Sebastião Bugalho como cabeça de lista: A exceção ou a regra da mediacracia?

1 semana atrás 28

A meritocracia acarreta em si uma ou várias impossibilidades. Em primeiro lugar, a impossibilidade de nascermos todos do mesmo sítio, em igualdade de circunstâncias e com recursos semelhantes; como se cada nova geração se agarrasse à vida como uma folha em branco e se pudesse sentar imperturbável na secretária a escrever a sua própria história, isolada do contexto histórico e do que o futuro preconiza. Uma falácia que nos faz acreditar que se escrevermos a nossa história com vigor e sacrifício suficiente, como uma epístola às vindouras oportunidades inimagináveis, obteremos o reconhecimento que todos julgamos merecer.

Assim seria se a vida fosse linear e previsível, sem o carater arbitrário das relações humanas, que mudam trajetórias e armadilham o conceito de meritocracia, subvertendo-o e invertendo o eixo do mérito alicerçado no sacrifício-talento-progressão profissional. Ficamos todos surpreendidos quando tal fenómeno ocorre, como se estivéssemos sempre à espera que esta escala de esforço virtual imperasse como lei universal, quando essa é a exceção e nunca a regra.

Diria que, por vezes, os próprios protagonistas destas ascensões meteóricas fruto das circunstâncias, são também eles apanhados de surpresa. Assim foi com Sebastião I, de Portugal, quando viu a sucessão ao trono ser-lhe atribuída em tenra idade e, após as regências temporárias que lhe aqueceram o lugar, ter assumido as rédeas da nação. Com um desfecho trágico.

Anos depois, e por falar em aleatoriedade, um terramoto abalou Lisboa. Por astúcia ou por fortuna do seu nome, Sebastião José de Carvalho e Melo, na altura secretário de Estado do Reino foi encarregue de redesenhar a cidade em ruínas, tarefa que teve um desfecho mais feliz do que o de D. Sebastião, como podemos testemunhar, ainda hoje, pela beleza arquitetónica da nossa capital.

Lisboa quadrangular, desenhada a régua e esquadro para evitar fenómenos sísmicos, nem assim deteve o terramoto causado esta semana por um dos seus homónimos. A histeria imperou quando Sebastião Bugalho foi anunciado como cabeça de lista pela Aliança Democrática às eleições europeias. As opiniões desdobram-se e continuam a polarizar-se entre aqueles que acreditam que Sebastião é um sobredotado político e os que o acusam de não ter currículo para assumir um cargo de tal importância.

Antes de mais, defendo que a culpa não é de Sebastião Bugalho, que viu a oportunidade e agarrou-a como fariam todos os jovens com aspirações políticas. Reconheço a eloquência e articulação na transmissão das suas ideias, ainda que não concorde com as mesmas na quase totalidade dos casos. Acredito que tem potencial para uma prestação honrosa no Parlamento Europeu. Com uma certeza - a forma petulante com que a espaços se apresenta na televisão, de salutar pelos seus admiradores e muito criticado por aqueles que não se reveem nas suas ideias, terá de ser resfriada na sede da democracia plural europeia.

O jovem cabeça de lista às europeias pela AD é também um fruto dos tempos em que vivemos. Nos passos da polarização norte-americana da política do século XXI, já ninguém olha para os comentadores políticos como agentes imparciais, que ajudam a população a digerir a atualidade governativa e descodificam o seu vocabulário mais técnico, com o objetivo de democratizar a informação. Não sejamos incautos. A grande maioria dos comentadores tem um passado, um presente ou um futuro político, e não raras vezes os três em simultâneo. A política é a arte de zelar pelo bem comum, mas toda a sociedade é uma amálgama de interesses individuais.

Aqui reside o meu maior desconforto com esta nomeação de Sebastião Bugalho para cabeça de lista – na falta de transparência dos seus interesses individuais. De forma perentória, defendeu o seu direito de recusa a participar na política ativa e, pelo caminho, crispou o seu discurso. Atitude que ficou celebrizada pelo momento em que exigiu a Miguel Prata Roque, em debate aceso sobre a constituição do novo governo da AD, que “não enganasse o espectador”.

No final de contas, quem é que enganou o espetador?

Sebastião Bugalho afirmava que o único candidato com capital político para garantir uma vitória da AD nas eleições europeias seria Paulo Portas, para passados poucos dias se tornar ele próprio o candidato. Enquanto reiterava com frequência, no seu espaço de comentário, não ter vontade de se envolver na vida política. Desde quando é que mantinha este desejo encapotado? Parece-me que este comportamento também não anda longe do engodo aos espetadores.

Confesso que apesar das divergências de opinião, tenho um gosto especial em ver que elementos da minha geração começam a penetrar na esfera política nacional e internacional. Para além disso, não retiro o mérito como comentador ao recém-nomeado cabeça de lista da AD para as eleições europeias. Tem competências apreciáveis para a função. No entanto, engane-se quem acha que esta nomeação é o espelho do triunfo ou da representatividade de toda uma geração. É o triunfo de um elemento desta geração, nascida na segunda metade da década de 90, no mercado político do carisma.

O mesmo mercado político do carisma, que tem na televisão o seu maior artífice e nas últimas décadas construiu e legitimou as candidaturas e sucesso político de várias figuras como Donald Trump, no panorama internacional, ou Marcelo Rebelo de Sousa (apesar do seu historial como político), André Ventura e Sebastião Bugalho, em território nacional. Todos eles se assumem, em diferentes níveis, conservadores, todos eles beneficiaram largamente da sua participação televisiva e foram elevados ao estatuto de celebridade. No entanto, continuamos a perpetuar uma narrativa de ataque cerrado aos meios de comunicação perpetrados pelas forças mais conservadoras da sociedade.

A esfera do mercado do carisma, que irá eleger Sebastião Bugalho como deputado europeu, é diferente da esfera da ética protestante de trabalho pela qual corre toda uma geração à procura de ver o seu mérito reconhecido com um salário digno, nas respetivas áreas. Inclusive dentro do próprio PSD, CDS e respetivas juventudes. Com certeza muitos jovens dentro destes quadrantes políticos, alguns já com passado em cargos de responsabilidade, se viram ultrapassados pela improvisação mediática da AD, que parece estar, gradualmente, a abraçar a reminiscência das alas mais tradicionais do PPD.

No entanto, esse será um descontentamento que terá de ser gerido dentro de portas, num momento em que as circunstâncias da política nacional bafejaram de sorte, novamente, um Sebastião para representar Portugal além-fronteiras. É oportuno desejar uma prolífica estadia em Bruxelas ao futuro eurodeputado, para quem ser jovem é um sintoma, mas não a causa.

Este fenómeno reafirma a natureza dos programas de comentário político como campanhas à espera de acontecer. Uma espécie de aquecimento para a partida oficial, sem que os espectadores se apercebam que vai haver jogo. A bola está do lado das várias estações televisivas, pilares da democracia, que têm o dever de equilibrar a balança da representatividade dos diferentes grupos sociais, para que a mediacracia seja a exceção e não a regra, num espaço de debate plural, sem enganar o espetador.

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