Pepe pendurou as botas: recorde a sua carreira

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Pepe é tenacidade em forma de pessoa. De um início humilde, na carreira e na vida, o defesa central construiu uma carreira de topo. Pelo caminho, a conduta excessivamente competitiva levou-o a quebrar a algumas regras e a ganhar uma reputação que por vezes ofusca a capacidade futebolística, mas que não apaga a qualidade de um defesa que ficará na história do FC Porto e da seleção nacional.

Entre a precisão cirúrgica, digna dos cientistas que lhe deram o nome, e a monstruosidade que mundo ainda lhe atribui, Pepe destacou-se como um dos melhores na sua posição e afirmou-se também como um dos mais notáveis exemplos de longevidade no futebol. Esta é a sua história.

Defender é como uma ciência

Ter um filho futebolista seria um sonho tornado realidade para a maioria dos pais do mundo ocidental, mas não era bem esse o plano de Anael Ferreira, que chamou ao seu filho de Képler Laveran, em honra de Johannes Kepler, um astrónomo alemão, e Charles Laveran, físico francês.

Caso não seja desde logo evidente, o desejo era vê-lo crescer e tornar-se num cientista. À medida que os anos passaram, tornou-se claro que a única ciência que o seu filho dominaria seria a de como bem defender. É essa a sua essência.

Mais de 140 internacionalizações por Portugal @Carlos Alberto Costa

Talvez por ser um nome complicado, do tipo que suscita repetitivas questões, o pai não demorou a encontrar conforto em «Pepe», alcunha de José Macía, o seu ídolo futebolístico. Assim, pai e filho já falavam a mesma língua. Afinal, trata-se de um atleta de topo, e por isso não surpreende que Pepe tenha tido bem mais sucesso do que Képler.

Foi sob esse nome, bem mais simples, que o defesa central conseguiu um bilhete para a Europa. A história é célebre: o Marítimo foi ao Brasil para assistir a um ponta de lança em que estava interessado. Pepe era o adversário e foi-lhe pedido pelo presidente insular que desse espaço ao adversário... Não deu espaço nenhum e acabou por ser ele no avião para Portugal.

Assim, deixou o Corinthians Alagoano e rumou à Madeira. Começou pela equipa B do Marítimo, mas lutou pelo seu espaço e conseguiu virar figura dos verde-rubros, chegando a ser convidado a treinar no Sporting durante duas semanas. Não houve acordo entre as duas equipas, pelo que Pepe regressou ao Marítimo para um último ano.

Pepe num dia em que bisou frente ao Rangers @Getty /

Assumiu-se ainda mais como figura de uma equipa que terminou a Liga em sexto lugar e foi nessa altura que, a troco de dois milhões de euros, assinou por um FC Porto que acabava de se sagrar campeão europeu.

Começou por ser uma opção de rotação, atrás de nomes como Jorge Costa, Pedro Emanuel e Ricardo Costa, mas na sua segunda temporada de azul e branco, já sob o comando de Co Adriaanse, Pepe assumiu-se como um dos melhores defesas do futebol português. Foi bicampeão em apenas dois anos como titular, pelo que se seguiu o passo para uma das melhores equipas da história do desporto: Real Madrid, a troco de 30 milhões de euros.

O lado mais monstruoso de Pepe

Campanhas fenomenais ao serviço do FC Porto e da seleção nacional fazem com que Pepe seja considerado por muitos o melhor defesa da história do futebol português. Disputa essa distinção apenas com Ricardo Carvalho e, talvez, Humberto Coelho.

Seria então de esperar que o resto do mundo também o colocasse nesse pedestal... mas não. A nível internacional, a reputação de Pepe ficou irrevogavelmente manchada no dia 21 de abril de 2009, quando, num jogo de campeonato frente ao Getafe, o defesa central protagonizou um momento de fúria bárbara.

Na final da Liga dos Campeões de 2016 @Getty / Matthias Hangst

Começou com uma simulação de Javier Casquero, à qual Pepe reagiu de uma forma que o vilanizou de forma permanente: um pontapé na perna, outro nas costas, um pisão no tornozelo e ainda um soco noutro adversário. Um momento bizarro que lhe valeu - além do indiscutível cartão vermelho - uma suspensão de 10 dias.

E sabemos que esse, mesmo sendo o mais grave, não foi o único incidente. O livro de momentos menos felizes deste jogador contém também um pisar acidental da mão de Messi, um soco a Arbeloa (que, saliente-se, era um colega de equipa), ou qualquer uma das quase 20 vezes em que viu o cartão vermelho, como, por exemplo, a agressão a Müller na estreia lusa no Mundial de 2014. 

qPerdi o controlo. Já vi a repetição e não me reconheço.

Momentos como esse levaram a que Pepe fosse apelidado de «assassino» por parte de adeptos adversários durante o resto da sua estadia no futebol espanhol

O rótulo que nunca descolou, mas contrasta com a personalidade e conduta que leva fora das quatro linhas. 

Longe da competitividade do futebol profissional, Pepe, enquanto homem, é uma pessoa amigável e serena. Essa é a imagem que transparece das suas aparições públicas, mas também do relato de todos os seus companheiros ao longo dos anos. A reação fria ao tal incidente de 2009, também prova isso. «Perdi o controlo, já vi a repetição e não me reconheço. Não há palavras para descrever como me sinto», disse.

Madrid, Istambul e um regresso ao Porto

Teve sucesso em Madrid @Getty / Laurence Griffiths

Esses momentos de conduta questionável não impediram Pepe de se tornar um ídolo merengue. Afinal, quando chegou a Madrid o clube era visto quase como um cemitério para defesas centrais, que se viam expostos por uma filosofia excessivamente ofensiva de contratação de galáticos, de maneira que não demorou a ganhar adeptos pela forma como corrigiu os inúmeros problemas defensivos do Real Madrid.

Assumiu a titularidade em novembro, depois de recuperar de uma lesão. Em dezembro, foi considerado o homem do jogo numa vitória por 0-1 no Camp Nou, casa do Barcelona. Em maio, celebrou a conquista da Liga Espanhola, que abriria a porta do segundo troféu: a Supercopa.

Tinha um dos vencimentos mais baixos do plantel, mas isso não o impedia de manter um papel de relevo na equipa. Jogou ao lado de Cannavaro, de Ricardo Carvalho e outros, antes da adaptação de Sergio Ramos a central criar uma das duplas mais temíveis de sempre. Foi nesse contexto que chegaram mais duas La Ligas, duas Copas del Rey, uma Supertaça Europeia, dois Mundiais de Clubes e, por fim, as orelhudas. Três Ligas dos Campeões, em 2014, 2016 e 2017.

Em 2017, Pepe assinou um contrato de dois anos com o Besiktas. Tinha então 34 anos, pelo que essa opção parecia ser o início do fim de uma bela carreira. Pelo contrário...

17 golos em 290 jogos pelo FC Porto @Catarina Morais / Kapta +

Depois de um ano e meio numa equipa profundamente disfuncional, o central que levava um notável registo de cinco golos em 17 jogos rescindiu e regressou ao FC Porto. O contrato era de dois anos e meio, mas a estadia foi de mais cinco anos e meio como capitão e líder!

Somou mais dois títulos de campeão nacional, mais quatro Taças, duas Supertaças, uma Taça da Liga... Enfim. O que para muitos seria um auge espetacular foi, para Pepe, uma bonita e demorada despedida, entre os 35 e os 41 anos de idade

No fim, começava a parecer ficção, especialmente com os recordes a acumularem-se. Até na Liga dos Campeões ficou com o registo de jogador mais velho de sempre, tanto a jogar como a marcar. Nem as exibições nem o estilo de jogo coincidiam com um quarentão

Pepe levanta a Taça de Portugal @Kapta+

O português de Maceió

A lista de jogadores naturalizados que vestiram as cores da seleção portuguesa é extensa, mas nenhum dos nomes é mais relevante que o de Pepe

Fez parte da glória de 2016 @Global Imagens / Gerardo Santos

Natural de Maceió, no Brasil, Pepe rejeitou um convite de Dunga para representar a canarinha pelo simples motivo de já ter iniciado o processo de obtenção da cidadania lusa. Estava decidido a representar as quinas. A naturalização consumou-se em agosto de 2007 e em novembro desse mesmo ano, quando o defesa central já tinha 24 anos e representava o Real Madrid, estreou-se num 0-0 frente à Finlândia no Estádio do Dragão. Teve um golo anulado nesse primeiro jogo.

Estreou-se a marcar por Portugal no que foi o seu primeiro jogo em fases finais - 2-0 à Turquia. Esse foi um início que, embora tardio, foi condizente com a carreira internacional de um jogador que acabou por jogar cinco Campeonatos da Europa, quatro Mundiais e uma Taça das Confederações, sempre como titular.

De todas essas participações destaca-se, naturalmente, aquela que terminou com o primeiro troféu da história da seleção nacional: o Euro 2016. Entre os múltiplos empates, as traças, a lesão de CR7 e o golo de Éder, há muitas memórias que ficam, mas uma das que ninguém apagará é a contribuição de Pepe. O central foi um dos destaques da competição e foi até eleito homem do jogo na histórica final!

Jogou até para lá dos 40... @FPF/Diogo Pinto

Além desse momento de glória, Pepe ficará na história também pela sua longevidade. No Euro 2020 foi o mais velho jogador de campo, no Mundial de 2022 tornou-se no jogador mais velho de sempre a marcar num jogo a eliminar e em 2024, já com 41 anos, assumiu-se como o jogador mais velho de toda a história dos Europeus.

A forma como chegou ao Euro 2024, a sua despedida do futebol, diz tudo acerca do profissional que é. Não jogava pelo FC Porto há quase dois meses devido a lesão, mas foi convocado, titular, e melhor em campo no segundo jogo da fase de grupos (3-0 à Turquia). 

Apesar de ter sido um dos melhores dessa edição por parte de Portugal, o central não impediu a queda de Portugal nos quartos de final, frente à França (0-0), nas grandes penalidades. A emoção no seu rosto no final do jogo era evidente e, um mês depois, surgiu a confirmação de que esse foi o seu último jogo da carreira. Era o adeus dos relvados de um monstro da defesa.

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