RECORDAR | «Agressões», «mentiras» e «subornos»: um testemunho chocante na Liga 3

6 meses atrás 77

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Reportagem por Diogo Vidal Silva, originalmente publicada no dia 5/4/2023


«Depois desta situação não me sinto confortável em Portugal»

De Olhão, chega-nos um testemunho que impressiona: «agressões», «subornos»«salários em atraso», «mentiras» e «ilusões»

Uma verdadeira tempestade de emoções e um autêntico filme de terror no Moncarapachense - emblema da Liga 3 - que vive dias complicados, não só desportivamente, mas também do ponto de vista financeiro. 

Os protagonistas desta película (bem real)? Rafael Busqueti - jogador brasileiro que esteve ligado ao emblema algarvio até meados de março -, Rui Loja (diretor-desportivo do clube) e Afonso Loja (filho de Rui e jovem atleta do Moncarapachense).

A história é complexa - e conta com muitos problemas atrelados -, mas resume-se nisto: Rafael acusa Rui e Afonso de ser agredido após uma discussão que se alastrou para o balneário. O brasileiro e o diretor, em conversa com o zerozero, abordaram todos os imbróglios, mas antes, importa destacar o epicentro desta tempestade.

Um filme de terror: «agressões» e «10 GNR'S»

[AVISO: As imagens que se seguem podem conter cenas suscetíveis de ferir a sensibilidade de alguns espetadores]

A conversa com Rui Loja e Rafael Busqueti foi, sublinhe-se, realizada sem filtros. Por conseguinte, o epicentro do caos (agressões) foi esclarecido e relatado com pormenor por ambos, ainda que de forma distinta. 

Rafael Busqueti: «Eu e o diretor discutimos e ele entrou no balneário: começou a gritar e a constranger-me em frente a todos. Como resposta, peguei no telemóvel, comecei a gravar e fiz questão de falar no meu salário, estava no meu direito. A partir daqui ele ficou nervoso e saiu do balneário, mas quando voltou... entrou a correr, deu-me um soco [murro] na boca e ainda um pontapé. Depois disso vários jogadores agarraram-me a mim e ao Rui.» 

«Mas, no meio da confusão, ninguém reparou no filho dele [Afonso Loja]. Ele aproveitou-se: veio por trás e deu-me uns 15 murros. Fiquei todo ensanguentado. Não sei como não me partiu o nariz», relatou o brasileiro de 27 anos. 

Rui Loja: «Naquele dia, eu já estava um pouco exaltado com outras situações porque a nossa posição [no campeonato] não é boa. E ele virou-se para mim e começou a ofender-me. Há coisas que uma pessoa muitas vezes não consegue engolir... e eu, que se calhar dei-lhe um tratamento especial que não dei a mais nenhum, ao fim ao cabo, acabei mal tratado. Disse-lhe que o queria fora do balneário e ele fez-se a mim: avançou de uma maneira bastante agressiva com o telemóvel a filmar. Eu voltei para trás, fui direto a ele e depois... as coisas escalaram. Logo de seguida, os jogadores agarraram-nos, se não a situação poderia ter sido pior», confirmou o diretor que assumiu que «toda esta situação foi algo que não deveria ter acontecido».

[Veja AQUI o vídeo do antes e depois das agressões ao jogador brasileiro]

De forma algo dissemelhante, a história acabou mesmo por findar da pior maneira: agressões e, mais tarde, a intervenção da polícia/ambulância.

Rui Loja iniciou o cargo no emblema algarvio esta temporada @Moncarapachense

«Ele [o Rafael] telefonou à GNR e, passado uns 10 minutos, nós já tínhamos uns quatro/cinco carros da polícia à porta do clube. Foram uns 10 GNR's por ali fora a entrar dentro do estádio. Eu identifiquei-me, assim como o meu filho, porque ele também fez queixa do Afonso. Ele criou-nos ali uma situação muito feia, até porque isto foi um conflito interno», referiu o diretor-desportivo do emblema algarvio.

Rafael, por fim, ratificou que foi o próprio a fazer a chamada e acusou João André - vice-presidente do Moncarapachense - de pretender encobrir o caso com dinheiro.

«A partir daqui, entrei com um processo criminal. Inclusive, há uns dias, o vice-presidente falou com o meu pai e ofereceu cinco mil euros para não falar mais do acontecimento! Nunca vi algo assim na minha vida», afirmou o brasileiro.

Segundo Rui Loja, a situação foi desvalorizada pelo plantel, contudo, Rafael Busqueti anotou que tem os jogadores 'consigo' e que, por causa disso, o vice-presidente e diretor desportivo discursaram perante todos poucos dias depois.

«Os jogadores ficaram um pouco tensos, porque o clube não afastou o diretor e, de facto, não é normal. O vice-presidente também falou porque sentiu-se 'traído porque eu era como um cachorrinho que ele encontrou na rua e deu de comer'. Mas foi isto que eles não compreenderam: eu não estava ali por favores», alertou o atleta brasileiro que representou o Moncarapachense entre 2021/22-2022/23.

Salários em atraso: os dois lados da história

Busqueti esteve presente na equipa que garantiu a subida à Liga 3 @André Tenente

O princípio: a história começa a escrever-se com o pai de Rafael Busqueti - empresário do atleta. Rui Loja relata que o jogador foi sugerido pelo pai que, para além de prometer investir no Moncarapachense, comprometeu-se a pagar o salário de Rafael.

«No ano passado não exerci nenhum cargo no clube, mas acompanhava - por causa do meu filho - e foi-me pedido para colocar um jogador. O tal investidor pagava para o Busqueti ser inscrito, para jogar e fazer parte do plantel. E, enfim, o miúdo já tinha estado no Mónaco e em alguns sítios, mas depois vamos a ver... só esteve lá, mais nada, não jogava!», começou por introduzir ao nosso portal.  

q O pai dele faz aquele rapaz viver uma vida de sonho, uma ilusão que não existe. Nós acabamos por fazer de conta que ele fazia parte do plantel

Rui Loja, diretor desportivo

«Eu depois falei com o João André [vice-presidente] e tratei do Rafael vir para aqui. O pai dele pediu-nos para o acompanhar e queria mandar dinheiro para pagarmos o seu ordenado. Coisa que nunca aconteceu. Nós tivemos aqui despesas com o jogador que acabou por nunca integrar-se no grupo... nem fazia parte da folha salarial, porque não estava contemplado isso», prosseguiu o diretor-desportivo. 

Rafael aterrou em Faro e um presságio bateu logo à porta. O médio brasileiro sofreu uma série de lesões no último ano e meio e a primeira ocorreu na pior altura.

«Eu tive logo um problema no primeiro dia em que cheguei, na altura dos play-offs: uma lesão no tendão. Por uma questão ética, falei com eles e disse que não queria receber [dinheiro] até recuperar da lesão. Mais tarde percebi a estupidez que disse. Não me ajudaram em nada, nem com os exames [médicos]», começou por dizer o jogador de 27 anos. 

«Na época seguinte, o meu pai disse-me que o vice-presidente tinha interesse na minha continuação. Eu disse-lhe que pretendia 1000 euros e ele afirmou que era muito para eles - para mim já era pouco -, mas eu conhecia a realidade do clube e acabei por firmar um salário mínimo. Depois voltei, consegui recuperar, só que entretanto entrou um novo diretor desportivo [Rui Loja]...» 

«Eu não me dei bem com ele logo de início, mas respeitei sempre. Depois, percebi que o filho dele atuava na mesma posição [em campo]... e, a partir daí, começou a perseguição. O tempo passou e reparei que deixei de receber o meu salário enquanto todo o grupo recebia. Eu chegava ao balneário e o pessoal dizia: 'o dinheiro caiu' e eu não via nada a cair», sublinhou.

«Ou compro comida ou vou para o treino»

Questionado sobre o aspeto salarial, Rui Loja atirou culpas para o pai de Busqueti. De resto, o diretor desportivo ainda foi mais longe e apontou que o pai de Rafael é um «aldrabão» que «vendeu um sonho» ao jogador.

q Com esse dinheiro comprei uma bicicleta que utilizava para fazer entregas [na Uber Eats] e deslocar-me para os treinos

Rafael Busqueti, médio brasileiro

«Ele não sabia que o pai tinha este acordo com o Moncarapachense. Ele pensava que era um jogador normal e que tinha contrato como os outros e por isso é que foi difícil lidar com a situação. Nós somos completamente amadores. Só três/quatro jogadores têm contratos profissionais, mais ninguém tem. Tinha ficado acordado com o pai [do Rafael] que ele iria pagar cerca de 600/700 euros, mas o pai nunca enviou esse dinheiro», lamentou o dirigente que acusou o pai de Rafael de mentir. 

«O que eu acho é que o pai dele é um aldrabão, um mentiroso: combinou uma coisa aqui com o clube que nunca realizou. O pai dele faz aquele rapaz viver uma vida de sonho, uma ilusão que não existe. Nós acabamos por fazer de conta que ele fazia parte do plantel», confessou o diretor. 

[Nota: o zerozero tentou contactar Rafael sobre o pai (que nunca revelou o nome), mas o atleta não mais respondeu]

Sem os salários que tanto antecipava, o médio brasileiro ressalvou que, no entanto, recebeu 400 euros - a título particular - do vice-presidente de forma parcelada (informação confirmada por Rui Loja). Com esse dinheiro, o médio comprou uma bicicleta para utilizar no seu «segundo trabalho» enquanto recuperava com um fisioterapeuta (fora do clube). 

Rafael Busqueti criticou as estruturas do clube algarvio @Moncarapachense

 «O clube deu-me 200 euros uma vez e, mais tarde, outros 200. Com esse dinheiro comprei uma bicicleta que utilizava para fazer entregas [na Uber Eats] e deslocar-me para os treinos, mas pedalava uns 40 quilómetros e fiquei ainda mais desgraçado [fisicamente]. O diretor desportivo apenas reclamava que era inaceitável para um jogador da Liga 3 fazer o que eu fazia, mas eu cheguei a dizer-lhe: 'estou sem comida... ou compro comida ou vou para o treino'. Muitas vezes eu falava na questão do meu salário e ele não ligava», referiu o brasileiro de 27 anos.

Antes da tempestade

@Moncarapachense

Porquê não sair?! Depois de ler toda esta história, imagino que a sua reação seja exatamente esta. Afinal, nem o atleta estava feliz, nem o diretor desportivo estava satisfeito... O que prendia ambas as partes?

Rui Loja começou por explanar: «Nós fomos compactuando com a situação porque a Liga 3 exige que estejamos mais abertos à comunidade e atentos à vertente social. E, claro, porque o pai continuava a falar com o vice-presidente. Ele até mostrou intenções de comprar uns cartazes enormes [publicitários] que temos no Estádio José Arcanjo. Para além de nunca ter pago, nunca nos revelou a empresa em que iria colocar o nome», confessou o diretor.

Rafael Busqueti, por sua vez, elucidou que «pensou em sair», mas três aspetos foram importantes na sua permanência: «Como estava em fase de recuperação e a janela de transferências já tinha fechado, não dava para sair. Para além disso, a minha relação com o treinador era excelente. Eu estava ali porque ele gostava de mim», atirou o médio brasileiro.

Posto isto, os problemas continuaram: Rafael saturado com a sua situação no Moncarapachense e Rui Loja agastado com Rafael. Até que, um dia, tudo desabou.

Rafael assumiu ter uma excelente relação com o seu treinador, José Bizarro @Moncarapachense

O diretor desportivo realçou que, antes do episódio das agressões, o atleta já havia perdido as «estribeiras», ao auto excluir-se do grupo de WhatsApp com os restantes colegas de equipa, tendo deixado uma revelação forte: «O pai chegou a ligar para o vice-presidente e disse que nos enviaria uma declaração a atestar que o filho, psicologicamente, não se encontrava razoável.»

O atleta do Moncarapachense, por sua vez, puxou a cassete atrás e recordou os acontecimentos que antecederam o caos: o treino «negativo e debilitado» e a reunião decisiva.

«Foi um período difícil, eu nem conseguia sprintar. Fui puxado para lateral e acabei por não treinar bem. Depois do treino, o diretor falou comigo e disse: 'numa decisão conjunta, com o vice-presidente e o treinador, nós vamos descer-te aos sub-23 até recuperares da lesão' e eu respondi: 'isso não é possível, falta uma semana para eu recuperar'. Eu pensei: estou a pagar a fisioterapia e ele ainda vai estragar todo o planeamento que fiz.»

«Ainda nessa reunião, eu disse que queria falar com o treinador e ele respondeu: 'não vai falar com coisa nenhuma', e ainda tentou impedir-me de sair do gabinete. Eu disse-lhe: 'eu não sou menino nenhum, tenho 27 anos, só quero falar com o meu treinador'. Depois, lá consegui falar com o José Bizarro e expliquei a minha situação. Ele compreendeu e concordou comigo», sublinhou o médio.

Depois da 'tal' reunião... aconteceu o que já é sabido. Mas... e agora? Como é o futuro do brasileiro? Rafael Busqueti assumiu alguma intranquilidade e revelou que já tem uma «situação acertada na Noruega»: «Depois desta situação não me sinto confortável em Portugal.»

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