Será a alternância entre dois blocos políticos inevitável?

9 meses atrás 99

Não vale a pena argumentar a favor ou contra, quando, na realidade, estamos perante um facto consumado: o fecho dum ciclo político. E, sendo assim, a análise económica que em regra transponho para esta coluna de opinião fica desde logo condicionada – mesmo que o funcionamento da economia ocorra, ainda que por inércia – pela incerteza quanto às expectativas dos diversos agentes económicos que geram alterações de comportamentos, ainda por cima quando a marcação das eleições legislativas é atirada para daqui a três meses!

Quando se fala em fecho do ciclo político, podemos desde já afirmar que não foram suficientes, por parte do Governo, alguns sinais e medidas que iam no bom sentido, designadamente a trajetória descendente da dívida pública, os aumentos salariais acordados, os diversos apoios sociais distribuídos face à emergência da conjuntura externa (principalmente no que toca ao combate ao surto inflacionista potenciado pela guerra na Ucrânia), bem como a projetada baixa no IRS.

Não foram suficientes quando comparados com o natural desgaste duma governação de oito anos, com a instabilidade no seio da maioria absoluta parlamentar (com casos e casinhos), com a percepção nítida da degradação de serviços públicos essenciais e, finalmente, com o tal parágrafo da PGR, que terá ajudado à demissão do primeiro-ministro.

Agora, o que se pede, quando o horizonte das eleições se situa em 10 de Março do próximo ano, é que os diversos partidos – dado o tempo de que dispõem – apresentem de uma forma clara e rigorosa as sua propostas políticas para a legislatura. Chega de soundbytes e de diálogos mais ou menos estridentes, mas sem conteúdo com valor acrescentado. Ainda que venhamos a estar confrontados com uma volúpia de sondagens para todos os gostos, e até contraditórias, que permitem aos analistas comentarem à sua feição, como se se tratasse da tabela classificativa dum campeonato de futebol!

Mas qual será o contexto político que vai moldar o período até às eleições e mesmo o subsequente? Estou em crer – cada vez mais “vozes públicas” o acentuam – que a próxima pugna eleitoral não se centrará numa disputa entre os tradicionais partidos moderados do centro (PS e PSD), mas sim entre os dois grandes blocos políticos opostos (o da direita e o da esquerda), principalmente quando não existe qualquer expectativa de uma maioria absoluta de qualquer um daqueles partidos centrais.

É neste quadro que um qualquer discurso do PSD que indicie um efetivo recentramento (como aliás tem acontecido durante e após o seu último Congresso), corre o risco de deixar desguarnecida, mesmo em termos de valores, uma direita mais conservadora e agressiva, a qual por sua vez se poderá tornar necessária para a construção dum bloco maioritário de direita.

Mais. PSD e IL vão exprimindo insistentemente que não querem qualquer acordo com a direita radical personificada no Chega, mas se o bloco de direita (PSD, IL, Chega e CDS) precisar – como é provável – dos votos do Chega para ser maioritário, então, prevejo que venha ao de cima o desígnio que toda a direita persegue, que é o de afastar “o socialismo do poder”, como se o socialismo do PS já tivesse “saído da gaveta” onde há muitos anos foi encarcerado em prol da consolidação duma democracia liberal.  Sendo assim, não resta a toda a direita política senão construir alguma maneira de viabilizar a sua potencial governação como bloco alternativo.

Em jeito de análise complementar, não esquecer a lógica anti-socialista que sempre constituiu o ADN do PSD, traduzida numa rivalidade histórica. O que significa a construção pelo PSD dum muro em termos de consensos governativos face ao PS.

Por sua vez, o PS, agora em disputa eleitoral interna para a sua liderança, poderá admitir (pressuposto de análise) – saindo vencedor o protagonista que ostensivamente não fecha portas a uma real aproximação à esquerda parlamentar – uma reedição da chamada geringonça, porventura noutros moldes. E aqui é o PS, aliás reforçando a atitude de António Costa, que vai construir o seu muro de distanciamento face ao PSD.

Assim, já vamos assistindo a uma possível radicalização no xadrez político nacional, ofuscando de alguma forma a habitual proeminência do chamado centro político moderado, que PS e PSD, per se, podem representar.

Tenho a convicção de que, nesta fase, o que o povo reclama são soluções de estabilidade, moderação e, naturalmente, de modernização da economia e da sociedade portuguesa em geral.  Não quer demagogia, populismo ou a incerteza que uma qualquer geringonça (a da esquerda ou a da direita) venha a trazer.

Contudo, estou de acordo com o já várias vezes expresso por correntes de opinião credíveis, que apontam no sentido de se construir uma solução política, particularmente na actual conjuntura, mais moderada e com maior potencial reformador.

Esta solução assentaria num “pacto” em que o partido do centro derrotado nas eleições se comprometa – mediante requisitos negociados – a viabilizar um governo do partido do centro vitorioso, o que implicaria que o partido derrotado não perdesse abruptamente a sua influência política nas áreas de decisão, ao mesmo tempo que se tentaria dificultar a ascensão de posições políticas extremistas. Para o que contribuiria a relativa identidade ideológica entre eles em certos domínios.

Não se trataria de um governo de bloco central, facto per se indesejável num sistema alternante, mas apenas o de construir, desde já, uma plataforma tipo rampa de lançamento para a consensualização possível, em tempo útil, de reformas em áreas-chave do regime há muito reclamadas pela sociedade – creio eu de uma forma maioritária.

Mas tal não é o que vai suceder, pela certa! Quando muito restará, dentro da solução encontrada no interior de cada um dos grandes blocos políticos, uma tentativa de exercer algum combate a vocações mais extremadas.

Assim, no âmbito do bloco de direita, torna-se indispensável chamar à realidade o Chega (recolhe votos de portugueses), ou seja, confrontá-lo com as suas propostas políticas duma forma concreta e mensurável, tentando evitar fugas para discussões demasiado generalistas, a roçar para a demagogia. E, no que toca à Iniciativa Liberal, haverá que confrontar com rigor a organização do Estado Social nas suas múltiplas vertentes.

Já do lado do bloco político da esquerda compete ao PS relembrar à sua esquerda parlamentar os seguintes elementos de combate político:

– opções quanto a alguns pilares da política externa, o que de momento se afigura mais problemático;

– contenção de despesas que satisfaçam necessidades sociais – em regra compreensíveis –  dentro dos padrões de equilibro orçamental já alcançado, ainda que com alguma flexibilidade;

– visão demasiado estatizante da economia, traduzida numa filosofia que pouco estimula a iniciativa empresarial privada como geradora que é de maior riqueza e crescimento económico.

Faço notar, no entanto, que para ser viável esta finalidade de atenuação das visões dos extremos no seio de cada um dos blocos políticos, torna-se necessário que os respectivos partidos líderes (PSD e PS) obtenham resultados eleitorais suficientemente distantes do somatório dos resultados obtidos pelos partidos componentes de cada bloco. E aqui vejo mais facilidades de concretização à esquerda do que no lado da direita política.

Vamos aguardar as eleições internas no PS e qual o bloco vencedor nas legislativas, concluindo o quanto distante fica a solução final de governação da moderação política, económica e social, a meu ver reclamada pela necessidade de reforçar a solidez e competitividade da economia portuguesa, incluindo, naturalmente, a diminuição das desigualdades sociais.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.

Ler artigo completo