A terceira parte da conversa com Pepa vai ter a Belo Horizonte e à «forte ligação» criada entre o treinador e o planeta-Cruzeiro. Seis meses de emoções fortes, resultados convincentes e uma queda no final, mais de números do que qualidade. A partir do Catar, Pepa assume a «frustração» pela interrupção desse projeto em Minas Gerais. Com reflexões sentidas à mistura.
Pode ler a primeira parte da grande entrevista AQUI: «Quem não tem jogo de cintura, aguenta duas semanas no Catar»
E AQUI a segunda parte: «O Julian Draxler está uma máquina, fomos conquistando-o aos poucos» [NOTA: a grande entrevista a Pepa será publicada em quatro partes diferentes, entre quarta e quinta-feira] zerozero – A sua saída do Cruzeiro foi surpreendente, pelo menos vista a partir de Portugal. Foi o treinador do clube em 2023 com melhor média. Há tristeza, frustração? Pepa - Fiquei magoado, fiquei frustrado. Acima de tudo porque, quando me venderam o projeto, senti-me mesmo esmiuçado, analisado. Entrevistas atrás de entrevistas. Pensei: 'Se eu for o escolhido, vou ter respaldo, sou mesmo desejado'. Vou trabalhar à vontade, talvez ficar ali dois, três anos. Não é à toa que os meus segundos anos são sempre melhores do que os primeiros. É deixar a casa preparada, o clube, deixá-lo melhor do que quando cheguei. Trabalho sustentado. Tive essa esperança no Cruzeiro. Por isso a tal mágoa. Nós passamos por uma fase de resultados não tão bons, mas não de más exibições. Ao primeiro desaire a sério, porque 3-0 (contra o Grêmio) é um desaire, não houve a força ou a coragem de segurar-me, numa altura em que era para me segurar. Perdemos com o Palmeiras aos 90+8. Estávamos a ganhar ao Corinthians e eles empataram depois da hora. Contra o Botafogo, eles não nos fizeram um remate à baliza e ficou 0-0. É futebol. zz – Esperava outro apoio por parte da direção. qSó vejo coisas positivas depois desse primeiro 'choque' no Brasil. Costumo dizer que burro é o animal que nasce burro e morre burro. Eu, felizmente, não sou burro. Alguns erros que foram cometidos são momentos de aprendizagem Pepa, treinador do Cruzeiro zz – O Pepa falou muito da qualificação para a Taça Sul-Americana. A verdade é que o Cruzeiro acabou o ano e conseguiu atingir esse objetivo. P - Eu internamente até queria a Libertadores. Mas é preciso ter noção do que é exequível, passo a passo. Um dos temas que abordei na despedida foi justamente esse. Disse-lhes [aos jogadores] que já não seria comigo, mas que eles iriam conseguir a classificação para um torneio internacional. Nunca tive dúvida nenhuma disso, não é hipocrisia nem nada, é convicção mesmo. Era a melhor defesa do campeonato. Uma equipa com a melhor defesa diz muito sobre ela. Isso e muitas outras coisas encheram-me de orgulho. @Cruzeiro P - As pessoas ficam surpresas com a minha resposta. Eu digo: 'Foi top'. Eu gostei muito. 'Mas e a pressão e a imprensa que é muito agressiva'? Na boa, eles estão a fazer o trabalho deles. Nós também temos boca para nos defendermos. Pressão de quê? Ainda bem que eu fui ao Brasil, que fui a um Cruzeiro, que passei por aquilo. Campeonato fantástico, condições fantásticas, jogadores fantásticos. É surreal [o apoio da torcida]. Era praticamente impossível sair à rua sem ser abordado. Sempre me senti acarinhado, apoiado. Nunca senti uma coisa dessas noutro lado. zz – Se voltar ao Brasil voltará como um treinador diferente, já preparado para as características do campeonato? P - Diferente... só se fosse para melhor. Já vivenciei o Brasil. Sei o que é o jogador brasileiro, um grupo de trabalho. Só tinha a melhorar. Só vejo coisas positivas depois desse primeiro 'choque'. Costumo dizer que burro é o animal que nasce burro e morre burro. Eu, felizmente, não sou burro. Alguns erros que foram cometidos são momentos de aprendizagem. Não tenho dúvidas de que se voltasse ao Brasil iria ser melhor. É o conhecimento mais profundo das equipas, dos jogadores e da cultura. O Brasil também tem o seu contexto.A vista sobre o azul do Golfo Pérsico é idílica. Pedro Miguel Marques da Costa Filipe, apenas Pepa, abre a janela ao zerozero e exibe o paraíso esculpido pelo Homem em Doha. A capital do Catar junta um mar manso a edificações exóticas, de abrir a boca de espanto. Modernidade oriental, sim, mas a piscar o olho ao mundo do oeste. Aos 43 anos, o treinador do Al Ahli é um homem de ideias fortes, convicções inegociáveis, mas está consciente do contexto diferente onde agora se movimenta. Fala, por isso, em «paciência e evolução», palavras confirmadas pela evidente melhoria da equipa na liga catari.