Racing Power já pensa em mais: «Em três anos queremos ser campeões nacionais e estar na Champions»

1 semana atrás 216

Ao quarto ano de existência, o Racing Power FC ainda não tocou o céu, mas nunca esteve tão próximo. O clube sediado no Seixal estreou-se, esta temporada, na Liga BPI e é a equipa sensação da prova, tendo já assegurado o terceiro lugar da tabela classificativa e garantido o apuramento para a final da Taça de Portugal, a primeira grande decisão onde se vê envolvido.

Em entrevista ao zerozero, o presidente do RPowerNuno Painço, já fala no passo seguinte. A poucas horas de medir forças com o Benfica na derradeira jornada do campeonato, o Racing Power FC é a última esperança do Sporting para ainda chegar ao título. Se repetir a façanha da primeira volta e travar as águias, desta vez no Benfica Campus, o clube que realiza os jogos em casa no Estádio Nacional pode entregar a Liga BPI às leoas numa bandeja de prata.

Admitindo ser um cenário para o qual não estava preparado, o dirigente promete uma equipa com ADN de vitória, como é apanágio do clube. Com tanto já feito em tão pouco tempo, há ainda sonhos para concretizar e a ambição é imensurável: nos próximos três anos, o Racing Power FC quer vencer o campeonato e marcar presença na Liga dos Campeões. A meta estabelecida é corajosa e anda de mãos dadas com o outro grande sonho: a construção de um Centro de Alto Rendimento.

zerozero: Nuno, vem aí uma grande semana, não é verdade?

Nuno Painço: É verdade. Em termos de lutar pelo título, poderíamos estar na decisão e não estávamos à espera. Relativamente à final da Taça, era um dos objetivos a que nos tínhamos proposto e correu bem. Está a ser uma semana muito intensa.

zz: O clube foi criado por três amigos. Como é que montam um projeto destes e o colocam, em quatro anos, no pódio da Liga BPI e numa final da Taça?

NP: Nós os três - eu, como presidente, o Pedro Sebastião como vice-presidente e o engenheiro Ismael Duarte, que é o CEO e o patrocinador principal com a RPower Energy Drink - tínhamos um objetivo em mente: se avançássemos com isto, e eu desafiei o engenheiro quando me convidou para este projeto, em três anos tínhamos de estar na Liga BPI. Não aconteceu em três, aconteceu depois no quarto ano. No ano passado estivemos também nas meias-finais da Taça de Portugal, ainda na II Divisão, e na época anterior tínhamos estado nos quartos de final com o professor Nuno Cristóvão. Tem sido um percurso em crescendo.

Se foi fácil? Não foi nem tem sido fácil. Estávamos os três no Paio Pires FC, no departamento de futebol feminino, e quisemos investir. Naquela altura, em 2020, apareceu o COVID-19 e os campeonatos pararam. Tínhamos ficado em primeiro lugar com o Amora, mas como eles tinham a vitória sobre nós, a FPF decidiu que iam subir os primeiros classificados das séries. O nosso projeto levou um murro no estômago com essa situação.

Entretanto, o engenheiro tentou fazer uma SAD no futebol feminino do Paio Pires FC, mas as coisas não correram bem. Nós só estamos vocacionados para o futebol feminino e não para o masculino. Quiseram misturar as coisas, por isso decidimos sair e criar um projeto de raiz. Também tem a ver com as nossas filhas, porque as três jogavam no Paio Pires FC e não tínhamos equipa sénior. A minha - Beatriz Painço - acaba por sair e ingressar no Benfica, onde se sagrou campeã da II Divisão, na semana passada. A Beatriz Sebastião continua connosco no plantel sénior e a Mariana Duarte, a filha do engenheiro, é a nossa diretora desportiva. Foram elas as causadoras desta situação e de nos termos envolvido no futebol feminino.

zz: O interesse portanto é só no futebol feminino?

NP: O nosso ADN não é o futebol masculino, é só o feminino. Não estivemos no futebol masculino, eu fui atleta e dirigente de clubes, mas o nosso ADN é o feminino. Quando começámos, e já não é a mesma coisa do que há quatro anos, o futebol feminino ainda estava muito verde. Não havia ainda a malícia que existe no masculino.

Entretanto, passando uns anos isto tem evoluído muito e já vai tendo algumas malícias, algumas manhas e o despertar de algumas pessoas para tentar influenciar o futebol feminino. O nosso ADN é este, do futebol feminino, e também foi por isso que nos separámos do Paio Pires FC. Temos tido vários convites para investir noutros clubes onde têm futebol feminino, mas não queremos. O nosso ADN é este e é para isso que trabalhamos.

«Nunca fomos contactados pelo FC Porto»

zz: Falando na questão do investimento: recentemente, durante a campanha eleitoral do FC Porto, Jorge Nuno Pinto da Costa afirmou ter um acordo com um clube de Liga BPI. Nessa altura, circularam rumores de que o Racing Power FC podia ser esse clube. Alguma vez a hipótese esteve em cima da mesa?

NP: Não, não esteve. Nunca fomos contactados pelo FC Porto, tivesse sido pela lista do anterior presidente, Jorge Nuno Pinto da Costa, ou pela lista do presidente eleito, André Villas-Boas. Nunca fomos contactados relativamente a essa situação, mas fui abordado várias vezes pela comunicação social sobre isso.

Nós temos que gerir isto como se fôssemos uma empresa, até para que isto possa andar face aos investimentos que temos. Mas nunca fechamos a porta a negociações relativamente a essa situação. Não fomos abordados por ninguém sobre isso, mas, seja o FC Porto ou outro qualquer investidor que apareça, somos um clube aberto a conversações, até porque os investidores são homens de negócios. Nunca estará de fora essa possibilidade, mas relativamente ao FC Porto nunca fomos abordados sobre essa matéria.

zz: Quão complicado tem sido angariar investimento?

NP: Temos o investidor principal, como já disse, que é o CEO da RPower Energy Drink e que tem conseguido trazer outros contactos de vários ramos da sociedade para investir no futebol feminino e no Racing. Não é fácil. Tem sido uma luta constante para permitir que tenhamos equipas competitivas e possamos fazer o que estamos a fazer esta época. Não podemos comparar o orçamento do Racing com os orçamentos de Benfica, Sporting e SC Braga. Podemos andar no quarto ou quinto orçamento, acredito que assim o seja, mas temos grandes dificuldades para poder acompanhar os três grandes. Quando falo em três grandes, coloco aqui o SC Braga, que este ano não está a ter uma boa época, mas que é uma equipa histórica e luta pelos títulos.

É uma meta que temos: para podermos fazer face a esses orçamentos, temos que trazer mais investidores para o clube. Estamos a tratar disso. A próxima época vai ser muito mais exigente, porque vai ser difícil igualar ou superar o que fizemos esta época se mantivermos o que temos nesta altura. Por isso, queremos dar o passo seguinte e cativar mais investidores, para que possamos chegar mais perto da qualidade dos plantéis das outras equipas.

Tenho uma equipa técnica fantástica, que trabalha muito. Toda a gente é profissional no clube, exceto o presidente. Eles trabalham muito e posso dar um exemplo: aquilo que Benfica, Sporting ou SC Braga fazem com a equipa de scouting, onde se calhar analisam 20 ou 30 atletas para irem buscar a qualidade que elas têm, o nosso, com menos orçamento, tem que analisar cerca de duas mil ou três mil atletas para podermos acertar - e muitas vezes não conseguimos - numa Vetter, uma Jenna ou uma Idoko. São situações em que temos que trabalhar muito e eles têm-no feito. Diria que 90 por cento das contratações temos acertado e há outras que não são aquilo que esperamos que sejam, mas é um trabalho que temos de melhorar.

zz: Tudo isto são coisas novas para quem ingressou na área. Como é que se fazem estes contactos e se trata desta logística?

NP: Foi tudo do zero. O Paio Pires FC não tinha posses para ter equipa feminina e nós chamámos o plantel que estava connosco na altura. Éramos nós que, apesar de estarmos no Paio Pires FC, pagávamos os vencimentos. O departamento de futebol feminino era um departamento à parte. Quando saímos, tentámos cativar as atletas. Não tem sido um percurso fácil. Quando arrancámos, passou a existir a III Divisão, que ainda não existia na altura. Tivemos de começar mais um escalão abaixo. Tem sido tudo muito difícil nesta caminhada e tem sido a nossa determinação e o gostarmos muito da evolução que nos leva ao dia de hoje.

@FPF

Quando entrámos, caímos numa III Divisão com o COVID-19 instalado e as regras dos campeonatos mudam totalmente. A III Divisão podia não nos ter acontecido, porque o Benfica entra com uma equipa B e só duas equipas é que subiriam à II Divisão. Fomos a um play-off, ultrapassámos o Torreense, depois o Benfica e fomos à final com o Rio Ave. Correu bem para nós, mas podia não ter corrido e podíamos ter ficado logo ali pela III Divisão.

Depois, na II Divisão, entrámos muito fortes com o professor Nuno Cristóvão, que é uma pessoa pela qual tenho grande estima, mas se calhar por falta de experiência da estrutura, e quando digo estrutura digo nós enquanto direção... Falhámos ali em alguns pontos cruciais da época e que levou a que não subíssemos. O percurso com o João Marques tem sido exemplar.

qToda a gente é profissional no clube, exceto o presidente

Nuno Painço

zz: É um processo também de aprendizagem para a estrutura, de perceber como é que tudo funciona.

NP: A estrutura era muito pequenina quando começou. Era apenas a direção e mesmo aí éramos só três ou quatro a levar tudo às costas. Eu era presidente, fazia de secretário técnico, fazia os contratos, falava com os agentes e com as atletas. Neste momento, as coisas já não são assim. As atletas evoluem, os treinadores evoluem e os dirigentes têm que evoluir para acompanhar o ritmo. Não podemos ser os dirigentes de há dez ou 20 anos. Sou apologista, não sei se um dia a FPF vai exigir, de que se o meu treinador para estar na Liga BPI é obrigado a ter o curso de terceiro nível, os dirigentes tenham que ter alguma qualificação para o cargo. Não pode ser só porque agora vamos convidar aquele ou aquela, porque agora tem mais tempo. Nós não atuamos assim.

Neste momento, temos uma estrutura profissional. Tenho uma diretora desportiva, a Mariana, depois tenho a outra diretora, a Juliana. A equipa técnica e as atletas são todas profissionais e tenho uma equipa médica que também é profissional do clube. É o que digo: nós temos de ir aprendendo com os anos e época a época. O sucesso tem-nos acompanhado, mas quando um dia ele não acontecer, temos de estar preparados para o insucesso.

Para nós, esta época tem sido fabulosa. Ficámos em terceiro lugar, há três ou quatro jornadas estávamos com jogos em atraso e ainda podíamos ir morder os calcanhares ao Sporting pela Liga dos Campeões se não tivéssemos perdido com o Valadares. Na Taça de Portugal tem-se visto o que temos feito e na Taça da Liga foi igual, fomos às meias-finais e perdemos duas vezes por 1-0 com o Sporting. Têm sido jogos equilibradíssimos. Basta ver o calendário da Liga BPI: empatámos em casa com o Benfica e estivemos a ganhar até aos 83 minutos, ganhámos em casa ao Sporting, fomos ganhar a Braga. Penso que temos estado a fazer uma época fantástica.

@FPF

zz: Esperava ter tudo isto em apenas quatro anos?

NP: Tinha que ser. Não podia ser de outra maneira. As pessoas podem pensar que já fizemos tanto, que já fizemos a nossa parte, mas não pode ser. Está muito dinheiro envolvido nesta situação. Quando arrancámos, eu fiz o desafio ao investidor e disse que se não conseguisse cumprir com o objetivo, pedia a minha demissão. O objetivo era estar na Liga BPI em três anos e estar a jogar as meias-finais de qualquer competição. Nunca disse uma final, disse, e sou sonhador como todos os outros, que gostaria um dia de estar no Jamor a disputar uma final. Vai acontecer este ano. 

Tinha sido delineado desde o princípio que em três anos queríamos estar nestas decisões. Estamos no quarto ano. Ao fim de três anos, quando não subimos, disse ao investidor que ia sair porque não tinha cumprido com o objetivo que tinha proposto. Ele disse-me que os investidores só avançaram com isto porque eu me voluntariei para ser presidente e não tinha qualquer fundamento eu sair. Se na época seguinte não cumpríssemos os objetivos, eu saía mesmo. Conseguimos ser campeões e estamos na Liga BPI.

zz: Na primeira volta empatou com o Benfica. Agora, não podendo sair do terceiro lugar, o Racing Power joga sem pressão, mas pode interferir na decisão do título.

NP: Esta situação é que eu não esperava. Nunca pensei que o Racing pudesse ser um dos intervenientes na decisão do título. Podia perguntar-me isto de duas maneiras, uma enquanto presidente e outra se eu fosse treinador da minha equipa.

Enquanto presidente, se falasse com o meu treinador, que não falo porque acho que não o devo fazer, eu sei o que ele pensa e ele sabe o que eu penso, diria que não tendo qualquer decisão relativamente a subir ou descer de lugar, não apostava na equipa mais forte e dava descanso às jogadoras. O nosso plantel não tem capacidade para fazer o que os plantéis de Benfica, Sporting e SC Braga fazem, que têm muitas atletas e podem fazer rotação.

Se fosse treinador, com o ADN que está imposto na nossa equipa, e sei que é o que o meu treinador vai fazer, poria as fichas todas novamente. O ADN para ganhar está lá e não se muda o chip de um momento para o outro. O jogo da semana seguinte é que é bastante importante para nós.

zz: Este primeiro jogo pode servir de preparação para o segundo.

NP: Sim, mas temos de ter em atenção que estamos num final de época desgastante e onde estão a aparecer lesões. Também podem aparecer castigos. Às vezes pode haver uma jogada mais dura, há uma expulsão e depois há um jogo seguinte onde têm que cumprir castigo. É um risco assumido pelo treinador. Sei que vai colocar as fichas todas, ele não é de fazer rotações.

«Definimos um ciclo de três anos em que queremos ser campeões e ir à Champions»

zz: Desportivamente, olhando a tudo o que o Racing Power já conseguiu, quais são as próximas metas?

NP: Era importante referir também que o Racing não é só o futebol sénior. Este ano, fomos campeões distritais nas sub-17 e vamos disputar a Taça Nacional. Nas sub-19, ficámos em primeiro lugar da série e se ganharmos ao Damaiense subimos à elite das sub-19. Tem sido um ano de sucesso para todos os escalões. Também devemos ser o único clube do distrito que, na formação, assume todas as despesas. Não se paga mensalidade, as atletas não têm que comprar kits de jogo e treino, nós é que pagamos as inscrições e os seguros.

zz: No fundo é como se fossem profissionais.

NP: Sim. Não há nada que o Racing não assuma para não dar despesas aos pais. Antigamente, o futebol era grátis para toda a gente e agora toda a gente tem que pagar para jogar futebol. Nós, enquanto pudermos e conseguirmos, teremos esta mentalidade. Um dia, quando acharmos que teremos que o fazer, iremos fazê-lo, mas não está nas nossas intenções fazê-lo para já. Também vamos estar presentes na Festa do Futebol Feminino, porque as nossas sub-15 ganharam no distrito de Setúbal. Para o futuro, gostaria muito de poder fazer melhor do que estamos a fazer. A Liga dos Campeões é um objetivo muito forte e queremos andar sempre nos três primeiros lugares. 

Quando subimos à Liga BPI, começámos um novo ciclo de três anos. Nós trabalhamos por ciclos. Nos próximos três anos, queremos chegar à Liga dos Campeões e ser campeões nacionais. Tivemos um ciclo de três anos em que queríamos estar na Liga BPI e conseguimos no quarto. E agora definimos um novo ciclo de três anos em que queremos ser campeões nacionais, que já não vai ser no primeiro ano, e irmos à Liga dos Campeões. É uma meta difícil, mas estamos a trabalhar para conseguir acompanhar os que estão lá em cima.

@Racing Power FC

zz: Levanta-se outra questão: o Racing Power vai ter capacidade para competir em termos orçamentais com Benfica e Sporting?

NP: É para isso que estamos a trabalhar, para que investidores estrangeiros ou nacionais entrem no projeto e que tenham essa capacidade de nos vir ajudar financeiramente para conseguirmos acompanhar. Porque se não, ninguém consegue. Seja o Racing, seja o Damaiense, o FC Famalicão... o SC Braga basta o presidente Salvador se lembrar de meter mais dois ou três milhões da SAD no futebol feminino e conseguem logo recuperar.

Agora, todos os outros clubes que estão abaixo do terceiro lugar, e onde nos incluímos também, se não tiverem fortes investimentos de empresas e pessoas que queiram investir, não têm condições. Nós nunca entrámos na luta pelo título. Houve um tempo que entrámos na luta pela Liga dos Campeões, pelo segundo lugar, mas viu-se que, como se costuma dizer, ainda nos falta um Danoninho. Estamos a trabalhar.

zz: Atualmente, o Racing Power joga no Jamor e não tem um sítio a que possa chamar casa. É um objetivo a curto/médio prazo ter um espaço onde possa acolher todos os escalões do clube?

NP: Esse é o nosso sonho, ter o Centro de Alto Rendimento do RPower. Desde que começámos que temos também trabalhado nisso. Ainda não encontrámos parceiros políticos locais que nos abram a porta a essa situação. Não tenho problema nenhum em dizer que nós não nos identificamos com a Câmara Municipal do Seixal, onde temos a sede. Estamos de relações cortadas, porque não podemos estar ligados a quem não nos reconhece como um dos melhores projetos de futebol feminino do concelho e do distrito e não nos dá importância. Portanto, queremos sair da zona do Seixal e já estivemos a estudar vários caminhos para onde queremos ir.

O nosso Centro de Alto Rendimento é uma coisa gigante. Já temos a planta. São dois campos relvados, quatro sintéticos, mais dois campos de futebol de praia... Portanto, queremos fazer a nossa fortaleza. Nessa fortaleza queremos fazer uma coisa que ainda não existe cá em cima. Quando há paragens de campeonato no norte da Europa e as equipas querem estagiar, vão para o Algarve. Queremos que essas equipas possam vir rentabilizar depois o investimento que vamos ter. A planta já está feita, o investidor já tem isso em mente, mas precisamos que além dos parceiros que estamos a angariar para a construção, tenhamos um parceiro político local que dê valor ao nosso projeto e que veja que esse projeto vai alavancar o local onde estivermos.

Ler artigo completo