Substituição de Zaluzhny incomodou, "mas não é nenhuma tragédia"

7 meses atrás 87

A deputada, vice-presidente da comissão parlamentar responsável pela integração europeia, considerou, em entrevista a Lusa, que a substituição de Zaluzhny, antecedida por semanas de rumores sobre a sua saída, não vai confirmar receios entretanto levantados dentro e fora da Ucrânia de que a luta contra a invasão russa se tornará numa confusão total e num desastre e que os combates indefinidos serão perdidos.

"Não me parece. Penso que o Exército, tal como os rapazes e todas os homens e mulheres, continuam a fazer o seu trabalho e não foram colocados em pausa no dia desta decisão", afirmou a deputada, apesar da "desordem criada pelos rumores relacionados com o assunto".

Zaluzhny foi afastado na quinta-feira, tendo sido designado como seu sucessor Oleksandr Syrsky, até então comandante do Exército, numa decisão criticada por vários setores da oposição e que suscitou comentários nos países aliados sobre a potencial instabilidade política e militar no país.

O Presidente ucraniano saudou o trabalho do general Zaluzhny e propôs que permanecessem na sua equipa: "Falámos das alterações que são necessárias nas Forças Armadas. Discutimos o que poderá ocorrer com um comando renovado das Forças Armadas da Ucrânia. Este é o momento da renovação", justificou Volodymyr Zelensky, que, numa entrevista na semana passada à estação italiana RAI, disse estar a ponderar outras saídas no Governo.

Maria Mezentseva, eleita em 2019 pelo mesmo partido de Zelensky, disse ter visto uma "relação sólida, amigável e humana" entre o Presidente e o seu chefe militar quando a decisão foi anunciada, a que se seguiu a condecoração atribuída ao general de "Herói da Ucrânia", a mais alta distinção no país.

"Penso que não se pode fingir estas emoções de ambas as partes, que foram muito abertas e positivas", comentou a deputada, que conhece bem Zaluzhny e menos Syrsky, que esteve no comando das unidades que repeliram, no primeiro ano da invasão russa, as tropas de Moscovo da região de Kharkiv, no leste do país, o circulo de Mezentseva.

A parlamentar observou que o próprio Zaluzhny reconheceu que a sua demissão é um direito constitucional do Presidente, sendo para ela "claro que as pessoas apoiam ambos" e que "só o tempo poderá mostrar qual foi o resultado desta decisão", esperando que seja positivo.

"Atualmente, a nossa tarefa é ganhar. A vitória é a tarefa. E alguns diriam a todo o custo, mas todo o custo significa vidas humanas e, por isso, é preciso ter cautela", afirmou a deputada, numa alusão às divergências que têm sido propagadas entre Zelensky e Zaluzhny, algumas das quais tornadas publicas, mas ressalvando que não é militar.

Na verdade, Maria Mezentseva ingressou na academia militar e estará em novembro fardada a cantar o hino nacional na sua graduação, pronta a servir nas Forças Armadas, o que só poderá acontecer, em qualquer caso, quando terminar o seu mandato de deputada.

Nos últimos anos, tem estado em contacto com várias brigadas das Forças Amadas e, na qualidade de representante no parlamento, promete ajuda a todas as partes envolvidas na mesma missão, justificando que a responsabilidade tem de ser partilhada com todos, mencionando em particular os ministros da Defesa, Rustem Umerov, e dos Negócios Estrangeiros, Dmytro Kuleba, "que estão a dar o seu melhor", e que tanto os comandos de Syrsky como anteriormente de Zaluzhny fazem parte da controversa lei da mobilização, que se encontra em discussão no parlamento e que já teve uma aprovação preliminar em primeira leitura.

O documento votado pretende simplificar os procedimentos de inscrição no Exército e introduzir sanções para quem resistir à mobilização, que devem ser aprovadas por um tribunal.

Contudo, segundo os críticos, isso não resolve o problema da desmobilização daqueles que estão na frente há muito tempo e o provedor dos Direitos Humanos, Dmytro Lubinets, já avisou que o documento contém "disposições contraditórias" que podem violar a Constituição.

"No final, vai perguntar-se quem é que vai assumir essa responsabilidade pelos votos. É claro que vamos votar, mas partilharemos esta responsabilidade em conjunto", declarou.

Para a deputada, "não há nenhuma lei que possa ser perfeita" e, antes da aprovação da segunda leitura pela Rada (parlamento), deverão proliferar mais sugestões de alterações, que, em qualquer circunstância, "quando se trata da questão da existência do país, tem de se incluir, evidentemente, os direitos fundamentais", alertou, e não permitir que sejam bloqueadas contas bancárias e "outras iniciativas lamentáveis, como as que a Rússia queria fazer, aliás".

Em simultâneo, a Ucrânia precisa renovar o seu potencial de alguma forma, prosseguiu, e o país deve estar preparado, "porque todos os dias surgem notícias de que Kharkiv será atacada amanhã ou que os russos vão capturar Kupyansk" também no leste do país, embora não acredite nisso.

Maria Mezentseva já agradeceu, através das redes sociais, a Valery Zaluzhny, que poderá ter um papel futuro nas relações com a NATO ou com os Estados Unidos, "um parceiro vital" que tem bloqueado no Congresso um financiamento de quase 50 mil milhões de euros à Ucrânia, e desejou "sorte e inspiração" ao seu sucessor no comando de umas Forças Armadas que ganharam recentemente um novo ramo, 'drones', que faz coisas extraordinárias".

Apesar de aquilo que se passava na política doméstica ter caído em parte no domínio publico, a deputada até aprecia que isso tenha acontecido e que a substituição no comando das Forças Armadas tenha sido uma escolha assumida com todos os riscos pelo Presidente, como forma de rebater os argumentos da Rússia, que diz constantemente que influencia todas as decisões na Ucrânia". Mas, mais uma vez, "só a história mostrará o que estava certo e o que estava errado".

Ao fim de quase dois anos de uma guerra altamente desgastante, o que a faz continuar a lutar é "a gravidade das perdas, as pessoas que nunca, infelizmente, se conseguirá recuperar", acompanhada pelo sentimento de que teriam sido em vão, se houvesse a intenção de desistir.

"Mas nós escolhemos outro caminho, escolhemos lutar e de resistir pela nossa pátria, pelo que não tenho o direito de desistir nem de dizer que estou cansada, porque, se há alguém cansado nesta guerra são os soldados e continuam a combater", defendeu.

A justiça tem também um papel relevo na motivação para continuar a guerra, sendo um dos dez pontos da fórmula de paz proposta pelo Presidente Zelensky, e que assenta na constituição de um tribunal para os crimes de agressão, assumindo um caráter internacional, com apoio de dezenas de países, incluindo Portugal, com vista a responsabilizar as lideranças russas, em concreto, o Presidente Vladimir Putin, e os seus ministros da Defesa, Sergei Shoigu, e dos Negócios Estrangeiros, Sergei Lavrov, a reparar as vítimas.

A propósito, Maria Mezentseva expressou gratidão ao apoio de Portugal no Conselho da Europa, onde preside à delegação da Ucrânia, mencionando uma resolução na sua Assembleia Parlamentar apresentada por Paulo Pisco (PS) sobre a deportação de 20 mil crianças ucranianas para a Rússia como um possível ato de genocídio.

"Estamos muito gratos a Portugal em geral porque, por um lado, está a acolher as nossas pessoas temporariamente deslocadas, que são na sua maioria mulheres e crianças. Por outro, ajudou-nos a levantar esta questão [deportações], e dar-lhe um verdadeiro impulso ao mais alto nível desde outubro", referiu, dando conta de uma coligação internacional de mais de 40 países sobre os menores forçados a partir para a Rússia, onde, segundo várias denúncias, chegam a receber treino militar.

A deputada recorda o caso de um jovem que foi devolvido à Ucrânia quando tinha acabado de cumprir 18 anos e "curiosamente recebeu duas propostas para se alistar" no Exército de Moscovo.

"Quando se pensa que a Rússia já não pode fazer mais nada, imagine-se que o seu objetivo é fazer com que os nossos filhos lutem contra nós", observa a deputada, referindo que, a par das crianças deportadas, a Ucrânia procura também ações em relação a militares desaparecidos e prisioneiros de guerra, no raciocínio de que "nunca se pode pensar que não há nada a fazer para pressionar a Rússia, porque há sempre".

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