Portugueses que votam no Reino Unido: "Estes cinco anos foram piores do que o que se esperava"

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Entre os 46 milhões de eleitores que vão a votos no Reino Unido nos dia 4 de Julho estão três portugueses com quem a Renascença falou antes das últimas eleições em 2019, quando se estrearam a votar nas legislativas.

Depois de cinco anos conturbados, continuam a querer a saída do Partido Conservador do poder e mostram-se preocupados com o estado da economia e - sempre ele - as consequências do Brexit.

O caos (de novo)

Nos anos que anteciparam as últimas eleições, o caos estava instalado no Reino Unido. Três eleições em quatro anos. Um governo incapaz de fazer aprovar um acordo para o Brexit. Nos anos que se seguiram, o caos não desapareceu.

Boris Johnson acabou por ganhar as eleições garantindo que ia resolver o Brexit. O Reino Unido saiu mesmo da União Europeia, mas com um acordo muito parecido a não ter acordo, que castigou os negócios pela falta de um acordo comercial. Um desfecho que tornou piores os efeitos da inflação e um Governo que somou escândalos durante a pandemia (e depois também). A Boris Johnson seguiram-se Liz Truss e Rishi Sunak.

Por tudo isto, Miguel Torres, que vive em Cambridge desde 2012, diz que os últimos cinco anos foram “ainda pior do que pensava”. Em parte por uma pandemia “que não se podia esperar”, mas também porque não se podia esperar “uma forma de lidar com a pandemia muito má do governo de Boris Johnson, desde os escândalos que aconteceram as taxas de mortalidade muito altas comparadas com outros países da Europa.”

Para Abel Oliveira, também no Reino Unido desde 2012, a qualidade de vida no Reino Unido baixou desde as últimas eleições com uma culpada bem conhecida: a inflação.

O aumento dos preços nos supermercados sentiu-se no bolso, o Banco de Inglaterra manteve as taxas de juro altas para tentar controlar a inflação e com isso “pôs pressão nas famílias, porque os salários não acompanharam a inflação e a carga das despesas nas famílias aumentou bastante”.

Miguel sentiu isso na pele quando, depois do conturbado e curto mandato de Liz Truss, “a inflação aumentou, as taxas de juros aumentaram imenso porque a economia reagiu muito mal às medidas que foram propostas. E isso acabou por ter um impacto na minha vida tendo em conta que comprei em casa em 2020 e antes de renovar o empréstimo (funciona de forma diferente de Portugal) Liz Truss passou no governo e acabei a pagar cerca de 200 libras mais por mês”.

Christina Branco chegou ao Reino Unido em 2018, e pode votar ao abrigo da Commonwealth por ter cidadania Canadiana. Concorda que a qualidade de vida está pior, mas que isso “não é um exclusivo do Reino Unido, houve inflação em quase todos os países europeus, o paradigma europeu mudou”.

O que torna o Reino Unido diferente é que “pelo caminho tivemos escândalos políticos, uma primeira ministra que durou 20 dias, muita coisa que se passou pelo meio”, explica.

Ainda o Brexit

Miguel Torres disse-nos em 2019 que tinha obtido dupla-nacionalidade britânica para poder votar “num futuro referendo para ficar na União Europeia".

Hoje, diz que o Brexit se tornou um assunto tabu na campanha, mas “é um elefante na sala” até por estar ligado também à inflação “pela fricção que há no comércio nas importações do União Europeia, e isso vem do Brexit". "Mas noto que tanto a esquerda como direita preferem não falar muito sobre isso”, acrescenta.

Abel diz que tendo dupla-nacionalidade o Brexit é um tema que ainda lhe “interessa bastante e vai pesar sempre na minha decisão sobre qual partido irei votar”.

Os grandes temas das eleições

As últimas eleições eram as eleições do Brexit, e por isso estavam “na cabeça de toda a gente”, dizia Christina em 2019. Mas falava também “anos de austeridade e o que isso tem feito ao Serviço Nacional de Saúde (NHS)”. Hoje diz que o NHS “está cada vez pior, as listas de espera aumentaram imenso”, um fenómeno agravado pela pandemia e pela incapacidade de reter staff médico.

O estado do NHS era um tema também destacado por Miguel Torres, para quem a ideia de tentar reverter o Brexit estava acima de tudo. Hoje, a União Europeia continua entre as suas preocupações mesmo que o “regresso seja um sonho demasiado afastado, mas pelo menos o reavivar das relações será importante”. A recuperação económica do país e as questões ambientais entram também na lista de assuntos aos quais está atento na hora de decidir.

Já Abel diz que mais do que as questões internas do Reino Unido, está “atento às políticas externas”, como na matéria do Brexit e as relações com a União Europeia ou da guerra na Ucrânia.

Para Christina há mais dois pontos que vão influenciar o voto no Reino Unido: “o comportamento dos deputados conservadores durante a pandemia” e a imigração porque “o Reino Unido aumentou imenso de população nos últimos anos, e o voto vai ser muito influenciado pela opinião das pessoas quanto á imigração”.

Em 2023 houve mais 685 mil pessoas a entrar no Reino Unido do que a sair. Antes da pandemia esses números andavam pelos 200 mil. Christina mostra-se preocupada com a habitação, mas não está convencida pelos projetos dos principais partidos que “apresentam ideias para incentivar a compra de primeiras casas, mas isso não vai tapar o buraco. Só vai aumentar o preço das casas, porque só vai aumentar a procura mas não a oferta”.

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A hora de votar

Na hora de votar é importante perceber como funciona o sistema eleitoral britânico. Recordamos por isso a explicação que Eunice Goes, professora de Política na Universidade de Richmond em Londres, nos deu em 2019: “Na realidade são 650 eleições que estão a decorrer. Cada círculo é um ato eleitoral onde os eleitores podem escolher um deputado e o que for mais votado não precisa de uma maioria, é ele que ganha o lugar”. Isso pode levar a que um partido tenha uma percentagem de votos considerável mas pouca expressão no número de deputados.

Em 2019 Abel Oliveira estava indeciso entre os trabalhistas e os liberais-democratas precisamente por causa do voto útil. Desde as últimas eleições, viu “um Partido Conservador mais preocupado em manter a sua imagem do que propriamente em arranjar soluções para problemas presentes na sociedade do Reino Unido”.

Desta vez vai votar “no menos suspeito de todos, o Partido Nacional Escocês (SNP) porque são os que dizem abertamente que querem trazer o Reino Unido novamente para a União Europeia”.

Christina Branco votou nos trabalhistas em 2019, não só porque concordava com o que leu no manifesto mas “porque o importante é mesmo tirar os Conservadores do poder”. É assim que vai voltar a votar, até porque no seu círculo eleitoral o “Labour está garantido”. Tem esperança de que Keir Starmer, o líder dos Trabalhistas, possa trazer mudança apesar de “ser um centrista”.

Miguel Torres diz que, comparado com os antecessores Boris Johnson e Liz Truss, Rishi Runak teve um mandato “mais cuidadoso, mas não o suficiente para que vote nele”. Há cinco anos votou trabalhista porque o deputado da sua zona estava a fazer “um bom trabalho” e um voto noutro partido seria um voto perdido.

Hoje não está decidido, “muito pela forma como os deputados são eleitos neste país”. É que a distribuição dos círculos eleitorais foi reformulada e com isso a casa de Miguel insere-se agora num círculo “mais rural, com grande impacto dos Conservadores. Então mais do que os próprios programas, estou a tentar entender se para que os conservadores não tenham aqui um deputado, devo votar nos Liberais-Democratas ou nos Trabalhistas, sabendo que poderia votar em qualquer um deles sem me arrepender muito”.

Une-os a vontade de mudar de governo e de deixar os 14 acidentados anos conservadores para trás. Tudo indica que é isso que vai acontecer e as últimas sondagens dão mais de 40% da intenção de voto aos Trabalhistas, que se podem traduzir num maioria larga com 400 deputados - bem acima dos 326 exigidos para ter maioria na Casa dos Comuns.

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