“Simplex ambiental” ou licença para destruir?

2 meses atrás 56

Sob a pretensa égide da “simplificação administrativa”, o Governo aprovou um diploma que, no nosso entender, mais do que simplificar procedimentos pode vir a constituir uma espécie de “licença para destruir” e, consequentemente, um grave retrocesso em matéria ambiental, ao eliminar a eito licenças, autorizações e outros procedimentos até agora previstos na lei e que visam dar mais garantias de proteção aos valores naturais e ao abrir portas ao deferimento tácito.

Em causa estão alterações preocupantes ao nível do procedimento de avaliação de impacte ambiental (AIA). Lamentavelmente, ao longo do tempo, o regime jurídico de AIA vinha já sendo objeto de alterações, algumas das quais na lógica de que o ambiente é um entrave ao desenvolvimento económico e que, por isso, é preciso aligeirar ‘o intricado da lei’.

Não deixa, porém, de ser curioso, que a Comissão Europeia (CE) tenha em curso uma ação intentada contra Portugal junto do Tribunal de Justiça da União Europeia por incorreta transposição da diretiva comunitária relativa à avaliação dos efeitos de determinados projetos públicos e privados no ambiente.

Segundo a CE, um dos aspetos em causa prende-se com o facto de as disposições nacionais isentarem de avaliação ambiental mais projetos do que o permitido pela diretiva. Ora, no âmbito do chamado “simplex” ambiental o Governo vem dispensar de AIA ainda mais projetos, como a instalação de centros eletroprodutores de energia solar que ocupem até 100 hectares.

Ainda que o ministro do Ambiente já tenha vindo dizer que nas áreas com “sensibilidade ambiental” continuará a existir avaliação de impacte ambiental, acontece que tal não significa que deve ou possa ser descurado o potencial impacte ambiental de projetos previstos para áreas sem estatuto de proteção reconhecido, tal como não o deve ser o impacte cumulativo da sua dispersão no território.

É preciso uma alteração naquela que parece ser uma tendência de redução dos projetos que devem ser sujeitos a AIA, no que parece ser uma espécie de lógica de “serviços mínimos”, sob pena de, desta forma agravarmos irremediavelmente o estado de conservação dos nossos ecossistemas e, por conseguinte, a perda de biodiversidade e degradação dos solos.

De acordo com o Relatório do Estado do Ambiente de 2021, no período em análise, 2008-2020, não só o número de processos de avaliação instruídos apresentou um decréscimo, como apenas 5,5% resultaram numa declaração de impacte ambiental desfavorável!

Numa altura em mais um relatório do IPCC foi divulgado e em que os especialistas alertam para o colapso climático, não podemos perder a ligação à natureza nem permitir que a ponderação de índole económico-financeira no processo de AIA prevaleça sobre os valores ambientais a salvaguardar ou o puro deferimento tácito.

Uma coisa é simplificar procedimentos, otimizar plataformas ou eliminar redundâncias processuais, outra coisa bem diferente é invocar a necessidade de simplificação para criar um regime assente numa permissividade tal que se transforma numa “licença para destruir”.

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