Por um Plano Estratégico para a Indústria Farmacêutica

9 meses atrás 76

Portugal conta com diversos programas de apoio e de financiamento dirigidos às empresas, como é o caso do atual Portugal 2030, muito assente na promoção da inovação produtiva ou da Inovação e Desenvolvimento Tecnológico, mas nenhum é dirigido especificamente para a Indústria Farmacêutica (IF), um setor estratégico com enorme potencial e que, por isso, não pode ser descurado, se queremos atrair investimento e gerar riqueza para o país.

Ainda que em 2002 o então governo tenha reconhecido o carácter estratégico da IF no desenvolvimento económico do país, a verdade é que não encontro, ao longo destes anos, uma tradução desse reconhecimento numa razoável adequação entre objetivos, políticas e recursos. Enfim, não há foco.

Vejamos o que se passa com a nossa vizinha Espanha. O governo espanhol, pelo caráter estratégico do setor, definiu a IF como um dos pilares do Plano de Recuperação, Transformação e Resiliência, aprovado em maio de 2021, com o compromisso de desenvolver um Plano Estratégico para a Indústria Farmacêutica. Isto não aconteceu em Portugal.

A IF é um dos setores mais importantes da economia espanhola. Em 2022, as exportações ultrapassaram os 28 mil milhões de euros. As exportações deste setor em Portugal ultrapassam os 2 mil milhões de euros: ou seja, 14 vezes menos.

Julgo, porém, que a definição da IF setor como estratégico fez todo o sentido e os factos falam por si. A IF é um motor de crescimento global do PIB, crescendo mais rapidamente do que outros setores da economia. Tem um valor acrescentado por trabalhador mais elevado do que o automóvel ou o aeroespacial e gera emprego mais qualificado do que indústrias como a eletrónica ou de sistemas informáticos.

O que não faz sentido é que esse reconhecimento não se traduza em medidas de natureza política e económica. Pensamento estratégico significa fazer escolhas, definir prioridades, e a primeira condição para ser alguma coisa é não querer ser tudo em simultâneo. Perdemos uma grande oportunidade com o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). O plano congénere espanhol, para além de Recuperação e Resiliência, incluiu o termo Transformação. Talvez seja isso que falta em Portugal, a identificação do potencial de transformação que o setor farmacêutico pode introduzir na economia nacional.

Como se pode incentivar a indústria de base produtiva nacional? Assumindo-se a IF como sendo efetivamente estratégica, necessitamos, desde logo, de um Plano Estratégico para a Indústria Farmacêutica.

A pandemia e guerra na Ucrânia mostraram fragilidades da União Europeia. Mas este não é um dado recente no nosso país. A produção industrial portuguesa tem perdido relevância nas últimas décadas: em 1980 representava 27% do PIB e no primeiro trimestre de 2022 o VAB da indústria representava 12% do PIB. Esta percentagem está abaixo da média da UE (15%) e abaixo de países como a Lituânia (16%), Hungria (17%) e Roménia (17%), segundo dados do Banco Mundial.

Hoje todos reconhecem a necessidade de reindustrializar. A questão é: qual o modelo e quais os setores? Não podemos andar de prioridade em prioridade sempre na procura do que não existe em Portugal.

É necessária uma definição clara das prioridades de investimento e incentivo ao crescimento económico, numa perspetiva estável e coerente. E aqui a indústria farmacêutica tem uma posição de elevado potencial. A IF tem um desempenho superior a outros setores da indústria transformadora em termos de produtividade. Com referi, tem um valor acrescentado por trabalhador mais elevado do que outras indústrias transformadoras.

Não significa isto uma aposta única na IF. Existem riscos de excessiva dependência de uma economia relativamente a uma empresa, ou a um setor, naquilo que normalmente se denomina como o “Nokia trap”. Muito se tem falado sobre este tema, até pela proximidade geográfica com a Finlândia, em função da relevância que setor farmacêutico tem, no momento, na Dinamarca – em 2022, dois terços do crescimento do PIB do país foram provenientes da IF. Se esta concentração é um risco, também demonstra a capacidade de impulsionar a economia que a IF revela.

Na sequência da Estratégia Farmacêutica para a Europa adotada pela Comissão Europeia, em novembro 2020, as empresas portuguesas, a academia e o governo, deverão assim definir uma Estratégia Nacional para a Indústria Farmacêutica.

Este plano deverá abandonar a visão redutora centrada no custo, evoluindo para um modelo focado nas pessoas, na sociedade e na economia. Com base neste plano devemos definir quais são as prioridades para investir, desenvolver e reforçar a infraestrutura industrial europeia nos domínios farmacêutico e biotecnológico.

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