Ricardo Salgado: "Alzheimer não é sinónimo direto de inimputabilidade"

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Caso BES

14 out, 2024 - 18:49 • Liliana Monteiro

Psiquiatra forense explica que, em caso de condenação, o doente é obrigado mesmo assim a cumprir a pena, embora num modelo que pode ser diferente da prisão habitual.

A seguir à palavra lesados é talvez aquela que é mais ouvida no caso BES/GES, que começa esta terça-feira a ser julgado no Campus de Justiça, em Lisboa. Falamos de Alzheimer, a doença do principal arguido Ricardo Salgado.

Será que dizer que se sofre da demência de Alzheimer significa dizer que a pessoa é inimputável?

“Ninguém é inimputável por definição à exceção dos menores de idade. Qualquer pessoa a partir da maioridade é responsável por aquilo que faz e só deixa de o ser se ficar demonstrado que à data do comportamento, em virtude de uma anomalia psíquica (doença mental), essa doença incapacitava a pessoa de perceber o que estava a fazer e de tomar a decisão de não o fazer”, explica à Renascença Sofia Brissos, psiquiatra forense da Unidade Local de Saúde (ULS) de S. José.

A especialista esclarece que as doenças que podem, em determinadas fases, “impedir que a pessoa tenha a capacidade de saber o que está a fazer são algumas doenças mentais e as mais comuns são as perturbações psicóticas, doença bipolar, em que a pessoa não é livre de tomar uma decisão consciente".

"Depois há os atrasos mentais, o não conseguir controlar o impulso e, por fim, há os quadros demenciais, dificuldades cognitivas que chegam na idade adulta. É aqui que se enquadra a demência do tipo Alzheimer que se manifesta a partir dos 60/65 anos e faz com que a pessoa perca capacidades cognitivas”, sublinha.

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Do que se sabe, antes de 2014 (altura a que se referem os crimes do processo BES/GES) não havia diagnóstico da doença de Alzheimer do banqueiro, altura em que ainda não se falava de demência.

O que acontece quando essa demência surge nesta altura em que é chamado a responder perante a justiça, anos depois dos alegados crimes?

O processo desta demência é irreversível. “Não há tratamento e é progressivo porque está sempre a piorar e não há intervalos lúcidos. Se eu tratar a pessoa isso pode fazer com que a doença não progrida tanto, mas também não fica como antes. Tem a fase inicial, moderada e depois a avançada”, afirma Sofia Brissos.

Uma pessoa com esta doença está capaz de ir a julgamento, de responder a questões e de conferenciar com o advogado? Na dúvida, a resposta deve ser sempre dada por uma avaliação dos peritos independentes, defende a psiquiatra forense.

O mesmo se passa numa fase seguinte, caso a pessoa seja condenada. O envio para prisão tem um objetivo de reabilitação, mas uma pessoa nesta situação mais grave pode não saber o que está ali a fazer.

E se no final Ricardo Salgado for sujeito a uma pena de prisão, fica livre por causa da doença de Alzheimer? Não. A doença pode impedir Salgado de perceber o que se está a passar e a reprovação a que está a ser sujeito, mas não impede o acerto de contas com a justiça.

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“A prisão é cumprida mesmo numa prisão ou no domicilio? Isso é questão judicial. Agora se se concluir que a pessoa está doente e não é capaz de entender o alcance de uma pena, tem de ir para um sitio onde tenha tratamento. Ou vai para uma unidade onde estão profissionais clínicos, que são os serviços regionais e psiquiatria forense - e há três no país -, ou então estas condições são criadas noutro local que pode ser em casa ou numa instituição, num lar”, sublinha Sofia Brissos.

A pessoa, mesmo assim, “continua presa” e não em liberdade, “não deixa de haver uma pena que está a cumprir”, garante.

Nestas declarações à Renascença, a psiquiatra forense lembra que as pessoas presas têm acesso a consultas do Serviço Nacional de Saúde (SNS) na especialidade que necessitam e que casos numa fase inicial da doença, em que se se percebe ainda o que é uma pena, o doente pode ir para a prisão. Não significando isso que lá fica até ao fim da pena, porque com o evoluir da doença a tendência é outra e ser depois transferido para outro local que não uma prisão tradicional.

E se uma pessoa com Alzheimer quiser prestar declarações? É preciso observar a validade do relato, “porque numa fase mais avançada as pessoas com este diagnostico tendem a confabular, já não percebem que a sua realidade se alterou, não estão a mentir mas estão convencidas que o dia a dia não mudou”.

No fundo, seja qual for o caminho, acrescenta Sofia Brissos, o importante é que a doença nunca seja um fator penalizador para uma mão mais pesada do tribunal.

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