Porque é que Carla Alves demitiu-se 26 horas depois de ser nomeada secretária de Estado?

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Explicador

06 jan, 2023 - 00:50 • Pedro Mesquita , João Malheiro

É a 11.ª demissão no Governo em menos de um ano de legislatura e mais um caso entre os "casinhos" que têm dado dores de cabeça a António Costa. Porque é que as contas de Carla Alves foram alvo de arresto? E o que é que levou à demissão da governante?

26 horas. Foi o tempo que foi preciso desde Carla Alves ter sido empossada como secretária de Estado da Agricultura para ter pedido a demissão.

É a 11.ª demissão no Governo em menos de um ano de legislatura e mais um caso entre os "casinhos" que têm dado dores de cabeça a António Costa.

Mas, afinal, porque é que a secretária de Estado da Agricultura demitiu-se?

O que é que está em causa?

O "Correio da Manhã" noticiou, esta quinta-feira, que Carla Alves tem as suas contas arrestadas, na sequência de um processo judicial que envolve o seu marido. E o seu marido é Américo Pereira, antigo presidente da Câmara Municipal de Vinhais, uma vila do distrito de Bragança.

Sabe-se que o Ministério Público pede o julgamento do ex-autarca por alegados crimes de corrupção ativa e prevaricação, relativa a um suposto esquema para a venda de terrenos do Seminário, em detrimento das finanças do município. Um esquema que terá ocorrido entre 2006 e 2015, segundo a acusação.

Com a sua atuação, diz o Ministério Publico, os arguidos terão obtido dividendos ilícitos que alegadamente ultrapassam um milhão de euros.

Porque é que as contas de Carla Alves foram alvo de arresto?

A Polícia Judiciária terá detetado um desfasamento entre os rendimentos declarados ao Estado e o extrato tanto de Carla Alves, como do marido e antigo autarca de Vinhais.

De acordo com o "Correio da Manhã", a Policia Judiciária terá alegadamente verificado que nova secretária de Estado - à época funcionária da Câmara - recebia mais rendimentos do que efetivamente declarava.

E é, até, apontado um exemplo concreto na acusação do Ministério Público: Entre julho e dezembro de 2013, terá havido vencimentos declarados pelo casal de cerca de 44 mil euros, mas nas contas bancárias que o casal partilhava foi, alegadamente, registada a entrada de 54 mil euros.

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A situação já decorre há quase 20 anos?

Segundo o Ministério Público, sim.

E esse desfasamento de verbas terá continuado a existir nos anos seguintes.

Por exemplo, já em 2020, Carla Alves e o marido terão, alegadamente, comunicado vencimentos da ordem dos 100 mil euros, com o extrato bancário a ultrapassar os 260 mil.

O Ministério Público exige que cerca de 700 mil euros sejam devolvidos ao Estado, caso não seja possível ao casal justificar a proveniência do dinheiro.

Como reagiu Carla Alves?

De viva voz a secretária de Estado nada disse, mas o Ministério da Agricultura, em nota enviada ao "Correio da Manhã", sublinha que agora a ex governante não é visada em qualquer processo-crime. Diz, também, que nenhum processo judicial relativo a Américo Pereira - o seu marido - sugere qualquer tipo de envolvimento de Carla Alves.

O ministério da Agricultura concluiu, por isso, que "não há qualquer questão que coloque em causa a sua nomeação" para o governo, numa altura em que a demissão ainda não tinha sido apresentada.

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O que disse António Costa?

Inicialmente, o primeiro-ministro, no Parlamento, procurou defender Carla Alves.

António Costa admitiu que o Governo confrontou a secretária de Estado demissionária acerca do caso em que está a ser investigada e que levou ao arresto das contas conjuntas com o marido.

“Vou demitir uma mulher porque o marido foi acusado? Qual é o caso da ética? É ser casada com alguém que foi acusado?”, questionou o primeiro-ministro em plenário no Parlamento, criticando o “populismo” do Bloco de Esquerda, depois de Catarina Martins ter classificado de “imprudente” a nomeação de uma governante “com tanto por explicar”, referindo que o PS “é o partido que mais alimenta a extrema direita com casos”.

Costa diz que o Ministério Público “já investigou tudo sobre o caso” e garante: “Quando for ferida a ética republicana, a secretária de Estado será demitida. Tal como se eu a ferir, eu próprio me demitirei. Se eu cometer um crime, sou eu o criminoso. Mais ninguém é responsável”, disse.

Marcelo pediu a demissão da secretária de Estado?

Não o pediu diretamente, mas terá proferido as palavras decisivas para esse desfecho.

Numa análise ao caso, já depois do primeiro-ministro ter falado no Parlamento, o Presidente da República considerou que Carla Alves tinha "uma limitação política" e era um "peso negativo" no Governo.

"Do ponto de vista do Direito, não é arguida, não é acusada. Não há, neste momento, nenhum caso de ilegalidade. O problema não é um problema nem jurídico nem ético. Não é um problema de legitimidade, é um ónus político", referiu aos jornalistas.

Em meno de uma hora, depois dessas declarações, Carla Alves apresentou demissão do cargo "por entender não dispor de condições políticas e pessoais para iniciar funçõe", referiu o Governo em nota.

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