"Os nossos soldados combatem todos os dias pelos valores da Europa"

7 meses atrás 56

Em entrevista à agência Lusa, a vice-presidente da comissão parlamentar responsável pela integração europeia apontou que o processo de adesão de Kiev à União Europeia (UE) é acompanhado da circunstância inédita de ser o único país que enfrenta uma guerra, iniciada em 24 de fevereiro com a invasão russa.

"Todos os países passaram por dificuldades, mas não por uma guerra em grande escala. Provámos que podemos cumprir o que se espera de nós, especialmente no que se refere à luta contra a corrupção, nos mercados financeiros e que podemos trazer estabilidade à economia", sustentou na entrevista realizada em Kharkiv, leste da Ucrânia, sede do círculo eleitoral que a elegeu em 2019.

Pertencente a uma geração de políticos ucranianos emergentes, Maria Mezentseva, 34 anos, eleita em 2019 pelo partido Servo do Povo, do Presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, recorda que a luta europeia do seu país remonta há mais de uma década com a Revolução da Dignidade, nos protestos Euromaidan, que afastaram Kiev do espaço de influência de Moscovo e aproximaram-na de Bruxelas.

"Foi uma época historicamente muito importante, mas, na altura, ainda não sabíamos disso. Nem que, em dez anos, seríamos um país candidato [à UE] e que as negociações fossem abertas para nós", referiu, aludindo à aprovação do processo negocial de adesão em 14 de dezembro do ano passado: "Achávamos que o caminho a percorrer seria longo, ninguém pensou que fosse tão rápido".

Há uma década, Maria Mezentseva trabalhava como estagiária nas instituições europeias e foi na altura que se começou a familiarizar com elas, fortalecendo desde então o trabalho com partidos políticos em Bruxelas, eurodeputados e organizações não-governamentais, no embrião do que está a agora a acontecer.

Neste caminho, mencionou que há vários 'slogans', no sentido de que a Ucrânia "está a chegar à Europa", ou "a marchar em direção à Europa", que contrapõe na medida em que entende que se trata de um regresso: "Estamos a voltar à nossa família europeia, porque historicamente sempre estivemos na Europa".

A parlamentar, que é também chefe da delegação da Ucrânia no Conselho da Europa (que expulsou a Rússia no seguimento da invasão), apontou os valores comuns que são partilhados pelos países do continente e pela Ucrânia, agora postos à prova pela guerra: "É por eles que os nossos soldados combatem no campo de batalha todos os dias", declarou.

A par disso, somam-se as oportunidades suscitadas "pelo maior mercado do mundo, com 580 milhões de consumidores numa união económica", entre um conjunto de benefícios que urge explicar aos ucranianos.

"A integração na UE é muito difícil, mas tentamos explicá-la às pessoas no país, nos territórios libertados, na região de Kharkiv e noutros locais da Ucrânia, como oportunidades para as pequenas e médias empresas, para as empresas exportarem, para subsídios e empréstimos baratos, para cientistas, para a educação e para a reconstrução", assinalou.

Antes disso, e em plena guerra, registam-se as ajudas de Bruxelas à Ucrânia na sua luta contra a invasão russa, em que "nunca na história do projeto da UE foi dado um apoio militar direto a um país terceiro para se proteger", apesar da ameaça de bloqueio húngaro, quer por ocasião da abertura de negociações para a adesão de Kiev, quer na recente aprovação de 50 mil milhões de euros para fazer face à agressão de Moscovo.

A propósito, Maria Mezentseva considera que o que aconteceu no Conselho Europeu de 01 de fevereiro foi o resultado de uma forma "muito sofisticada e extraordinária de diplomacia", que ultrapassou as resistências de Budapeste, através de um "plano" B muito rápido, que é igualmente uma demonstração de compromisso dos estados-membros.

"Se nós assumimos os nossos compromissos, a UE também tem de assumir os seus", adverte a deputada, assegurando que, do lado ucraniano, o processo de adesão à UE é um projeto que envolve políticos, militares e a generalidade da população, o que refere que também é sugerido por sondagens a dar conta de taxas de aprovação acima dos 90% nalgumas regiões ucranianas, onde dantes muitas pessoas não reconheciam sequer siglas associadas ao Ocidente, como a NATO.

"Por isso, o nosso papel neste momento é explicar por que é que precisamos da UE, que benefícios ela nos traz, até quando se bebe um café, que envolve a segurança dos materiais que tocam nos alimentos e líquidos, e isto também é a integração europeia, muito simples e ao mesmo tempo muito importante", exemplifica.

A comissão de integração europeia é ainda a mais pequena da Rada (parlamento), mas por ela passam 90% das suas leis para verificar se estão em conformidade com as normas da UE, segundo a representante do partido Servo do Povo, argumentando que, se os eleitores quiserem manter a legislação como está, que o façam, mas então "o país não vai avançar nos seus níveis de desenvolvimento e dos seus mercados".

A deputada refere que, nos seus pedidos de esclarecimento, muitas pessoas questionam se a integração da Ucrânia acontece em circunstâncias semelhantes àquelas que levaram à adesão de dez países do leste europeu há 20 anos, quando a realidade é incomparável desde a invasão russa.

"Enfrentamos uma ameaça não só para a Ucrânia de hoje, mas para toda a ideia da União Europeia, que é uma união para a paz, para a prosperidade e para o desenvolvimento, onde as pessoas estão unidas na diversidade de culturas e línguas, e as fronteiras desaparecerão, entre muitas, muitas outras coisas", sustentou.

Maria Mezentseva cita, a propósito a Parceria Oriental, proposta pela UE, por iniciativa da Suécia e da Polónia, envolvendo Bielorrússia, Arménia, Azerbaijão, Ucrânia, Moldávia e Geórgia, recordando que "a Rússia também foi convidada e recusou", o que demonstra que o Kremlin "nunca quis cooperar" e que "a cortina de ferro nunca caiu".

Por isso, antes de qualquer coisa, "tem de vir a vitória contra a Rússia" e convencer a população de que "a UE é melhor do que se pensa", apontou: "Melhor de resto do que ficar submisso a um agressor e dizer 'bem, nós não conseguimos'. Mas temos de conseguir".

A corrupção endémica é outra inquietação a ultrapassar enquanto fator de perturbação na adesão à UE, embora "exista em todo o lado", e, quando o país estava a adotar uma política "extremamente progressista" e alcançou o maior número existente de agências anticorrupção, "elas próprias começaram a ser atingidas".

Finalmente, conta a deputada, encontraram-se lideranças independentes e os sistemas de aquisições tornaram-se "extremamente importantes", na medida que permitiram detetar os escândalos de desvios em compras de uniformes e de alimentos para o Exército, que, "sem aquelas agências, nunca se saberia que existiam, obtendo-se resultados e há gente na prisão".

Para Maria Mezentseva, há, porém, melhorias a fazer na legislação, do mesmo modo que o pacote de ajuda milionário que a UE aprovou recentemente deve ser monitorizado, na justa medida em que se trata de dinheiro dos contribuintes dos estados-membros, que também têm o direito ao seu 'feedback'.

"Ser-se transparente hoje e coerente nas políticas hoje significa respeito pelos parceiros e é o que estamos a fazer através da disponibilidade para cooperar num nível de transparência muito elevado", defendeu a deputada, acrescentando: Assim, provamos que não somos a Rússia".

Leia Também: "Não. Não é verdade". Kremlin nega que Putin tenha proposto cessar-fogo

Ler artigo completo