois, essa derrota em Alvalade… Animicamente foi muito difícil, modificou ali algumas questões. Aprendemos muito, eu pessoalmente enquanto treinador e a minha equipa técnica…

ZZ: Foi a pior noite da sua carreira?

PM: Foi, foi claramente. Há que assumir isso. Ao mesmo tempo, fez-me crescer imenso enquanto treinador. Sei de que maneira é que as coisas aconteceram, o que é que levou também àquilo. Estamos a falar de um jogo em que o Sporting, em 11 remates à baliza, fez oito golos. Também há ali um certo patamar de eficácia que não é muito normal, mas são estes pontos que nos fazem crescer. Foi pesado, mas estou muito mais rico como treinador agora do que antes desse jogo. 

ZZ: Ainda antes de chegar, não sabemos se acaba por ter algum peso na forma como as coisas correram, mas há um alegado episódio com o Vasco Fernandes e com o antigo treinador. O Vasco acaba por deixar a equipa, depois o mister também tem ali uma situação com o Fernando Andrade. Isto não ajudou a dar a estabilidade que o clube precisava? 

qEu acho que nós, enquanto treinadores, também temos de pensar de que forma vamos ganhar e como é que vamos estar mais perto de poder ganhar

Pedro Moreira

PM: Quando entrei no clube, a questão do Vasco estava a acontecer. O que perguntei foi se era um ativo ou não. O Vasco foi considerado um ativo e eu englobei-o no plantel de forma normal, porque eu era o elemento novo no processo. Durante o mês de janeiro, durante o período de transferências, foi o próprio Vasco que pediu para sair e a saída dele deveu-se, essencialmente, a isso. Foi um jogador muito importante, ajudou imenso o clube a chegar ao patamar onde está neste momento, quer na subida da II Liga quer na estabilidade que o clube tem tido nos últimos tempos. 

O episódio do Fernando tem a ver com um comportamento de um jogador durante o processo de treino. Não teve nada a ver comigo em especial, teve a ver com uma opção técnico-tática que ele não concordou e saiu do treino. Não foi indisciplina, não foi nada. Foi um comportamento que ele teve. Naquela altura, se calhar, pensou mais em termos individuais do que coletivos e foi assim que aconteceu.

ZZ: Se calhar colocar as coisas nestes termos é um bocadinho redutor, mas acaba por ser uma coincidência, algo infeliz se calhar, que desde que o Vasco Fernandes deixa o clube, o Casa Pia não volta a vencer até à sua saída. De alguma forma sentiu que pode ter faltado a voz de comando que o Vasco também conferia à equipa?

PM: Nunca pensei nisso nesses termos. Sei que, em termos de trabalho, os jogadores foram sempre aplicados. Como estava a dizer, o jogo de Alvalade pesou um bocadinho animicamente, mas nos dois jogos anteriores, mesmo perdendo o jogo, a equipa foi muito consistente, jogou com princípios muito interessantes, com capacidade, criou algumas oportunidades. Não fomos eficazes, é uma realidade.

O que senti também enquanto treinador, posso passar esta mensagem, é que depois de um resultado pesado há ali um foco grande em dar estabilidade à equipa, dar equilíbrio, consistência, muito mais até baseado em não sofrer golos do que em jogar para ganhar e esse, por exemplo, é um pormenor em que eu…

ZZ: Recuperar a confiança aos poucos.

PM: É isso mesmo. Até é um pormenor em que acho que cresci também. Deixei o jogo do Boavista rolar depois de falhar duas oportunidades claras de golo, uma delas até foi escandalosa, não tínhamos ninguém na baliza. Foi um comportamento individual que não foi capaz de executar, foi pena. Mas ficámos ali à espera que o jogo desenrolasse. Não sofremos lances de perigo praticamente. Foi um jogo feio, foi um jogo em que não me revejo minimamente enquanto treinador e que criticava muito as equipas que jogavam daquela forma. Mas, às vezes, jogar no ponto e na consistência, no equilíbrio, também nos leva a isso. Foi isso que aconteceu nesse jogo ou nesse pós-jogo de Alvalade.

@Rogério Ferreira / Kapta+

ZZ: Antes do Casa Pia, tem a primeira experiência como treinador principal no Torreense, depois de ter estado um ano parado, por assim dizer. Deixou a equipa técnica de Paulo Fonseca e depois entra no Torreense, em último lugar ao fim de sete jornadas, com quatro pontos. Faz uma grande recuperação, mas tendo em conta que era o primeiro projeto que ia ter a solo, a situação do clube na altura que não tinha tido o melhor dos arranques… Foi um risco?

PM: Foi um risco. Atenção que há aqui várias coisas. Antes de mais, sem deixar escapar estas questões associadas ao Casa Pia, queria dar uma palavra de apreço também ao facto de me terem dado a oportunidade, em especial ao diretor desportivo, que na altura era o Diogo Boa Alma. Foi uma pessoa que fez força também para eu integrar este projeto. Mas, essencialmente, agradecer ao clube a oportunidade que me deu de me estrear na I Liga enquanto treinador principal. E dar o mesmo relevo a essa equipa do Torreense. Mesmo numa fase difícil, apostar em alguém que ainda não tinha dado provas, que ainda não tinha mostrado trabalho… Há que dar ênfase também à capacidade que eles tiveram. Foi um momento de risco, um momento difícil no último lugar, mas tiveram essa capacidade. Acho que respondemos de forma capaz a esse repto. 

q[O Torreense] Foi um momento de risco. Acho que respondemos de forma capaz a esse repto

Pedro Moreira

Quando me disse que estive parado um ano, aproveito também para agarrar: foi o tal ano de preparação. Primeiro, aquela indefinição após sair de um grupo de trabalho tão forte como era a equipa técnica do Paulo Fonseca, o que é que eu iria fazer. Havia a vontade de poder seguir como treinador principal, mas ao mesmo tempo também poder manter-me num patamar elevado, como estivemos nestes últimos anos, e continuar como adjunto. Houve essas possibilidades, mas se calhar agradou-me muito mais a possibilidade de começar a solo.

As oportunidades não foram muitas e aceitei essa com imenso gosto. Apesar da dificuldade, houve uma crença grande nas pessoas, no projeto, no clube, que era familiar. Um clube onde comecei também no futebol profissional como era o Paços de Ferreira, portanto a base de trabalho também veio daí. E conseguimos. Foi uma equipa que era avaliada muito pela qualidade de jogo, com registos defensivos de excelência para um grupo como aquele, baseado em jogadores que vinham da Liga 3. Mostraram uma consistência enorme. Havia uma relação próxima entre jogadores já feitos e jogadores jovens, uma mescla muito interessante. Acho que todos saíram valorizados: o próprio clube, os ativos do clube, que muitos deles conseguiram melhorar a sua carreira, e nós enquanto equipa técnica também o conseguimos.

ZZ: Depois da sua chegada, o Torreense faz 40 pontos em 81 possíveis. Estava em último lugar e acaba tranquilo no nono lugar. O trabalho é positivo, mas não continua para a época seguinte. Não esteve sequer em equação? Quem vê de fora, vê os resultados e pensa que correu bem e fará sentido a continuidade, mas não aconteceu.

PM: Houve essa possibilidade. Também havia a possibilidade de outros projetos, mas nós conversámos sobre o assunto. Houve questões em que achei que o clube tinha de crescer, outras em que o clube também não esteve de acordo com os timings que eu pretendia. Foi só por isso. Há que referir que ficou uma relação muito próxima com o clube. Há um gosto muito grande por um clube que foi muito importante para mim. Temos até aqui as camisolas de onde eu acabei como adjunto e onde comecei como treinador principal. São símbolos importantes na minha carreira e no meu crescimento, para além de tudo aquilo que fiz para chegar até este patamar. Não chegámos a acordo. No futebol há várias componentes que levam até ao objetivo final. Nesta situação foi o que aconteceu, não houve uma conjugação no timing certo para que as coisas corressem assim.

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