Rússia pode atacar a Europa? "Pode haver tentação de ir mais além caso a Ucrânia não resista"

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Eleições Europeias 2024

27 mai, 2024 - 11:38 • Filipa Ribeiro

No Parlamento Europeu, "há a percepção" de que a Rússia pode ir mais além no caso de vitória na guerra na Ucrânia. O representante de Bruxelas em Portugal acredita também que a abstenção pode descer nestas eleições europeias.

Entrevista a Pedro Valente da Silva
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Depois dos desafios da Europa nos últimos cinco anos como a pandemia de Covid-19 e a invasão da Ucrânia pela Rússia, o representante do Parlamento Europeu em Portugal acredita que a população está mais próxima dos assuntos europeus, em comparação com há cinco anos. Em entrevista à Renascença, Pedro Valente da Silva diz que acredita num aumento da participação nas eleições europeias este ano, depois de nas últimas, em 2019, se ter registado a maior taxa de abstenção de sempre, a rondar os 70%.

Pedro Valente da Silva fala ainda sobre um possível crescimento da extrema-direita em Bruxelas e nos desafios que uma nova eleição de Donald Trump nos Estados Unidos pode trazer à Europa.

Uma coisa é clara, para o representante do Parlamento Europeu: “a Europa necessita de se tornar mais autónoma da NATO em questões de defesa”. A Rússia pode ter a "tentação de ir mais além caso a Ucrânia não resista", alerta.

Que campanha está a ser feita pelo Parlamento Europeu em Portugal?

A nossa campanha é sobretudo informativa, ou seja, temos já todo um conjunto de outdoors, de informação que a circular, seja em em autocarros, quer em Lisboa quer no Porto, seja em comboios. Temos como parceiro a representação da Comissão Europeia e vídeos que estão a ser exibidos em vários canais de televisão.

É uma campanha que se pretende muito informativa porque estamos a utilizar espaços de informação digital para relembrar às pessoas a data das eleições europeias, que em Portugal acontecem no dia 9 de junho, e ainda alertar que se podem inscrever durante a semana no voto antecipado e votar no dia 2 de junho. Vamos também alertar para a grande inovação destas eleições: o facto de as pessoas no dia 9 de junho poderem ter o chamado voto em mobilidade e votar em qualquer local de Portugal ou mesmo do estrangeiro, onde existe uma mesa de voto.

Nas últimas eleições europeias, Portugal registou a maior taxa de abstenção em europeias. No entanto, o Eurobarómetro do último mês diz que os portugueses são dos mais interessados nos assuntos da Europa e que 57% admitem participar nas europeias. A abstenção é um desafio para o Parlamento Europeu em Portugal? O que pode justificar a falta de participação?

Esse Eurobarómetro dizia que cerca de 57% das pessoas, em abril, tinha interesse em votar se as eleições tivessem lugar na semana a seguir. Ficaria já bastante contente se 57% dos portugueses votassem, porque nas últimas eleições europeias, em que tivemos a mais baixa participação de sempre, votaram 30,75% dos eleitores. Se agora 57% dos cidadãos portugueses votassem, estaríamos quase no dobro, portanto, ficaríamos todos satisfeitos com essa participação.

"Não deixem para amanhã". Marcelo e Montenegro inscrevem-se no voto antecipado para as europeias

Acho que pode haver duas ordens de razões para a baixa participação: uma é o facto de as pessoas estarem contentes e isso parece que é indubitável. Sabemos que o voto é mais militante nas franjas populacionais que estão mais descontentes, portanto, quando as pessoas estão mais descontentes, tendem mais a votar e, se por um lado esses eurobarómetros demonstram que os portugueses têm uma confiança superior nas instituições europeias do que propriamente nas instituições nacionais, talvez sintam menos necessidade de votar.

Tenho esperança de que a votação de facto aumente. Desde as últimas eleições tivemos acontecimentos que obrigaram a Europa a tomar decisões que foram autênticas revoluções. Tivemos a pandemia em 2020 que obrigou a uma ação em conjunto da União Europeia para fornecer fundos para uma investigação em tempo recorde para criar vacinas contra a Covid-19. Tivemos também outra coisa que era quase impossível, um conjunto de mecanismos económicos para apoiar o reforço da economia Europeia a seguir à crise, conhecidos como a "bazuca", em que pela primeira vez a União Europeia foi aos mercados contrair empréstimos para ajudar os Estados-membros.

A invasão da Ucrânia pela Rússia obrigou a que houvesse toda a necessidade de uma ajuda muito grande não apenas humanitária, mas também para acolher os refugiados que procuraram refazer a sua vida e também uma ajuda inovadora foi o facto de a União Europeia estar a financiar a própria defesa militar da Ucrânia.

Penso que há uma maior atenção por parte das pessoas relativamente aos sistemas europeus e há talvez uma maior perceção das pessoas sobre a importância da União Europeia quer com a pandemia, quer com a bazuca europeia, quer com esta resposta que temos dado, de ajudar a Ucrânia a defender-se militarmente. Penso que há um despertar dos cidadãos para a importância da Europa, o lógico será que as pessoas reconheçam a importância das eleições europeias e vão votar em maior número do que o que tem acontecido nas anteriores.

"Há um despertar dos cidadãos para a importância da Europa"

Como está o Parlamento Europeu a olhar para esta questão da defesa? Está a Europa realmente a tentar assegurar independência do setor?

As discussões à volta da autonomia estratégica europeia começaram antes da invasão da Ucrânia pela Rússia. Sabemos, por exemplo, que na pandemia, numa fase inicial, não havia máscaras, as máscaras eram praticamente todas de fora do território da União Europeia e chegámos à conclusão de que a Europa estava extremamente dependente de terceiros.

Quando há uma crise e uma situação de emergência, a reação normal é que os Estados terceiros se fechem, tentem primeiro assegurar o provisionamento dos seus mercados e começa-se a pensar que temos também que ter produção própria, ou seja, não podemos apenas estar dependentes de produção que venha do exterior.

Depois tivemos a questão que se colocou muito com a invasão da Ucrânia, o facto de grande parte dos Estados europeus, da Europa Central e de Leste, estarem completamente dependentes do fornecimento do gás russo e, a certa altura, a Rússia estava também a usar isso como uma arma. Aí, tivemos que arranjar um substituto porque obviamente houve sanções à Rússia.

Tudo isso leva à questão da segurança europeia e, embora nem todos os Estados-membros da União Europeia sejam membros da NATO, durante todas estas décadas a defesa europeia assentou no guarda-chuva da NATO.

Deve a União Europeia desligar da NATO?

As opiniões políticas são diferentes: temos alguns partidos políticos, não apenas em Portugal mas na Europa, que acham que, por exemplo, Portugal e outros Estados europeus não deviam ser membros da NATO. A maioria do Parlamento Europeu tem estado no sentido de não haver essa desconexão relativamente à NATO, mas haver uma melhor coordenação.

Na NATO temos também os Estados Unidos, o Canadá, o Reino Unido, portanto devemos fazer com que a União Europeia seja uma espécie de um pilar europeu da NATO em termos de defesa. A ideia que tem predominado é de que nós devemos investir mais na defesa.

Há muitos operadores económicos na área da defesa na Europa, a questão é que eles não estão muito interligados e muitas vezes não há sinergias. Na Europa temos vários operadores no mercado que produzem tipos diferentes de tanques e deve haver uma maior ligação e interoperabilidade.

Neste momento, o que se discute é sobretudo como assegurar uma espécie de complementaridade com a NATO, mas tentar assegurar um pouco mais de autonomia europeia. Isso vai implicar investimento em termos europeus, feito pelos Estados-membros, mas que também se pode pensar designadamente em termos europeus, se não devem ser criados mecanismos adicionais para que possa haver um reforço também em termos da capacidade autonómica de defesa.

No Parlamento Europeu há a perceção de que podemos estar perante uma terceira guerra ou uma guerra alargada na Europa?

A Ucrânia fez uma opção no sentido de se aproximar da União Europeia e deixar de ser uma espécie de Estado mais ou menos satélite da Rússia e está a ser punida por isso. O risco que há, sobretudo se falarmos com pessoas dos Estados bálticos, com cidadãos da Moldávia, é que, se a Rússia vencer a guerra, se derrotar a resistência ucraniana e se ocupar militarmente toda a Ucrânia, poderá sentir-se tentada a não ficar por aí e pode, por exemplo, tentar invadir e conquistar os Estados bálticos, porque em tempos fizeram parte da União Soviética.

"Se a Rússia vencer na Ucrânia, poderá sentir-se tentada a não ficar por aí"

O alargamento da guerra é também uma hipótese colocada pelos deputados do Parlamento Europeu?

É, sobretudo, uma perceção que há não apenas entre entre os deputados, mas entre o especialistas em defesa, em ciência política e em relações internacionais de que pode haver aqui uma tentação de ir mais além caso a Ucrânia não resista a esta invasão russa.

Vai haver eleições nos Estados Unidos da América. Uma possível vitória de Donald Trump poderá levar a Europa a refletir alguns pontos estratégicos?

Já tivemos períodos de isolamento americano e já tivemos uma presidência com Donald Trump. De facto, tendo em conta a experiência da anterior presidência de Trump, isso coloca alguns alarmes. Por outro lado, os membros da NATO não podem dizer que este problema com os russos é um problema da Europa, porque há um artigo na NATO que diz que se um Estado-membro da NATO for atacado, os demais Estados-membros têm que ajudar a defender. Ainda assim é mais um alarme da necessidade ou da inevitabilidade de avançarmos no sentido de assegurarmos a vários níveis uma maior autonomia estratégica e parte passa por reforçar as capacidades de defesa europeias.

Qual é o caminho a seguir nas migrações e quando é que esta discussão poderá ter um fim?

Uma das últimas decisões que o Parlamento Europeu adotou foi, precisamente, aprovar o Pacto para a Migração e Asilo composto por 10 diplomas. Este grande pacote de asilo e das migrações é um pacote que tem muitas componentes.

Por exemplo, a Grécia, a certa altura, estava completamente com o sistema bloqueado porque o fluxo de pessoas que chegava e declaravam que eram refugiados era tão grande que os serviços administrativos não conseguiam dar resposta. Este pacto prevê que, em situações dessas extremas, os demais Estados-membros devem contribuir recebendo, pelo menos provisoriamente, essas pessoas, ou enviando funcionários para esses Estados para ajudar a processar todo esse conjunto de pedidos de asilo ou então contribuir financeiramente para que os Estados tenham capacidade financeira para providenciar abrigo, habitação e alimentação.

No caso dos migrantes há movimentos políticos que acham que não deve ser tão facilitado o acesso e há partidos políticos que acham que deve haver uma atitude muito mais aberta não apenas aos migrantes, mas até aos próprios refugiados.

No Parlamento Europeu nunca houve, digamos, uma família política, um partido político europeu que tivesse a maioria. Portanto, eles estão sempre obrigados a chegar a uma maioria no grupo no Parlamento Europeu e tem sido necessário pelo menos três famílias políticas para haver acordo: o Partido Popular Europeu, os socialistas e democratas Europeus, o Reino Europe, que antigamente eram chamados liberais e os verdes.

Isto é uma lógica muito mais complicada. A palete de cores é um bocadinho mais complicada à dos parlamentos nacionais. O processo de decisão é mais demorado, mas ao mesmo tempo também podemos dizer que é mais escrutinado e quando se chega a um consenso é com uma maioria ampla.

"Crescimento da extrema-direita? É provável nas eleições europeias"

Na Europa temos assistido ao crescimento de partidos de extrema direita. Acredita que nestas eleições europeias também possa haver uma mudança nessa composição do Parlamento Europeu?

Já nas eleições de 2019 alguns analistas políticos e órgãos de comunicação social aventavam a hipótese de as forças anti-europeias terem um grande reforço na votação que pudesse pôr em causa a maioria pró-europeia do Parlamento Europeu e isso não se verificou em 2019.

É provável que haja um reforço de movimentos políticos que vão desde eurocéticos a movimentos francamente anti União Europeia. Se extrapolarmos o que tem acontecido nos Estados-membros, com o crescimento de este tipo de grupos, penso que é provável que se venha a verificar nas eleições europeias.

Os estudos públicos apontam, no entanto, para o reforço destes movimentos, mas não numa medida que lhes permitem tornar-se na força dominante no Parlamento Europeu ou criar um bloco que pudesse pôr em causa a adoção de medidas de aprofundamento da União Europeia.

No Eurobarómetro sobre a juventude, Portugal destaca-se com um eleitorado mais jovem, interessado em participar nestas eleições europeias. O que leva os jovens a interessarem-se mais por questões europeias?

Os estudiosos dizem que as gerações mais jovens têm uma participação menos formal na atividade cívica ou política. A participação em manifestações, petições online ou de até não quererem comprar produtos que são produzidos num determinado país, porque acham que esse país não respeita os direitos humanos não deixa de ser uma participação política.

Nas eleições mais recentes em Portugal, nas legislativas, ficámos também com a perceção de que houve uma maior participação das gerações mais jovens, isto às vezes é como um pêndulo.

O exemplo da pandemia, o exemplo da invasão da Ucrânia pela Rússia, têm estado tão presentes no discurso político, na atenção mediática que eu acho que as pessoas não conseguem ficar indiferentes e, obviamente, conseguem ver as implicações e hoje em dia a forma de se aceder à informação também se massificou e as pessoas têm mais acesso, não só através dos média tradicionais, mas através dos sites. Mas é necessário conhecer os partidos para depois votar.

Dou sempre o exemplo do Brexit. Toda a gente se deitou convencida de que no referendo as pessoas iriam votar a favor da permanência do Reino Unido e depois acordámos de manhã com um murro no estômago, porque afinal a maioria dos britânicos que foi votar, votou no sentido da saída e depois foram feitos estudos e agora sabemos que muitas pessoas que queriam que o Reino Unido permanecesse na União Europeia não votaram.

Os partidos estão a abordar os temas certo e a focar-se mais na Europa ?

Tenho visto com muito agrado os debates, têm sido colocadas questões sobre temas europeus.

Um inventivo para se votar a 9 de junho.

Não há desculpa nenhuma para as pessoas não votarem, porque se querem ir para à praia podem votar numa mesa de voto nessa localidade . Quem não quiser fazer mesmo nada no dia 9 de junho, então inscreva-se no voto antecipado e no dia 2 vota.

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