Reflexões sobre a liberdade e o civismo na sociedade digital

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Vivemos numa era marcada por paradoxos que motivam este artigo de opinião e que, na minha opinião, devem merecer uma maior preocupação.

Por um lado, a tecnologia dá ao ser humano uma oportunidade de comunicar, de forma instantânea e global, com uma vasta e diversificada rede de pessoas, com diferentes pensamentos, culturas e ideias. Esta é a grande janela para o mundo dos nossos dias, a qual deveria constituir um espaço onde diferentes perspectivas se encontram num diálogo construtivo.

Por outro lado, estamos perante uma realidade em que esta liberdade está a ser asfixiada por fenómenos sobre os quais devemos reflectir.

Assistimos ao aumento de casos de cancelamento por delito de opinião, onde a divergência deixa de ser vista como uma oportunidade para o contacto com diferentes visões para passar a ser um motivo para ostracização e censura. Esta cultura do cancelamento tem-se revelado um instrumento poderoso, mas perigoso, capaz de reduzir a liberdade de expressar pensamentos e opiniões.

As redes sociais, que em teoria nos deveriam aproximar, tornaram-se espaços em que o civismo é frequentemente posto de lado. O pseudonimato (possibilidade de utilização de uma identificação falsa) e a distância física permitida pelo espaço digital (que dão uma sensação de distanciamento que leva a comportamentos que não se teriam num contacto presencial) encorajam comportamentos em que as regras básicas da educação e do respeito são ignoradas. Neste enquadramento, as interacções, ao invés de fomentarem a compreensão e o respeito, degeneram frequentemente em confrontos hostis, pouco edificantes e inúteis.

Um dos aspectos mais preocupantes da nossa interacção no espaço digital está nos algoritmos subjacentes às redes sociais. Estes algoritmos, que visam maximizar o nosso envolvimento, tendem a colocar-nos, sem que de tal tenhamos noção, em espaços virtuais em que as nossas opiniões são constantemente reforçadas, enquanto as perspectivas divergentes são filtradas. Esta realidade, não só nos confina ao eco das nossas próprias opiniões, mas também abre a porta para uma manipulação mais insidiosa. Moldando a informação a que acedemos e a frequência com que nos é apresentada, os algoritmos podem alterar a nossa percepção da realidade, aumentar a polarização e diminuir a capacidade de aceitar diferentes pontos de vista.

Outra faceta preocupante da sociedade digital é a disseminação rápida e sem controlo de notícias e informações falsas. A informação circula de forma cada vez mais rápida e em maior quantidade, tornando mais fácil, rápido e impactante a disseminação de informação falsa (superando a capacidade de circular informação verdadeira). Esta nova realidade cria um espaço propício para a desinformação, influenciando a opinião pública sobre questões políticas, económicas e sociais.

Adicionalmente, a sociedade digital amplificou os processos em investigação e em julgamento, com o segredo de justiça a ser frequentemente exposto e com a realização de julgamentos em praça pública. Esta prática prejudica o princípio da presunção da inocência e o direito à defesa, e pode ter consequências na vida das pessoas visadas. É importante que a justiça opere nos seus prazos e dentro dos procedimentos legalmente estabelecidos.

Em suma, estas dinâmicas aumentam o risco de nos tornarmos participantes passivos numa sociedade cada vez mais fragmentada, polarizada e intolerante. Face a estes desafios, a sociedade deve tomar medidas para tornar o espaço digital mais saudável.

Por um lado, é essencial promover a literacia digital, o sentido crítico e a utilização da sociedade digital com uma atitude construtiva, bem como a melhoria dos mecanismos de verificação de factos e de controlo de conteúdo falso. Por outro lado, as plataformas de redes sociais devem adoptar políticas baseadas na ética, nomeadamente criando algoritmos que promovam a diversidade de conteúdos, implementando medidas contra a desinformação e o discurso de ódio, e salvaguardando a liberdade de expressão.

Concluindo, a diversidade de opiniões é um activo valioso e não um obstáculo. A tendência cada vez maior de confronto, de partilha de informações falsas e de julgamento nas redes sociais representa uma ameaça à democracia e aos direitos humanos. Devemos caminhar para uma sociedade digital que respeite a liberdade de expressão e que garanta o respeito e o diálogo construtivo. Só assim poderemos garantir que a tecnologia promove uma sociedade mais democrática, mais justa, mais informada e mais segura.

Nota: Este artigo apenas vincula o seu autor. O artigo está em conformidade com o antigo Acordo Ortográfico.

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