Sono em Portugal: uma crise silenciosa

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O tempo é um bem escasso num mundo com inúmeras solicitações e afazeres, em que escolhemos, muitas vezes, encurtar os períodos destinados a satisfazer as necessidades mais básicas, como é o caso das horas reservadas ao sono.

Acordamos cedo e deitamo-nos tarde, conduzindo a uma constante sonolência que é camuflada por substâncias estimulantes como a cafeína. Contudo, estes comportamentos têm um preço elevado no organismo, em particular no cérebro.

O sono é uma função fisiológica durante a qual ocorrem muitos processos biológicos essenciais para o equilíbrio do corpo. Durante o sono, o cérebro armazena novas informações, as células nervosas comunicam e reorganizam-se, o corpo repara as células eliminando resíduos tóxicos e restaura energia, libertando moléculas vitais para o seu bom funcionamento.

A privação de sono compromete muitos destes processos, prejudicando a regulação do apetite, bem como do metabolismo e dos níveis de açúcar no sangue, aumentando o risco de diabetes. Quando dormimos pouco a leptina, hormona que regula a saciedade e que é produzida durante o sono, diminui e o apetite aumenta, em particular para alimentos doces e mais calóricos, conduzindo a um aumento de peso e desequilíbrio metabólico.

O sono insuficiente prejudica, também, o sistema imunitário, aumentando a suscetibilidade a infeções. Condiciona a saúde reprodutiva e aumenta o risco de doenças cardiovasculares, como hipertensão arterial, doença cardíaca e acidente vascular cerebral.

A aprendizagem, o desempenho cognitivo e a retenção de informações são afetadas pela má qualidade de sono, justificando as frequentes queixas de memória quando o sono não é reparador.

As alterações do sono atingem todas as faixas etárias

Quando subtraímos horas ao sono verificamos o surgimento de alterações de humor, irritabilidade, ansiedade e maior sensibilidade emocional.

O estilo de vida dos países ocidentais, com tecnologia e iluminação omnipresentes e com horários de sono irregulares ditados pelo trabalho e atividades sociais, acarreta cada vez mais queixas associadas a um sono insuficiente e de má qualidade.

Em Portugal, os problemas com o sono são prevalentes e multifatoriais. As principais causas são o stresse e a ansiedade com as exigências do dia a dia, os horários de trabalho longos e o trabalho por turnos, as preocupações financeiras e os problemas de saúde.

As alterações do sono atingem todas as faixas etárias. As crianças portuguesas dormem, em média, menos horas do que noutros países europeus, apresentando maior sonolência diurna e potenciais efeitos no funcionamento cognitivo, no rendimento académico e na regulação emocional e comportamental.

Os adolescentes, que apresentam um atraso de fase do sono fisiológico, são um grupo particularmente vulnerável a desenvolver alterações do sono. Para além deste fator intrínseco, as agendas escolares e extracurriculares lotadas e uma quase permanente conexão online, restringem ainda mais o tempo destinado a dormir. Como consequência, aumenta o risco de excesso de peso, infeções, aumento da sensibilidade à dor, maior irritabilidade, impulsividade e humor deprimido. O sono insuficiente acumulado induz um menor desempenho académico e aumenta o tempo de reação, que pode contribuir para acidentes.

À medida que envelhecemos, o tempo total de sono diminui e tende a ser mais leve e fragmentado, podendo haver mais dificuldade em adormecer. A somar a esta normal evolução, as longas jornadas e horas de trabalho fora de expediente, as obrigações domésticas e familiares e o trabalho por turnos, contribuem para uma redução no tempo que deveria estar destinado ao sono.

As doenças físicas e mentais (em particular, ansiedade e depressão), a dessincronização dos ritmos circadianos, as alterações sociofamiliares, o isolamento social e as mudanças no estilo de vida, são fatores que agravam a qualidade e quantidade de sono nos idosos. O envelhecimento ativo, com menos carga de doença, apresenta também aqui um papel protetor para melhores noites de sono.

O sono dos portugueses

Mas serão apenas os hábitos dos portugueses a justificar estes problemas com o sono? Haverá outras razões para alongarmos o dia pela noite dentro?

Curiosamente, o facto de os portugueses apresentarem um horário de refeições mais tardio, deitarem-se tarde e manifestarem mais dificuldade em iniciar o dia poderá dever-se a um cronotipo médio mais tardio em comparação com o de outros países que partilham o mesmo fuso horário.

Dentro do fuso horário, a hora social é a mesma, contudo a hora solar atrasa progressivamente de Este para Oeste dando origem a uma fase circadiana mais tardia e, consequentemente, maiores discrepâncias entre a hora social e a hora biológica dos indivíduos.

Tendo isto em consideração, deveríamos debater, enquanto sociedade, se os horários sociais que praticamos são os que mais se adequam, na medida em que estão desfasados do nosso relógio biológico.

A agudizar este fenómeno temos as alterações sazonais de horário, com a mudança para a hora de verão ou de inverno. O impacto no nosso organismo é maior na mudança para o horário de verão, verificando-se que na semana seguinte à mudança da hora se regista um aumento dos acidentes de viação, dos ataques cardíacos, das alterações gastrointestinais e das cefaleias.

Somos um país com baixa produtividade, com um número significativo de pessoas a queixar-se de cansaço e níveis de stresse elevados. A pouca qualidade e quantidade de sono podem ter aqui um forte impacto.

Neste âmbito, as empresas e instituições públicas, as escolas e universidades, deveriam repensar o seu funcionamento considerando horários nos quais o ritmo biológico é respeitado e se encontra sincronizado. Estas medidas podem traduzir-se em melhor desempenho profissional e escolar, melhoria da saúde mental, redução do risco de doenças cardiovasculares e neurodegenerativas, diabetes, obesidade e redução de acidentes.

Não há fórmulas mágicas, mas sim estratégias para melhorar o sono

Não há uma fórmula mágica para dormirmos bem, mas há estratégias eficazes para melhorar o sono: manter uma rotina de adormecer e acordar todos os dias à mesma hora, incluindo fim de semana; aumentar a exposição à luz solar de manhã; ter um ambiente (luz, ruído e temperatura) confortável no quarto; não permanecer na cama se não for para dormir; evitar exercício físico intenso, refeições pesadas e utilização de dispositivos com ecrã luminoso ao final do dia.

Se a dificuldade em adormecer ou manter o sono persistir, se ressona ou apresenta paragens respiratórias durante o sono, se tem pesadelos recorrentes que o/a acordam, se os seus sonhos são acompanhados de movimentos corporais que o podem magoar a si ou a quem dorme consigo, ou ainda se acorda cansado e se sente sonolento durante o dia, deverá procurar ajuda médica especializada.

Sofia Gomes assina este texto na qualidade de autora do ensaio “O Sono dos Portugueses”, editado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS), no âmbito da parceria entre o Jornal Económico e a FFMS.

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