Ribeira Grande. No concelho mais jovem do país o voto é o parente pobre

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Reportagem

21 fev, 2024 - 22:43 • Tomás Anjinho Chagas

Município açoriano teve maior taxa de abstenção nas legislativas de 2022. Agora quer abandonar o fim do ranking. Reportagem na cidade açoriana.

Oiça aqui a reportagem na Ribeira Grande e em Vila de Rei, os concelhos com maior e menor abstenção do país
Oiça aqui a reportagem na Ribeira Grande e em Vila de Rei, os concelhos com maior e menor abstenção do país

O som do mar não engana, estamos numa zona costeira, mais concretamente numa ilha. À nossa frente temos o imenso Oceano Atlântico. É a cidade da Ribeira Grande, na costa norte da ilha de São Miguel, nos Açores.

É o concelho do país onde menos se votou em 2022: a taxa de abstenção situou-se nos 74,2%. No interior do mercado municipal da Ribeira Grande o ambiente é calmo, ainda não é hora de almoço.

Esta é a primeira parte da reportagem sobre a abstenção, pode ler a segunda aqui, onde a Renascença foi até Vila de Rei, o concelho com menor taxa de abstenção em 2022.

Rodrigo Estevão tem 21 anos, vai limpando o tampo das mesas e preparando o serviço: “Há muita gente que não liga ao lado de fora da ilha, o pessoal cá não tem muita paciência. Muitos rapazes ainda estão a acabar a escola e sentem que ainda não fazem parte da sociedade”, explica.

Ele vota, mas acredita que os jovens da sua geração estão distantes da política. E atribui a culpa aos dois lados, aos jovens e à política.

“Ao fim ao cabo a culpa é dos dois”, e a solução? Rodrigo acredita que a aposta deve ser feita online. “Espalhar tudo pelas redes sociais”, aponta.

Atacar pelas redes sociais. A ideia é repetida por duas amigas que estão na fila para almoçar, também elas jovens: “Há partidos que já estão a usar as redes, mas não abrange todas as pessoas”, vinca uma delas.

Sendo jovem, também reconhece que os seus parceiros de geração não têm tanto interesse em participar: “Somos nós que vamos mudar o país e cada vez mais somos nós que não estamos a ir votar”, lamenta.

Querem mudar, mas não se iludem. Apesar de apontarem a estratégia a seguir, não acreditam que a Ribeira Grande possa sair do último lugar do ranking no próximo dia 10 de março: “Acho que não. Se não tiver uma mudança drástica não muda, acredito que possa até piorar.”

De outra geração, Maria Medeiros está sentada à mesa a beber um café. Tenta encontrar explicações para esta baixa participação.

“As pessoas não estão satisfeitas com o próprio governo”, começa por dizer. E admite que a abstenção possa ser um protesto: “Também, mas se formos por aí não vamos a lado nenhum. Temos de ir votar, quer dê ou não dê”.

Do outro lado da mesa está um jovem que, assumidamente, não vai votar no próximo dia 10 de março, e justifica-se: “Eu nunca estive dentro do assunto e não quero votar numa pessoa que não conheço”.

Não culpa os políticos pela distância: “Acho que a gente é que não quer chegar perto dos políticos. As pessoas estão fora da realidade, muita gente já nem vê televisão”.

“Somos um concelho com 32 mil pessoas, 14 freguesias, e temos a população mais jovem do país. Se calhar a razão está precisamente aí”, sugere Alexandre Gaudêncio

A descrição é de alheamento em relação ao que se passa. As redes sociais são apontadas como culpadas, mas para os mais novos também podem ser o meio para se chegar até eles.

Já no exterior do mercado, Rafael Rosa, com 84 anos, lamenta que os mais novos não tenham interesse: “A juventude não está muito preocupada com estas coisas, o que não é bom. Têm de se envolver”.

“Números vergonhosos”

Logo ali ao lado, vamos encontrar-nos com o presidente da Câmara Municipal da Ribeira Grande. Alexandre Gaudêncio (PSD) sente-se embaraçado por ter o rótulo do concelho com maior taxa de abstenção.

É um número que não nos satisfaz, principalmente nas eleições legislativas, para nós causa-nos algum embaraço”, resume o autarca.

Traça um retrato da população da Ribeira Grande: “Somos um concelho com 32 mil pessoas, 14 freguesias, e temos a população mais jovem do país. Se calhar a razão está precisamente aí”, sugere Alexandre Gaudêncio à Renascença.

Mas antes de atribuir culpas apenas aos jovens, o autarca deste concelho açoriano lembra que, na Ribeira Grande, as taxas de abstenção em eleições regionais e autárquicas não estão acima da média. Ou seja, quanto mais distantes estão os representantes, menor a participação.

“Quando elegem representantes que não lhes dizem muito ou que não são conhecidos no meio local a taxa de abstenção atinge números vergonhosos”, aponta.

Mas vira a mira para a sua própria classe: “Falta um trabalho político de proximidade de todos os partidos. Falta trabalho de sapa, porta-a-porta, aparecer junto das instituições. A partir do momento em que o deputado é eleito pouco ou nada se vê na rua”, atira Alexandre Gaudêncio.

Em contagem decrescente para as legislativas de 10 de março, o presidente da Câmara Municipal não esconde que quer perder o título de concelho com menos participação: “É uma nota negativa. Gostaríamos de não continuar a levar essa bandeira.”

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