"A África do Sul esperava, na sua anterior comparência neste tribunal, pôr termo a este processo de genocídio, a fim de preservar a Palestina e o seu povo", declarou Vusimuzi Madonsela, o representante de Pretória, à mais alta instância judicial da ONU.
"Em vez disso, o genocídio de Israel prosseguiu a bom ritmo e acaba de atingir um novo e horrível nível", sublinhou Madonsela, referindo-se à ofensiva terrestre israelita à cidade de Rafah, no extremo sul da Faixa de Gaza, onde se encontravam refugiados cerca de 1,4 milhões de palestinianos obrigados a deslocar-se, muitos várias vezes, ao longo dos mais de sete meses de guerra de Israel contra o movimento islamita palestiniano Hamas.
A operação israelita em Rafah "é a última fase da destruição de Gaza e do seu povo palestiniano", afirmou Vaughan Lowe, um advogado da África do Sul.
Os advogados de Pretória, que apelam aos juízes para que ordenem um cessar-fogo em Gaza, deram início a dois dias de audiências no Palácio da Paz, sede do TIJ, em Haia, nos Países Baixos.
Israel, que rejeita as acusações sul-africanas, responder-lhes-á na sexta-feira, mas já anteriormente sublinhou o seu empenho "inabalável" na defesa do Direito Internacional e descreveu a queixa apresentada pela África do Sul como "totalmente infundada" e "moralmente repugnante".
Numa decisão em janeiro, o TIJ ordenou a Israel que fizesse tudo o que estivesse ao seu alcance para impedir qualquer ato de genocídio e permitir a entrada de ajuda humanitária na Faixa de Gaza.
Mas o tribunal não chegou ao ponto de ordenar um cessar-fogo, e agora a África do Sul considera que a evolução da situação no terreno - em particular, a ofensiva a Rafah - exige que o TIJ volte a pronunciar-se.
"Como demonstram as avassaladoras provas, a própria forma como Israel está a prosseguir as suas operações militares em Rafah e noutros pontos de Gaza é, em si mesma, genocida", afirmou Pretória no seu pedido, razão pela qual defendeu que "deve ser ordenado que cesse".
As ordens do TIJ, que resolve disputas entre Estados, são juridicamente vinculativas, mas o tribunal não tem meios para as fazer cumprir. Ordenou, por exemplo, em vão à Rússia que pusesse fim à sua invasão da Ucrânia, em curso desde fevereiro de 2022.
A África do Sul está a pedir ao TIJ três novas medidas urgentes, enquanto aguarda uma decisão sobre o mérito do caso: a acusação de que Israel está a violar a Convenção das Nações Unidas sobre o Genocídio, de 1948.
Em primeiro lugar, pretende que o tribunal ordene a Israel que "retire e cesse imediatamente a sua ofensiva militar" a Rafah.
Israel deve também adotar "todas as medidas eficazes" para permitir "o acesso sem obstáculos" à Faixa de Gaza de trabalhadores humanitários, jornalistas e investigadores.
Por último, Pretória pede ao TIJ que assegure que Israel apresentará relatórios sobre as medidas adotadas para cumprir as ordens judiciais.
Segundo a Agência da ONU para os Refugiados Palestinianos (UNRWA), "600.000 pessoas fugiram de Rafah desde a intensificação das operações militares".
"Como principal centro da ajuda humanitária a Gaza, se Rafah cair, Gaza também cairá", afirmou a África do Sul no seu pedido.
"Ao atacar Rafah, Israel está a atacar o 'último refúgio' em Gaza e a única área restante da Faixa de Gaza que ainda não foi totalmente destruída por Israel", acrescenta o documento.
Pretória sublinhou que a única forma de aplicar as decisões judiciais existentes será um "cessar-fogo permanente em Gaza".
Israel declarou a 07 de outubro do ano passado uma guerra na Faixa de Gaza para erradicar o Hamas depois de este, horas antes, ter realizado em território israelita um ataque de proporções sem precedentes, matando mais de 1.170 pessoas, na maioria civis.
Desde 2007 no poder em Gaza e classificado como organização terrorista pelos Estados Unidos, a União Europeia e Israel, o Hamas fez também mais de 250 reféns, 128 dos quais permanecem em cativeiro e 36 morreram entretanto, segundo o mais recente balanço do Exército israelita.
A guerra, que hoje entrou no 223.º dia e continua a ameaçar alastrar a toda a região do Médio Oriente, fez até agora na Faixa de Gaza pelo menos 35.272 mortos, mais de 79.000 feridos e cerca de 10.000 desaparecidos presumivelmente soterrados nos escombros, na maioria civis, de acordo com números atualizados das autoridades locais.
O conflito causou também quase dois milhões de deslocados, mergulhando o enclave palestiniano sobrepovoado e pobre numa grave crise humanitária, com mais de 1,1 milhões de pessoas numa "situação de fome catastrófica" que está a fazer vítimas - "o número mais elevado alguma vez registado" pela ONU em estudos sobre segurança alimentar no mundo.
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