Se acredita no Pai Natal este artigo não é para si

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Não podemos ignorar os significados de uma mobilização popular sobre “imigração descontrolada”. A manifestação de 29 de Setembro último é sintomática. A negação da existência de um mal-estar, desconforto e até aversão aos migrantes entre a população portuguesa não ajuda a procurar soluções para a complexidades das migrações, num quadro de direitos humanos. Estes sentimentos existem. Existem e já existem há muito tempo. E coexistem numa mistura com o que por vezes chamamos de racismo ou xenofobia. Certamente tornam-se mais visíveis se a migração também se tornar mais facilmente perceptível e se alguém der voz a esses sentimentos e até os amplificar e/ou distorcer.  

As narrativas populistas exploram, através de desinformação, o medo do desconhecido e da mudança, apresentando os migrantes como uma ameaça à cultura, à identidade e a valores tradicionais. Esta questão identitária é a causa (havendo outras) que muitos estudos apontam como mais significativa para o sucesso deste tipo de estratégias manipulatórias.  

Então e os migrantes não estão a roubar os empregos aos locais? Não. 

E os subsídios da segurança social não estão a ser pagos para “eles” não trabalharem? Não. 

E os migrantes não estão a aumentar os crimes em Portugal? Não. 

E não há comunidades migrantes a enterrar os mortos nos quintais ou caves de lojas? … não. 

Mais de 60% dos migrantes em Portugal estão empregados em setores como a construção e os serviços, muitas vezes ocupando vagas que não são preenchidas por trabalhadores nacionais. Os migrantes contribuíram com mais de 1.800 milhões de euros para a Segurança Social, com um saldo positivo de 1.604,2 milhões entre o que lhes foi pago por esta e o que contribuíram para a mesma. 84,7% dos reclusos em Portugal são portugueses, não apoiando a estória de que os migrantes são responsáveis pelo aumento da criminalidade. A não ser que as “teses” populistas (que são também fantasistas) considerem que os migrantes são muito mais inteligentes e competentes que os portugueses a evitar a prisão e que têm muito mais recursos para investir na sua defesa contratando os melhores advogados disponíveis.

Este dado mantém-se estável na última década, demonstrando que a maioria dos crimes graves são cometidos por portugueses. Casos extremos, como migrantes a enterrar mortos em quintais ou caves de lojas, podem acontecer, mas são situações muito raras e não representativas da realidade das comunidades migrantes como um todo. Estes casos podem estar relacionados com situações de marginalização extrema, pobreza, falta de acesso a serviços funerários ou direitos legais, e, em alguns casos, até exploração laboral e tráfico humano, em que os migrantes são quase sempre as vítimas. 

E se é assim como é que tanta gente acredita nestes mitos?  

Os que se baseiam em narrativas populistas para a manipulação das pessoas e de grandes grupos de pessoas, usam de elementos de discurso que acentuam as diferenças entre grupos, os medos, as percepções de injustiça. Os “outros” são descritos como o responsável pelos “males”, sejam problemas económicos e sociais ou outros, gerando um sentimento de “nós contra eles”. É a utilização do que sabemos sobre identidade de grupos. Já o medo é utilizado apelando diretamente às emoções, pois as pessoas reagem a ameaças percebidas (mesmo que não sejam reais) de forma emocional, procurando segurança em ideias simplistas e soluções radicais. Os factos e a racionalidade contam pouco. Já a pitada de injustiça é essencial pois activa a raiva, a grande mobilizadora. 

E qual o objectivo com que usam estas tácticas na estratégia política?  

Alguns podem acreditar no Pai Natal, outros podem utilizar conscientemente como forma de criar uma identificação com a forma de pensar e sentir de uma parte da população que assim se sentirá mais representada. No fundo, o objectivo é o mesmo de tantas vezes: chegar ao poder, independentemente dos meios. Nisto não há grande novidade e é usado desde o princípio dos tempos da esquerda à direita. A questão é, com que dimensão, impacto, temas e frequência. 

E o que fazemos com isto? 

Para a resolução de um problema é geralmente necessário que o identifiquemos e que o aceitemos como problema, etapa essa pela qual comecei este artigo. De seguida, podemos então olhar para algumas estratégias. Sem esquecer as que permitam apoiar aqueles que sofrem, por vezes de forma grave, com ansiedade, depressão, stresse pós-traumático, exclusão social e desamparo aprendido, temos de ir o mais possível actuar nas causas. Se as diferenças entre grupos e o medo do que é diferente estão na base do problema, então, necessitamos de aproximar estes grupos, integrar estes grupos e fazer deles um grupo de pessoas diferentes como tantos outros.

Para isso, para haver inclusão, é necessário que se conheçam mutuamente. Há pontos prévios como o conhecimento da língua e cultura por parte de quem chega e não só (através de acolhimento e formação), a simplificação administrativa, o acesso à saúde e educação, à habitação não guetizada, o reconhecimento de qualificações ou a formação profissional, entre outras acções já conhecidas no âmbito das boas práticas nas políticas públicas de migração.  

Os migrantes são pessoas. A integração de migrantes é um direito humano. O medo do que é diferente é natural… ou então… é acreditar no Pai Natal.  

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.

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