Pulsely quer ser o próximo unicórnio com ADN português

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Entrevista

18 dez, 2023 - 22:18 • Sandra Afonso

Em entrevista à Renascença, o diretor Pedro do Carmo Costa explica como a Pulsely, onde se fala muito em português, promove a inclusão no trabalho e surpreende sistematicamente os clientes, que pensam já saber tudo sobre as companhias que dirigem.

Entrevista a Pedro do Carmo Costa, cofundador e diretor da Pulsely
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É uma empresa tecnológica, líder em diagnóstico e análise de dados sobre diversidade e inclusão. Está sediada em Londres e trabalha com algumas das maiores empresas mundiais. Das Nações Unidas ao Banco Mundial, a Pulsely já tem uma invejável lista de clientes, mas muito poucas empresas portuguesas, admite à Renascença o cofundador e diretor, Pedro do Carmo Costa.

Nesta entrevista ficamos a conhecer a Pulsely, onde se fala muito em português, como promove a inclusão no trabalho e surpreende sistematicamente os clientes, que pensam já saber tudo sobre as companhias que dirigem.

O CEO, que foi entrevistado durante uma passagem por Lisboa para participar nas “Conferências do Estoril”, aponta ainda os objetivos para o futuro, entre eles, chegar a unicórnio entre cinco a seis anos.

Como é que a Pulsely promove a inclusão no trabalho?

A Pulsely é uma empresa de diagnósticos, de “analytics”, usa dados para medir qual é o estado de inclusão da organização. Tira um retrato para entender qual é o nível de diversidade de raça, género, de pessoas com deficiência e qualquer outra dimensão de diversidade. Entender onde é que existem falhas, que seja necessário preencher, e quais é que são as demografias dentro da organização que se sentem menos incluídas.

Os excluídos não são, tendencialmente, as minorias?

Muitas vezes, essas demografias estão escondidas, não são visíveis aos olhos das pessoas. Nós costumamos dizer, como cliché, que são as mulheres ou são as pessoas de uma determinada raça ou de uma certa orientação sexual. Acabamos por seguir os temas gerais, mas sem evidências e sem provas. A Pulsely o que fez foi trazer ciência, dados e análise que identifiquem, de forma inequívoca, quais são os grupos em risco dentro da organização.

Recorrem aos dados da empresa, mas este trabalho também implica entrevistas?

Implica recorrer a dados que existem na empresa, os sistemas de Recursos Humanos, e não diria a entrevistas, mas inquéritos. Ou seja, perguntar às pessoas que perceção têm do local de trabalho, em várias dimensões de inclusão. Não vou perguntar só se se sentem muito ou pouco incluídos, mas se acham que têm suporte na carreira, se têm igualdade de oportunidades, se podem falar de ideias ou ainda de que forma estão engajados com a empresa, se estão retidos pela empresa, como trabalham em grupo.

Todos estes dados, depois de trabalhados pelos nossos algoritmos, dizem-nos quais são os grupos em risco, porquê e como é que isso afeta a performance da organização.

"Estamos a crescer todos os meses, mas ainda não estamos no unicórnio. Eu acho que vai acontecer"

Também têm em conta a legislação? Isto porque, dependendo do país, podem existir metas a cumprir. Por exemplo, para a inclusão de pessoas com deficiência ou a questão da paridade.

Também temos em conta esses dados. Geralmente, a maior parte das organizações querem ir de encontro a esses objetivos ou excedê-los. Para além disso, também temos em conta a legislação de proteção de dados. Por exemplo, em França, não podemos perguntar aos colaboradores de uma empresa informação sobre raça e etnicidade. Nos países do Médio Oriente não é permitido perguntar a orientação sexual. Na Pulsely, que trabalha com clientes em todo o mundo, temos um estudo bastante alargado do que se pode e não pode perguntar, dependendo da geografia, e também temos informação sobre os objetivos de cada país.

Tendo em conta que precisam dessa informação para apurar as conclusões e a análise dos dados, há formas de chegar a essa informação sem fazer as perguntas diretamente?

Não é possível colher a perceção das pessoas sem as questionar e uma coisa importante é que as perguntas sejam feitas de forma anónima. Eu não posso ou não devo perguntar a um colaborador se está retido ou se tem vontade de sair, porque não vai ser verdadeiro a responder.

Uma das grandes vantagens de usar um terceiro é que este pode garantir a confidencialidade dos dados e, assim, as pessoas podem ser verdadeiras quando respondem. Isso é fundamental, para evitar dados enviesados.

Costumam surpreender os vossos clientes com as conclusões que apresentam?

Eu digo sempre aos clientes que vamos confirmar alguns dos pressupostos que eles têm. Acham que as pessoas com mais idade não se sentem tão incluídas, e muitas vezes confirmamos. Muitas vezes também deixamos cair pressupostos. Lembro-me de um cliente que estava a trabalhar há muitos anos nos temas da igualdade de género e, de repente, não havia informação que dissesse que havia desigualdade de género, caiu por terra um pressuposto que tinham. Mas sempre, absolutamente sempre, encontramos informação que ninguém tinha reparado, que ninguém tinha pensado sequer.

Pode dar exemplos?

Nós trabalhamos com uma grande farmacêutica na Alemanha. É um projeto muito grande e essa farmacêutica há dez anos que tem trabalhado, precisamente, no tema de igualdade de género. Assim que nós rodamos os nossos algoritmos e produzimos os relatórios finais, eles foram logo à cata de temas de desigualdade de género e não encontraram nada.

Ficaram impressionados, como é que é possível? Respondemos que é possível porque estão há dez anos a trabalhar nisto e resolveram. Mas também acrescentámos que, antes de celebrarem, encontrámos uma demografia que não é óbvia e que são 8% de pessoas da empresa que não falam alemão em casa e, de uma forma geral, têm uma experiência de inclusão menor. Para eles foi uma grande surpresa, porque ninguém estava a usar essa lente. As pessoas usam as lentes tradicionais, raça, género, etc.

Qual foi a consequência dessa informação?

Rapidamente colocou-se em prática um conjunto de iniciativas. Por exemplo, em reuniões ou em equipas, vamos garantir que as pessoas que não falam alemão passam a ter mais tempo para falar, para que não se calem, mas passem a contribuir. Em reuniões onde todas as pessoas falam inglês, vamos fazer a reunião em inglês. Alterações simples para uma situação que estava adormecida na organização. Essas pessoas também estavam pouco retidas, pouco engajadas, a inovar pouco, e passaram a estar mais envolvidas.

Vive em Londres, parto do princípio de que a empresa está sediada em Londres?

A empresa está sediada em Londres. Nós somos hoje 18 pessoas. Dois dos três cofundadores são portugueses e um terço das pessoas são portuguesas, apesar de alguns não estarem em Portugal. Nós trabalhamos hoje com clientes em todo o mundo, com as Nações Unidas, com o Banco Mundial, com o Nubank no Brasil, com empresas líderes nos seus setores, em praticamente todas as geografias.

"A diversidade e inclusão tem muito de intangível. Já há muito trabalho feito para se mostrar o impacto económico"

Incluindo Portugal?

Infelizmente, ainda trabalhamos muito pouco em Portugal, mas temos muito orgulho de ser hoje, talvez, uma das empresas líderes em "analytics", diversidade e inclusão, com DNA português. A única empresa portuguesa que foi citada na Harvard Business Review, em maio, a única empresa nos últimos anos que foi citada. É uma coisa que nos orgulha muito.

Que tipo de empresas é que recorrem aos vossos serviços?

Varia muito, não há uma indústria em particular nem um tamanho em particular. Temos clientes que são gigantescos, temos projetos globais. Por exemplo, trabalhamos com a Teleperformance em todo o mundo, são 140 mil colaboradores. Trabalhamos com muitas Organizações Não Governamentais (ONG), nos Estados Unidos, na Europa. Diria que qualquer empresa com mais de 250 pessoas, até clientes com centenas de milhares de colaboradores.

Têm ideia de qual é o impacto do vosso trabalho na rentabilidade das empresas?

A diversidade e inclusão tem muito de intangível. Já há muito trabalho feito para se mostrar o impacto económico e existe muito trabalho que mostra a correlação entre diversidade e inclusão com a retenção das pessoas, a capacidade de inovar e o nível de engajamento das pessoas. As pessoas, em vez de irem trabalhar e fazerem um frete durante oito horas, estão a contribuir.

Tudo isto contribui para o resultado. Não podemos quantificar em euros a mais-valia, mas conseguimos mostrar de ano para ano quanto é que as pessoas se sentem mais retidas, mais engajadas e com mais capacidade de inovar. Isso, inevitavelmente, traduz-se em valor.

Há uma percentagem?

Sim. São índices que nós criamos que mostram que conseguimos fechar, no fundo, a distância entre os que estavam mais e menos incluídos. Pegando no exemplo anterior, conseguimos mostrar que, ao final de um ano, as pessoas que não falavam alemão em casa tinham aumentado dramaticamente a sua perceção de inclusão, ficou muito mais próxima da maioria. Isso tem muito valor, como sabe hoje nas organizações perder talento técnico para outras organizações é trágico e incalculável.

Vou insistir. Em termos percentuais, qual é o impacto nos resultados financeiros da empresa?

É muito difícil de medir e de quantificar, a pesquisa nesse tema ainda é muito inicial. Temos trabalhado com muitas organizações que só ao final de dois ou três anos puderam dizer que graças a negócios que foram feitos, ao final de dois, três, quatro ou cinco anos viram um retorno de milhões de euros. Tendo em conta que as nossas iniciativas têm no máximo três anos, porque a empresa tem três anos, é difícil dizer qual é que foi o resultado financeiro, mas eu acho que vamos ter boas surpresas.

Como é que surgiu este conceito, esta ideia de negócio?

Surgiu por duas razões, uma delas pessoal. Eu tenho um "background" muito diverso, a minha família é de Goa mas eu nasci em Moçambique, vivi sempre em Portugal e depois fui trabalhar para os Estados Unidos, passei para o Brasil, tive quatro filhos em Portugal e acabei em Londres. A certa altura quase me perdia sobre de onde é que sou! Tive sempre a sorte, o privilégio, de me sentir incluído em todos estes lugares e percebi muito rapidamente o valor da inclusão. Nós entregamos muito mais quando nos sentimos incluídos.

Em segundo, eu sou engenheiro da [Universidade] Nova, gosto muito de histórias, mas os dados têm que bater certo. Sem dados eu não acredito. É na interseção destas duas coisas, uma fé enorme no tema da diversidade e inclusão e dados que provem - porque os líderes destas organizações querem ver dados, não podemos construir estratégias baseadas em "achismos" - que nasce a Pulsely.

Quais são os planos para o futuro?

É continuar a crescer no número de pessoas, em clientes e, mais importante, a crescer no impacto nas organizações e na sociedade em geral. Para nós é muito importante este propósito de transformar as organizações através de diversidade e inclusão. Em termos práticos, estamos sempre a levantar capital para contratarmos mais pessoas, para desenvolver mais tecnologia, e temos planos interessantes em termos tecnológicos de disseminar a nossa tecnologia através de soluções mais acessíveis para milhares ou centenas de milhares de empresas.

Começaram como uma startup?

Começamos como uma startup há quase quatro anos. Tivemos um ano a desenvolver aquilo que chamamos o nosso "framework" científico e depois começámos a aplicá-lo em clientes piloto. Como recolhemos muita informação de muitas empresas, os nossos algoritmos começaram a melhorar bastante. Hoje em dia, com pouca humildade mas com muito orgulho por sermos uma empresa com ADN português, acho que somos a melhor empresa de "analytics", diversidade e inclusão do mundo.

Já chegaram a unicórnio, com tantos clientes de peso que têm?

Era ótimo! Seria fantástico. Estamos numa fase ainda inicial, temos várias dezenas de clientes, estamos a crescer todos os meses, mas ainda não estamos no unicórnio. Eu acho que vai acontecer. Hoje, se procurar no Google "diversity and inclusion diagnostics", nós somos talvez a primeira ou segunda empresa a aparecer. Há poucas empresas portuguesas que no seu setor são a primeira, segunda a aparecer.

Para quando o unicórnio?

Nunca ninguém fez essa pergunta. Eu gostava que fosse daqui a cerca de cinco anos. Cinco, seis anos, que estivéssemos nesse lugar.

A partir de agora?

Sim. Temos um número que é 2028, 2029, o ano em que atingimos essa meta.

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